28 de setembro de 2012
ÉTICA DE CASA DE BANHO. «Vivemos numa sociedade em que (...) não é possível em termos de cuidados de saúde todos terem acesso a tudo. Será que mais dois meses de vida (...) justifica uma terapêutica de 50 mil, 100 mil ou 200 mil euros?» Não, não foi um ditadorzeco quem disse isto. Foi o presidente de uma organização que dá pelo nome de Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida, que propôs ao Ministério da Saúde como receita para reduzir o que considera um desperdício de recursos nos tratamentos mais caros para doenças como o cancro e a sida. Ninguém se admire, portanto, que a seguir proponham eliminar cirurgias cardíacas em anciãos de 90 e mais anos, que previsivelmente não vão durar muito mais tempo depois disso, e a cirurgias são, como se sabe, caríssimas.
INIMIGOS DA DEMOCRACIA. Francisco Assis escreveu, no Público, que publicações como o Jornal de Notícias e Correio da Manhã «constituem verdadeiros inimigos da democracia». Porque as «actuais linhas editoriais» dessas duas publicações apelam «às piores pulsões populares», que só contribuem «para a degradação de um espaço público que é indispensável para a afirmação de um verdadeiro debate democrático». Devo dizer que aprecio os políticos que enfrentam a comunicação social, e não me refiro aos que o fazem para se defenderem de alguma acusação. Aprecio porque é mais fácil não o fazer, e há muito se demonstrou não ser boa política atacar os media. Dito isto, Assis bem podia, sobre o caso a que se refere, acrescentar mais alguns. Podia, por exemplo, acrescentar o próprio jornal onde escreve, a SIC e a RTP.
27 de setembro de 2012
ENTRE O MAU E O PÉSSIMO. O mais engraçado nesta história de Romney, pelos vistos falsa, foi o modo como a generalidade dos cidadãos, conservadores ou liberais, republicanos ou democráticos, facilmente a tomou por verdadeira. Os americanos já se habituaram de tal modo às gaffes (chamemos-lhe gaffes para simplificar) de Romney que se o candidato republicano amanhã disser que a terra é quadrada já não estranham, nem sorriem. Depois de num jantar de angariação de fundos considerar que mais de metade dos americanos foge aos impostos e vive à custa do Estado, entre outras pérolas do mesmo quilate, já nada espanta em Romney. É por estas e por outras que me preparo, como há quatro anos, para votar Obama, então porque Obama me pareceu o menos mau, agora porque um é mau e o outro péssimo.
24 de setembro de 2012
DEMAGOGIA. A ministra da Agricultura resolveu cortar uvas no Douro como forma de mostrar, disse ela, que está atenta às dificuldades que afectam a viticultura duriense. Admito que possa estar enganado, mas se isto não é demagogia, então não sei o que é demagogia. Aliás, não é a primeira vez que a ministra se mete em exercícios demagógicos. Para quem, como ela, se meteu na política há dois dias, pelo menos na política partidária, convenhamos que aprendeu depressa o pior que há na política.
21 de setembro de 2012
ESPECIALISTAS E OUTROS MALABARISTAS. Como não se espera que o Governo nos venha explicar os motivos que o levaram a contratar 29 colaboradores com menos de 30 anos (o mais novo parece que tem 24), por que não exige a oposição que o Governo as explique? Afinal, se o Governo tem deveres nesta matéria, a oposição também os tem. Aliás, é mais estranha a mudez da oposição que a do Governo. Se ao Governo não convém explicar o que se adivinha difícil de explicar, já a oposição teria oportunidade de prestar um serviço ao país, e de caminho conquistar mais uns adeptos para a sua causa. Como não o fez, e se adivinha que não o fará, só pode ser por uma razão: a oposição, nomeadamente a que já foi Governo, não pode denunciar pecados que também cometeu.
20 de setembro de 2012
BEM PREGA FREI TOMÁS. Por falar em coerência, onde está a do João Gonçalves, que se fartou de dizer cobras e lagartos de quem, agora, instalado no gabinete de Miguel Relvas (olhem só quem havia de lhe calhar), já só lhe falta deitar-se no chão para que lhe passem por cima?
PÓLVORA SECA. Prestei escassa atenção à entrevista do líder do PS à RTP, mas lembro-me de lhe perguntarem quanto podia o Governo arrecadar com um imposto sobre as Parcerias Público-Privadas (PPPs), por ele mesmo proposto como alternativa às medidas anunciadas pelo primeiro-ministro (subida de 7% na contribuição para a Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem e descida de 5.25% da taxa social única das empresas), e Seguro responder que os números ainda estão a ser estudados pelos técnicos. Ora, se assim é, como pode ele dizer que o tal imposto sobre as PPPs poderia ser uma alternativa?
18 de setembro de 2012
FIM DE SEMANA. Passei o fim de semana afastado das notícias, que adivinhei piores à medida que o tempo passava, e aproveitei-o para concluir The Road to Oxiana, que iniciei há um par de anos e só agora decidi terminar. Retomo as notícias, as frescas e as outras, e confirmo que assim foi. As de hoje são piores que as de ontem, que já eram piores que as de anteontem. Pior: não se vislumbram melhores notícias para os próximos dias, talvez para os próximos anos. Não fossem as contas a pagar, e passar-me-ia a ocupar exclusivamente do que me interessa, duas ou três coisas sem importância para a generalidade das pessoas mas para mim essenciais.
14 de setembro de 2012
DA OPOSIÇÃO. Que a oposição, toda a oposição, seja contra tudo o que o Governo faz ou deixa de fazer, mesmo as coisas boas, entende-se. Afinal, o papel da oposição nos tempos que correm é opor-se ao Governo, não com a ideia que o Governo faça melhor (ou o que lhe parece melhor), mas com o único propósito de correr com o Governo para lhe tomar o lugar. Mas quando a oposição cresce de dia para dia dentro dos próprios partidos que integram o Governo, como está a acontecer, a coisa ganha outra dimensão. Verdade que os críticos mais destacados que integram os partidos no poder têm contas a ajustar com o líder, mas nem por isso torna menos contundentes as suas críticas. Têm, além disso, a particularidade de passar a ideia de que a família está de tal modo desavinda que já nem consegue disfarçar o mal-estar. Infelizmente, a generalidade dos críticos da família não tem, como a restante oposição, alternativas concretas, e tratando-se de gente que vive da política e para a política, convenhamos que é confrangedor. Quero imaginar que não há alternativas eficazes às actuais medidas governamentais, embora isso não me sirva de consolo. Quem vive da política tem obrigação de fazer mais e melhor. Se discorda das medidas governamentais, faça favor de apresentar alternativas concretas. É esse, afinal, o seu trabalho, e o mínimo que dele se espera.
13 de setembro de 2012
RTP (2). Como já disse e repeti, não tenho uma posição definitiva sobre o futuro da RTP. Parece-me, no entanto, que os funcionários da dita deveriam ser os últimos a manifestar-se sobre o futuro da empresa. Porque têm interesses directos na matéria, e naturalmente isso retira-lhes o distanciamento necessário para se pronunciarem com isenção e seriedade sobre o futuro da dita.
RTP (1). A comissão de trabalhadores da RTP revelou que o primeiro-ministro exigiu que a entrevista hoje concedida à televisão pública fosse em São Bento em vez dos habituais estúdios da empresa, porque assim o primeiro-ministro evitou, segundo eles, encarar «cara-a-cara os trabalhadores de uma empresa que o Governo está em vias de destruir». Revelou mais a comissão de trabalhadores: a entrevista em São Bento representou um gasto «injustificável» de milhares de euros. Ora, face a este cenário, por que não recusou a RTP fazer a entrevista nos moldes exigidos? Alguma lei a obriga a entrevistar o primeiro-ministro?
11 de setembro de 2012
BIZARRIAS. Há coisas difíceis de entender no sistema penal português. Por exemplo, um suspeito de cometer um crime pode ser obrigado a aguardar julgamento em prisão preventiva, e apesar de alguns excessos que terão sido cometidos ao abrigo deste instrumento, o princípio parece-me justo. Já um condenado a prisão efectiva pode aguardar em liberdade até que seja conhecida a decisão de uma segunda instância caso para aí decida recorrer. Resumindo, a justiça é mais lesta a punir um suspeito (metendo-o na prisão) que um condenado (deixando-a à solta).
7 de setembro de 2012
CORRUPÇÃO. Paulo Morais não se tem cansado de denunciar a corrupção. E tem-no feito de modo assinalável: apresenta casos concretos que envolvem pessoas concretas, perante os quais um mínimo de boa vontade bastaria para os levar a tribunal, e uma vez lá facilmente punidos. Como é sabido, não é assim. Apesar das evidências, nada se fez, nada se faz, nada se fará. A justiça funciona exemplarmente para o pé descalço — no caso, evidentemente, de o pé descalço meter a pata na poça, que se for para reclamar um direito ou defender-se de alguém poderoso o caso muda de figura. Sempre que se trata de gente importante, a justiça ou não funciona, ou funciona mal. Tem razão a procuradora-geral adjunta quando diz que «o nosso país não é corrupto, os nossos políticos não são corruptos, os nossos dirigentes não são corruptos». Afinal, para haver casos de corrupção é preciso que alguém avance contra alguém com processos de corrupção. Como não há, e os poucos que há geralmente acabam em nada, a corrupção passa por ser um fenómeno isolado. É pena que Cândida Almeida pareça mais interessada em questões formais que em questões de facto. Os níveis de corrupção em Portugal não param de aumentar, e julgo desnecessários estudos para o demonstrar. A começar, justamente, pelos nossos políticos, cujos casos em que se suspeita de enriquecimento ilícito são cada vez mais numerosos.
5 de setembro de 2012
MAIS MENTIRAS. Ao contrário do que Miguel Sousa Tavares defendeu no Expresso em mais um exercício de falta de seriedade, a desregulamentação dos mercados não começou com George W. Bush. Qualquer pesquisa no Google bastará para o demonstrar, pelo que me dispenso de o fazer. Não que me incomodem as opiniões de que discordo, mesmo as opiniões disparatadas. O que realmente me chateia é que se faça passar por factos (por natureza indesmentíveis) o que não passa de pura ignorância (nos casos mais benévolos) ou verdadeiras mentiras. Alguém do Expresso devia lembrar ao cavalheiro que opiniões assentes em factos que não são verdadeiros não é aceitável.
FÉRIAS (2). Para não variar, comprei mais livros nas férias do que li. (Aliás, sempre comprei mais livros do que li, nas férias ou fora delas, mas isso é outra conversa.) Descobri três novos alfarrabistas (aqui, aqui e aqui), onde por uma quantia irrisória comprei meia dúzia de livros — The Journals of André Gide (volumes I e II), Pretexts: Reflections on Literature and Morality, também de Gide, A Sort of Life, de Graham Greene, Bomarzo, de Manuel Mujica Láinez, e Últimas Tardes Con Teresa, de Juan Marsé. Descobri, ainda, mais uma livraria a visitar regularmente, a Three Lives, e na melhor livraria de Manhattan encontrei um livro em português de Nelson Rodrigues (O Reacionário) que perseguia há anos, que adquiri por tuta e meia e posteriormente descobri ter sido autografado pelo próprio autor. Fora isso, concluí The Banquet Years, de Roger Shattuck, e Servidão Humana, de Somerset Maugham. Como previ antes das férias, pouco mais que nada.
3 de setembro de 2012
LIDO (3). «Impossível (...) perceber porque se apressou António Borges a considerar justo o preço oferecido pelos brasileiros da Camargo Côrrea pela Cimpor, quando a própria administração da empresa o considerou baixo — não costuma ser o vendedor a regatear o preço!» João Paulo Batalha, Público de 25/08/2012
LIDO (1). «In Italy, for 30 years under the Borgias, they had warfare, terror, murder and bloodshed, but they produced Michelangelo, Leonardo da Vinci and the Renaissance. In Switzerland they had brotherly love, they had 500 years of democracy and peace — and what did that produce? The cuckoo clock», escreveu o filósofo John Gray. Mas adiantou: «This isn't because artists and writers do their best work when they're being persecuted — a Romantic cliche that doesn't stand up to any careful inquiry.»
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