28 de maio de 2015

SAIR OU NÃO DO ARMÁRIO. Embora considere «evidente que ninguém pode ser empurrado para fora do armário ou ser forçado a assumir a sua homossexualidade», João Miguel Tavares acha que assumir a homossexualidade em países onde ela não constitui problema é um «dever de consciência». É «lastimável que neste triste país não se consiga arranjar um único homem ou uma única mulher, do PS, do PSD, do CDS, capaz de assumir de uma vez por todas a sua homossexualidade», escreveu o jornalista no Público. Foi mais longe: «é inconcebível que a totalidade dos políticos gays portugueses continue barricada nos respectivos armários». Devo dizer que João Miguel Tavares é, para mim, dos melhores cronistas em actividade. Pela forma como escreve, pelo modo como pensa, pela substância com que fundamenta o que pensa. Foi, por isso, com surpresa que o vi defender uma ideia que me parece absurda, de que discordo absolutamente. Por que devem os gays assumir publicamente que o são? Se ninguém pede aos heterossexuais que assumam publicamente tal condição, certamente por não se considerar necessário, por que deveriam os gays assumi-lo? Confesso que não estou a ver a lógica do raciocínio. Se há gays (bissexuais, travestis, transexuais, transgéneros e sabe-se lá que mais) que se recusam a «sair do armário», qual é o problema? Tirando questões de natureza legal (o Estado precisa de saber o sexo com que cada um nasce), a sexualidade de cada um diz respeito a cada um. Se uns decidem divulgá-la (ou até gabar-se dela), o problema só diz respeito aos próprios. Se outros decidem não a divulgar (ou até escondê-la), o problema só diz respeito aos próprios. Ou há aqui qualquer coisa que me escapa, ou isto, vindo de quem vem, é inacreditável.

27 de maio de 2015

QUEM PÕE FIM A ISTO?aqui chamei a atenção, mas volto a insistir: a RTP, pelo menos a RTP Internacional, está a dar cabo da música portuguesa. São tantas as vezes que passa as mesmas músicas, durante semanas a fio e por vezes com intervalos que não chegam a uma hora, que mesmo a melhor música acaba por se tornar insuportável. Parece que o líder do PS pretende, se for primeiro-ministro, melhorar a «qualidade das emissões da RTP Internacional». Não sei o que isso significa (se calhar nem ele), mas eu já me contentava que acabassem com esta pouca-vergonha.

22 de maio de 2015

CANÇONETAS E OUTRAS TRETAS. Tal como a generalidade dos portugueses (presumo), e da quase totalidade dos que gostam de música (volto a presumir), estou-me absolutamente nas tintas para o eurofestival das cantigas. Tanto se me dá que a catraia que «nos representa» termine em primeiro ou em último, que o primeiro não me alegra, e o último não me entristece. Dito isto, parece que a «nossa» cantiga, que ontem foi afastada da fase final, é fracota, e está, segundo Simone de Oliveira, longe de representar a música ligeira portuguesa, segundo ela «outra coisa» (leia-se muito melhor). «Há milhares daquelas [cantigas] pela Europa toda», diz Simone, cuja cançoneta a que deu voz no presente certame foi excluída na fase de selecção nacional (se calhar a razão de Simone vem daí). Vulgaridade, na sua opinião, que só pode ser má para as cantigas, e, presumo de novo, para o país. Ora, o que me surpreende é que ainda haja quem leve a sério uma coisa mais que moribunda, que já deu o que tinha a dar pelo menos há três décadas. Quem se lembra de uma única cantiga portuguesa que tenha ido à Eurovisão? (Vá lá, a Tourada e a Desfolhada, cantada pela mesma Simone.) Quem, já agora, se lembra das cantigas que nas últimas décadas ganharam o eurofestival? O tempo, esse grande juiz, encarregou-se de as remeter para onde nunca deveriam ter saído, e nestas coisas o tempo dificilmente se engana. Definitivamente que haverá qualquer coisa que desconheço que justifica o empenho das televisões numa coisa destas. «Aquilo é um grande espetáculo de televisão», garante Simone. Será. Mas eu, honestamente, nem isso consigo ver. Quando o produto é mau, como pode o espectáculo ser bom? É o velho ditado dos ovos e das omeletas.
O INSULTO COMO ARGUMENTO. Paulo Jorge de Sousa Pinto escreveu no Público o seguinte: há um «bruaá irracional e insensato» por parte de quem se opõe ao Acordo Ortográfico (o chamado AO90), que atribui «a cegueira», «falta de informação», «má-fé», «mero preconceito», «ignorância», «temor», «preguiça», «seguidismo» e «ligeireza». Disse mais: quem se opõe ao Acordo enferma de «arrogância», «nacionalismo básico», «provincianismo serôdio», «estreiteza de vistas», «reacionarismo». Sobre o arrazoado, direi, apenas, duas coisas: há dezenas (repito: dezenas) de argumentos contra o Acordo, e até ver zero (repito: zero) argumentos a favor do Acordo. (Falo de argumentos concretos, não de abstracções.) Para não variar, Sousa Pinto não se pronunciou, em concreto, sobre um só mérito do Acordo. Falou em vagos «desafios à língua portuguesa» que o Acordo irá impedir, num «avanço imparável do inglês» a que o Acordo porá cobro (não se riam), que o Acordo não é mais do que um «aspeto menor de uma convenção». Resumindo, generalidades, e mais generalidades. Sobre os deméritos que os opositores apontam ao Acordo, o sujeito não só não se pronunciou como ainda os insultou. Ainda não foi desta que alguém alinhou dois ou três argumentos dignos desse nome. Por razões cada vez mais óbvias: não os há.

20 de maio de 2015

SE NADA MUDA, MUDAR PORQUÊ? Diz Henrique Monteiro no Expresso sobre o Acordo Ortográfico, o chamado AO90, procurando desvalorizar as razões de quem se opõe, na sua opinião por «patrioterismo a mais e conhecimentos a menos»: «Continuaremos todos a falar igualzinho, podemos é escrever (...) de forma ligeiramente diferente.» Acontece que o Acordo pretendeu, antes de mais, unificar a grafia entre os falantes de língua portuguesa. Se continuarmos a escrever «de forma ligeiramente diferente», como garante o cronista, o Acordo serviu para quê? É uma espécie de fatalidade (pelos vistos sem qualquer importância), que devemos aceitar com um mero encolher de ombros?
O CORREIO DA MANHÃ SEMPRE A INFORMAR.
COISAS QUE VOU LENDO (24). «As televisões (...), que andam por aí numa fúria vingadora contra o polícia de Guimarães, são as principais responsáveis pela atmosfera violenta que envolve o futebol. Sim, são as televisões que legitimaram esta cultura de ódio e de desconfiança através dos painéis que envenenam há décadas qualquer conversa sobre a bola.» Henrique Raposo, Expresso de 19/5/15
COISAS QUE VOU LENDO (23). «Enquanto dirigentes, treinadores, gestores de comunicação continuarem a trocar, todos os dias, insinuações e insultos; enquanto não proibirem e não deixarem de subsidiar claques violentas; enquanto não penalizarem adeptos criminosos; enquanto acharem normal a berraria com que se vive a paixão pelo futebol, a brutalidade, já banalizada nas ruas, crescerá mais e mais.» Pedro Tadeu, Diário de Notícias de 18/5/15

15 de maio de 2015

ALMADA E OS LIVROS QUE NUNCA LEU. Almada Negreiros angustiava-se diante a possibilidade de não conseguir ler todos os livros que gostaria face ao tempo que lhe restava de vida. Imaginem se fosse hoje, com milhares de livros ao alcance de um clique, centenas de textos imperdíveis diariamente disponibilizados na internet. Ao contrário de Almada, não vivo angustiado com os livros que nunca lerei, alguns nas estantes cá de casa. Mas é um facto que são cada vez mais os livros em formato digital que tenciono ler, e cada vez mais numerosos os textos na internet a que não resisto. A Revista Bula foi a mais recente descoberta. Mas podia falar da Babelia, das sugestões de leitura do Arts & Letters Daily, da New York Review of Books, da revista Ñ. É cada vez mais difícil escolher o que ler, porque escolher significa excluir. Não é bem um lamento. É, quando muito, um lamento de quem tem que escolher o que julga melhor entre o melhor.
COISAS QUE VOU LENDO (22). «Marcelo Rebelo de Sousa representa, ao mais alto nível, um discurso que quer passar por análise ou comentário políticos, mas de onde a política foi evacuada. Ele assimilou completamente a política quer à luta pelo poder, quer ao exercício e ao objecto desse poder. Para ele, toda a política é uma questão de tácticas e estratégias, de fintas e simulações. E ganha o que for mais cretino. É desta matéria que são feitas as suas prelecções, enquanto animador do crochet televisivo.» António Guerreiro, Público de 15/05/2015

13 de maio de 2015

COISAS QUE VOU LENDO (21).
Já para a jornalista e escritora Suzanne Rodriguez-Hunter (...), o início da festança [Paris dos anos vinte] ocorreu bem antes, no jantar que Picasso ofereceu, em 1908, ao pintor Henri Rousseau, que, mesmo com 64 anos, era admirado pela geração mais jovem. Dele participaram várias pessoas, entre elas os pintores Georges Braque e Marie Laurencin, os escritores André Salmon e Guillaume Apollinaire, os americanos Gertrude Stein, seu irmão Leo e sua nova amiga (e futura amante) Alice B. Toklas. Planejaram que se reuniriam aos pés de Montmartre para aperitivos no bar Fauvet e depois subiriam a ladeira até o estúdio de Picasso, onde comeriam arroz à valenciana. Plano bom, execução desastrosa. 
Realmente, até aí tudo fora bem, mas a coisa desandou: no bar, Laurencin embriagou-se e ficou inconveniente; a namorada de Picasso, Fernande Olivier, ficou desconsolada porque alguns produtos encomendados não foram entregues, saindo então com Alice Toklas para tentar encontrar alguma mercearia aberta, o que não conseguiram; na subida de Montmartre, Gertrude e Leo tiveram de carregar Laurencin, que não conseguia mais andar; Fernande barrou a entrada de Laurencin no ateliê, e Gertrude Stein disse-lhe então que, depois de carregá-la, ela teria que ser aceita, com o que Picasso concordou, mas Laurencin, já dentro do ateliê, caiu sobre uma bandeja; Appollinaire, que era amante de Laurencin, levou-a para fora e, ao que tudo indica, deu-lhe uns tabefes, fazendo-a recuperar um pouco a sobriedade; vizinhos esfomeados roubaram comida; um frequentador do famoso Lapin Agile passeou dentro do estúdio com seu burro, que bebeu bastante e comeu o chapéu de Alice Toklas; cantores de rua italianos juntaram-se à bagunça e foram expulsos por Fernande; André Salmon, também embriagado, começou a brigar com todo mundo e então estátuas começaram a ser derrubadas, para desespero de Braque, que inutilmente tentava segurá-las; um dos pintores dançou músicas religiosas espanholas e estendeu-se no chão como um Cristo crucificado; uma convidada não identificada rolou ladeira abaixo e caiu dentro de um esgoto; Rousseau adormeceu debaixo de uma vela que pingava cera derretida sobre a sua cabeça e, quando acordou, passou a tocar violino. Festa estranha, com gente esquisita.
Marcelo Franco, Eterna meia-noite em Paris

12 de maio de 2015

GREVES. Parece que a greve dos pilotos da TAP demonstrou, por uma vez, que há greves injustas. Valha-nos isso.
COISAS QUE VOU LENDO (20). «O cancro da mulher de Passos é propaganda?», pergunta, em título, Pedro Tadeu na sua crónica de hoje. Adivinhem a resposta.

5 de maio de 2015

ENTREGUES À BICHARADA. O primeiro-ministro defendeu que para vencer na vida é preciso, entre outras qualidades, ser exigente e metódico. E apontou um exemplo: Dias Loureiro, ex-administrador do BPN, que além de ter as qualidades que refere, é um «empresário bem-sucedido». Hoje anuncia-se que a biografia de Passos Coelho refere, a páginas tantas, que o parceiro de coligação se demitiu por SMS (a tão falada demissão «irrevogável») e não lhe atendia o telefone — isto quando PSD e CDS acabam de anunciar casório em segundas núpcias. Da oposição, as notícias são, igualmente, surpreendentes. Um jornalista escreveu que não morre de amores pelo programa económico de António Costa, e António Costa reagiu insultando o jornalista por SMS. Estamos, portando, entregues a governantes sem memória nem princípios, e a candidatos a governantes se calhar ainda piores.
COISAS QUE VOU LENDO (19). «(...) os povos que preferem a igualdade à liberdade vão produzir mais pobreza. Perante a pobreza, vão exigir ainda mais igualdade. E obterão mais pobreza. Quando descobrirem que outros povos estão a produzir riqueza, exigirão que a igualdade seja estendida a esses povos (talvez através de um “imposto global”). Obviamente, se isso fosse aceite pelos outros, todos ficariam mais pobres — mas seguramente também mais iguais, na pobreza.» João Carlos Espada, Público de 04/05/2015