2 de fevereiro de 2010

LI E GOSTEI (12)

Há trinta e cinco anos que um bretão anónimo lavrou na Westminster Review a condenação do vinho do Porto como deletério e empeçonhado por acetato de chumbo e outros tóxicos anglicistas. O homem, pelas rábidas violências do estilo, parece ter redigido a calúnia depois de jantar, numa exaltação capitosa do tanino do alvarilhão que ele confundiu com as aflições dos venenos metálicos. Relembra lamentosamente, com a lágrima das bebedeiras ternas, o século dezoito, em que o genuíno licor do Porto era um repuxo de vida que irrigara a preciosa existência de grandes personagens da Grã-Bretanha. Recorda Pitt e Dundas, Sheridan e Fox, famigerados absorventes do nosso vinho. Diz que Lord Eldon e Lord Stowel, graças infinitas ao Porto, reverdejaram e floriram em velhos; e Sir William Grant, já decrépito, bebia duas garrafas de Porto a cada repasto, para conservar cristalinamente a limpidez das suas faculdades mentais e a rija musculatura de todos os seus membros já locomotores, já apreensores, e o resto. Lamenta que Pitt, débil de compleição, com o uso imoderado deste tónico, e em resultado de pletoras frequentes combatidas com amoníaco e sulfato de magnésio, vivesse dez anos menos do que viveria, se possuísse o incombustível estômago curtido do venerável Lord Dundas.

Camilo Castelo Branco, O vinho do Porto (actualizada a grafia)