29 de outubro de 2011
ESTOU A LER (3). «Um Tamisa Iívido e lamacento ao anoitecer, quando a maré sobe ao longo dos pilares das pontes: neste cenário que as crónicas deste ano trouxeram à actualidade sob a luz mais lúgubre, um barco avança a rasar os troncos flutuantes, as chatas, os destroços. À proa do barco, um homem de olhar de abutre fita a corrente como quem procura alguma coisa; aos remos, semi-oculta por um capuz e uma capa de oleado, está uma donzela de rosto angélico. O que procuram? Não se tarda a perceber que o homem recolhe cadáveres de suicidas ou de assassinados atirados ao rio: para este tipo de pesca as águas do Tamisa parece que todos os dias são generosas. Avistado um corpo à flor das águas, o homem é rápido a esvaziar-lhe os bolsos das moedas de ouro, e depois a puxá-lo com uma corda até um posto da polícia na margem, onde receberá uma recompensa. A donzela angélica, filha do barqueiro, tenta não olhar para o macabro achado; está aterrada, mas continua a remar.» Italo Calvino, ensaio (Charles Dickens, Our Mutual Friend) publicado no volume Porquê Ler os Clássicos?