1 de abril de 2004
Oh! Ana Albergaria. Como deves estar recordada, eu só queria desabafar. Mas, já que insistes, vamos lá então. É verdade que eu nunca li um livro do Saramago até ao fim, nem tenciono ler. Mas podes crer que tentei. Afinal, Saramago é Nobel da Literatura e os suecos não devem ser nenhuns mentecaptos, não é? Mas acontece que tropeço a toda a hora em prosa como a que transcrevi no "post" de ontem, e eu não sou de ferro. Até o masoquismo tem limites, que diabo. Mas não tenho nada contra o facto de gostares do homem — da forma como ele «ensarilha as palavras», das «lengalengas algo indecifráveis», do «cochichar morrinhento», da «prosa chorumenta», do «linguajar rabioso», do que seja. Como sabes, ele há gostos para tudo e cada um sabe de si. E até acho bonitas as expressões que tu usas para caracterizar o homem (ou a prosa do homem, não sei bem), embora isso me cheire mais a ternura (por não sei quem) que a outra coisa. Repara que eu só falo da prosa, não falo do homem. Porque eu acho que o homem, apesar das bacoradas com que volta e meia nos brinda e de se levar demasiado a sério, ainda se tolera. E, já que falaste de Lobo Antunes, eu era capaz de jurar que ele disse, numa entrevista, que quando lia Saramago apetecia-lhe logo começar a emendar. É o que me acontece a mim, mas quem sou eu para emendar prosa nobelizada? E por aqui me fico, amiga Ana, que isto de polémicas não paga a renda. Antes, porém, permite-me que te recomende um pouco de cuidado com essa tua fixação pelos Abba. É que é bem capaz de andar tudo ligado, como dizia o outro. Um abraço e votos de que continues a escrever da forma que escreves e a dizer o que pensas de forma desassombrada. Porque de uma coisa podes estar certa: aprecio mais os teus «disparates» e a tua prosa que as «verdades» e o «linguajar rabioso» do ilustre cavalheiro. Como julgo ter dito uma vez, eu, de Saramago, prefiro o Alfredo.