29 de outubro de 2011
ESTOU A LER (2). «Estudo, desde há semanas, a biografia de Louis de Rougemont, considerado um pioneiro em toda a acepção da palavra, o primeiro caso moderno de viajante imóvel. Este viajante helvético, que há mais de um século causou sensação em Londres publicando na Wide World Magazine as espectaculares crónicas das suas experiências viajantes, podia ter contado que tinha estado entre canibais em Maiorca, mas preferiu ir muito mais longe. Foi para os antípodas, a Austrália. Antes, tinha-se dedicado, entre escafandros e batíscafos, à pesca de pérolas frente à costa meridional da Nova Guiné, mas uma tempestade desviou-o para o continente australiano, onde durante trinta anos foi chefe de uma tribo canibal, viajou em cima de tartarugas gigantes, curou-se de certas doenças dormindo dentro de búfalos mortos, e teve um filho da nativa Yamba, que ela devorou em frente dele. Uma vida que impressionou os ingleses. Quando a patranha foi descoberta — o tal Rougemont, na realidade, chamava-se Green (ou Grin) e, embora tivesse sido açougueiro na Austrália, a maior parte da sua vida não tinha saído da biblioteca do Museu Britânico —, o genial fabulador procurou sobreviver dando conferências e anunciando-se como o maior embusteiro do mundo. Sir Osbert Sitwell, que seguiu os seus tristes últimos passos, recorda-o a vender fósforos na Avenida Shaftesbury. “Este fantasma sem abrigo vestia um sobretudo velho e esfarrapado, sobre o qual caía o seu cabelo ralo, e tinha um rosto sereno, filosófico, curiosamente inteligente. Comprei-lhe uma caixa e disse-me, como se sussurrasse, que os fósforos eram verdadeiros.”» Enrique Vila-Matas, Diário Volúvel