24 de maio de 2021



MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (5). Alterno As Rotas da Seda com A Sombra da Rota da Seda, dos britânicos Peter Frankopan e Colin Thubron. Se não me atrevo a julgar o primeiro (funciona essencialmente como suporte histórico), do segundo não tenho dúvidas em dizer, mesmo tendo lido pouco mais de metade, que é um dos melhores livros de viagens que já li. Graças a Thubron, que n’A Sombra relata a viagem que fez pela China, Afeganistão, Irão, Turquia e antiga União Soviética, viajo num tempo e lugares de que pouco ou nada sabia, e de que tenho pena não ter conhecido como viajante. São poucos os escritores de viagens que captam o essencial, e ainda menos com a mestria de Thubron.

20 de maio de 2021

TRISTES FIGURAS. A número três do actual Partido Republicano, Elise Stefanik, eleita depois de afastada a antecessora (recusou calar-se diante as mentiras de Trump), falou aos jornalistas pela primeira vez nessa condição referindo-se ao ex-presidente como Presidente Trump e ao actual Presidente apenas pelo nome (Joe Biden). Isto dito e repetido para que não restassem dúvidas, e a surpresa foi que ninguém a tenha confrontado com isso. A congressista Marjorie Taylor Greene, grande entusiasta das teorias da conspiração e defensora da execução de adversários políticos, entre eles o ex-presidente Obama, comporta-se de modo inadmissível diante os adversários políticos, no caso Alexandria Ocasio-Cortez, e a direcção do partido a que pertence fez de conta que desconhecia o episódio grotesco um dia depois de toda a gente o ter visto nas televisões — talvez por não saber o que dizer, e por ter escassa autoridade moral para o fazer. São duas emergentes do novo partido Republicano, onde outrora figuras estimáveis se prestam hoje a papéis lamentáveis. Assim vai o partido de Trump, dantes conhecido como Partido Republicano.

18 de maio de 2021


Marcel Duchamp | Fonte

MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (4).
Visitei um museu onde a Fonte, de Marcel Duchamp, era a atracção principal, e no final dei-me conta de que vi tudo menos o famoso urinol. Consultei o mapa do museu e lá estava assinalado numa determinada área, provavelmente a única que me passou despercebida. Como já perceberam, não foi o urinol que me levou ao museu, no caso ao Museu de Arte de Filadélfia. Sabia de antemão que o objecto causou, desde o início, enorme celeuma, que ainda hoje, um século depois, perdura. Mas a arte dita conceptual, de que Duchamp foi um dos precursores, nunca me entusiasmou, e talvez daí o esquecimento involuntário. A arte conceptual é essencialmente uma ideia, e eu tenho dificuldade em tomar como arte uma ideia. Depois, a arte conceptual está, como alguma arte moderna, na fronteira entre o génio e o bluff — e eu, na dúvida, inclino-me para o bluff.

7 de maio de 2021


Almada Negreiros | Retrato de Fernando Pessoa

MEMÓRIAS DE UM ÁTOMO (3).
A psicologia, primeiro, e a filosofia, depois, levaram-me à literatura, sobretudo a Fernando Pessoa, com quem adquiri o hábito da leitura. Seguiram-se, nos portugueses, quase todo o Eça (a quem roubei o título desta série), quase todo o Cardoso Pires, e mais tarde Camilo e Herberto Helder, de quem li Os Passos em Volta pelo menos três vezes. Na literatura não portuguesa, muitos outros, de que menciono onze títulos que foram marcantes: A Montanha Mágica (Thomas Mann), Crime e Castigo (Fiodor Dostoievski), Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez), Debaixo do Vulcão (Malcolm Lowry), Obra ao Negro (Marguerite Yourcenar), Meridiano de Sangue (Cormac McCarthy), A Educação Sentimental (Gustave Flaubert), Ficções (Jorge Luis Borges), Pedro Páramo (Juan Rulfo), O Céu que nos Protege (Paul Bowles), e O Homem Sem Qualidades (Robert Musil). Outros houve de que já não me lembro, e alguns há que, lidos hoje, talvez não entrassem na lista. Mas como não pretendo vender nada a ninguém, cada um que chegue à sua lista — e, já agora, que a compartilhe, que eu gosto de listas. Dir-me-ão que estou a armar-me em não sei quê, mas há muito que digo o que me apetece sem receio de asneirar — e, se for caso disso, assumir as consequências.