30 de dezembro de 2003

O presidente da Líbia decidiu renunciar ao desenvolvimento de armas de destruição maciça. Independentemente das contrapartidas que terão havido das partes envolvidas no acordo (EUA, Inglaterra e Líbia), parece-me evidente que se trata de uma boa notícia. Estranho, por isso, o silêncio dos «pacifistas», que tanto têm feito pela paz do mundo e arredores. Ou, pensando melhor, talvez não. Afinal, este acordo deixou à vista uma evidência: não foi com acções pacifistas e boas intenções que o senhor Kadhafi tomou a decisão que tomou, e tudo leva a crer que a invasão do Iraque pela tropa americana e inglesa pesou na decisão do presidente libanês. As coisas são o que são, e contra factos não há argumentos.

29 de dezembro de 2003

O Esmaltes e Jóias termina o ano com uma média de vinte e poucas visitas diárias. Sim, vinte e poucas visitas diárias. Não vou chamar ingratos aos leitores — até porque os não tenho. Mas não nego que ficaria mais satisfeito se fossem 2 000. Ou 20 000. Ou 100 000. Bem vistas as coisas, não tenho razões para me queixar. Muito menos para deixar de aqui vir dizer o que me apetece, quando me apetece. Olhando para trás, não tenho dúvidas de que valeu a pena. Porque o objectivo continua a ser o prazer da escrita — e, às vezes, o prazer das ideias. Sem dúvida que ser lido é um prazer. Mas, neste caso, um prazer que vem por acréscimo.

22 de dezembro de 2003

Não dou grande importância a efemérides. Mas, por regra, os jornais dão. E não me lembro de ver um jornal português, sobretudo os jornais de «referência», falar no aniversário do nascimento de Alexandre O'Neill, a 19 de Dezembro. O'Neill é um poeta a que volto sempre, mais tarde ou mais cedo, a propósito de tudo e de nada. Para me deliciar com versos assim:

(...)
Virilhas colaborando com parêntesis ou cedilhas
são autênticas (e sem hálito) maravirilhas.
Quando muito alguns pingos nos refegos, nas braguilhas,
amoniacal bafor que suporta sem dor
aquele que está ao rés de tal teor.
(...)


Ou assim:

No gesto suspensivo de um sobreiro,
o enforcado.

Badalo que ninguém ouve,
espantalho que ninguém vê,
suas botas recusam o chão que o rejeitou.

Dele sobra o cajado.

19 de dezembro de 2003

Parece que o discurso do presidente Chirac — a favor de uma lei que proíbe, nas escolas e noutros estabelecimentos públicos, a utilização da burka e outros símbolos religiosos considerados «ostensivos» — pôs, em França, toda a gente de acordo. Ou melhor: pôs quase toda a gente de acordo, porque os muçulmanos ficaram furiosos. Muito sinceramente, espero e desejo que a coisa resulte. Mas tenho dúvidas, muitas dúvidas. Compreende-se e aplaude-se o combate ao fundamentalismo, seja ele islâmico ou doutra natureza. Mas receio que as medidas que os franceses se preparam para tomar produzam resultados inversos ao que pretendem. Um Estado laico e que se diz de direito não deve proibir que os seus cidadãos manifestem exteriormente a sua religião, quer se goste, quer não. A não ser que essas manifestações de religiosidade ponham em causa os direitos e liberdades dos outros, que parece não ser o caso. Sem dúvida que o assunto é controverso. Por isso mesmo acho que mais vale não legislar que legislar mal.

17 de dezembro de 2003

Ainda o Natal é uma criança e já fui obrigado a engolir dezenas de "Jingle Bells". É sempre assim todos os anos: música de Natal a toda a hora e por todo o lado, e eu não consigo fazer de conta que já é a décima vez que estou a ouvir a mesma música. Como já não bastasse este verdadeiro pesadelo, fui obrigado a assistir, na RTP Internacional, ao Natal dos Hospitais, uma verdadeira mistura de cantigas e de hipocrisia apresentada por peritos em lugares-comuns e conversas de treta. Pois é, o famoso espírito natalício — uma mistura de condescendência com doses cavalares de hipocrisia — está a deixar-me num estado miserável. E já não falo das prendas, que nesta altura do ano se dão e se recebem como se fossem uma fatalidade e nos tranquilizam as consciências o resto do ano. Sim, eu gosto do Natal. Palavra de honra que gosto do Natal. Porque o Natal me faz lembrar os natais da minha infância, quando o Natal era verdadeiro.

16 de dezembro de 2003

«A excitação pela captura de Saddam Hussein (...) não devia distrair-nos da gravidade do fracasso da Constituição europeia», diz o sr. Vital no "Público" de hoje. Ou seja, a prisão de Saddam foi um mero «fait divers». Mas, depois, lá acaba por condescender: «exige-se um tribunal internacionalmente acreditado» para julgar Saddam, que «somente as Nações Unidas podem legitimar». Sim, porque os crimes cometidos pelo ditador podem levá-lo a apanhar a pena máxima, e não é caso para tanto. Afinal, Saddam não passa de um inimigo da América.

15 de dezembro de 2003

Impossível não falar da captura de Saddam e de não ficar à beira do vómito com a onda de regozijos hipócritas (e muito mal disfarçados) que se vêem por todo o lado. Saddam foi um ditador brutal, um tirano sanguinário, um assassino. Mas é bom não esquecer que ele foi um inimigo da América. Eis, em resumo, a moral da estória para grande parte da esquerda, sobretudo da esquerda cuja única causa que se lhe conhece é ser contra a América. Como tal, não gostaram da forma como Saddam foi capturado, da forma como foi anunciada essa captura e, agora, que lhe tenham cortado as barbas. Porque, enfim, o homem merece respeito e deve ser tratado com dignidade. Como se não saltasse à vista de um cego que o verdadeiro problema desta gente é o facto de esta captura representar uma vitória da América. Preparemo-nos, pois, para ouvir estes beneméritos exigirem um «julgamento justo» para Saddam. A hipocrisia não têm limites.

11 de dezembro de 2003

Eduardo Prado Coelho garante que Jessica Lynch foi «transformada em heroína pelo Pentágono para poder fornecer um argumento para um filme». Exactamente assim: «para poder fornecer um argumento para um filme». Depois, num parágrafo mais à frente, acrescenta: «A questão está em sabermos até que ponto estes reincidentes falsificadores da realidade poderão ser os melhores defensores da verdade democrática». Ou seja, Prado Coelho não hesita em recorrer ao mesmo artifício (falsificar a realidade) para defender a sua «verdade democrática». Com o agravante de ainda nos vir dar lições de moral.

10 de dezembro de 2003

José Eduardo dos Santos foi reeleito presidente do MPLA por unanimidade e aclamação. Ou seja, foi reeleito por 100 por cento dos votos, como Saddam se gabou de ter sido. Dizem as notícias que o presidente angolano terá dito, após a reeleição (de braço no ar), que se deve valorizar a diversidade de opiniões, porque é necessário que haja «pontos de vista diferentes» de modo a surgirem «ideias ricas e válidas» capazes de se constituírem «solução dos problemas». Comovente, não é?
Ainda os três jornalistas da TVI que suspenderam as colaborações com o "24 Horas". Agora resolveram vir negar que tenham sido pressionados pelo sr. Moniz ou pela dona Manuela, alegando que «a solidariedade não se pede». Não há dúvida de que há alturas em que mais vale estar calado.

9 de dezembro de 2003

A ser verdadeira a notícia do "Público" de domingo — e não há razões para duvidar que não seja verdadeira —, três jornalistas da TVI suspenderam, por ordem do chefe (José Eduardo Moniz), as suas colaborações com o "24 Horas", porque a esposa do sr. Carlos Cruz terá dito àquele jornal que o seu marido teve um caso com a esposa do sr. Moniz. A estória demonstra bem até que ponto chegou a subserviência dos jornalistas nos tempos que correm, a que não será estranho o silêncio por parte da classe. Porque ninguém duvida que ceder por uma coisa destas — afinal, um mero negócio de saias de contornos duvidosos — significa ceder em tudo. E não adianta fazer de conta que nada se passou.

8 de dezembro de 2003

Afinal, para Alfredo Barroso o problema não é o sr. Bush, mas a América. Valha a verdade que não é nada que já não se soubesse, mas não há nada como o próprio a confirmá-lo. Para Alfredo Barroso, a América é «imperial», «egoísta», «solitária», «autista», «egocentrista». A América é um país onde «a violência está inscrita no quotidiano desde a sua fundação», um país fechado sobre si próprio e armado até aos dentes que quer «impor os seus padrões aos outros e a sua fé ao mundo». Quanto ao sr. Bush, a lengalenga do costume: é um cowboy, um pistoleiro, um exterminador implacável. Enfim, nada além do lugar-comum e da conversa de taverna. E depois dizem estas criaturas que nada têm contra os americanos, porque o problema deles não é a América mas o sr. Bush. Ou seja, mentem mal e porcamente e ainda nos querem tomar por parvos.
«É preferível pagar a uma das cem meninas do que a um psicólogo», diz um anónimo de Bragança ao jornalista Alfredo Mendes. Jornalista que escreveu uma peça no "Diário de Notícias" que vale a pena ler.

5 de dezembro de 2003

Portugal fez uma «estúpida colagem aos americanos quando da invasão do Iraque» e «à revelia da Europa», diz Miguel Sousa Tavares no "Público" de hoje. Ficamos, assim, a saber que a Europa não teve duas posições sobre a intervenção militar no Iraque — contra e favor —, mas uma só: contra. Impressionante a ligeireza com que MST transforma meras opiniões em factos.

4 de dezembro de 2003

«Era óptimo poder fazer omeletes sem partir ovos — só que não é possível. Por isso não deveria ser possível pedir ao mesmo tempo o fim rápido da "ocupação" do Iraque e, logo a seguir, acrescentar que as "forças ocupantes" não podem retirar-se pois tal poderia criar o caos. Só que foi precisamente o que Jorge Sampaio foi dizer à Argélia», diz José Manuel Fernandes no "Público" de hoje. Infelizmente não é só o presidente Sampaio que assim pensa e o único a defender em simultâneo uma coisa e o seu contrário. Além de que um “raciocínio” desta natureza só pode ter uma leitura: os americanos fazem sempre tudo mal. Se fazem assim, deviam fazer assado; se fazem assado, deviam fazer assim. E depois não gostam que lhes chamem anti-americanos primários.
As várias versões da história de Jessica Lynch demonstram que a verdadeira está por contar. E, como assim é, cada um conta a que mais lhe convém. Este é o tema da mais recente crónica publicada na minha página pessoal.

3 de dezembro de 2003

Tenho andado a reler as crónicas de Vasco Pulido Valente no "DN" e descobri uma que se ajusta bem aos tempos que correm. Com a devida vénia ao autor e ao "DN", aqui vai:

Unilateralismo

Para lá da hipocrisia oficial, a grande consequência política do ataque de Ben Laden à América foi levar o antiamericanismo a um novo cume. O antiamericanismo não uniu só a esquerda e a direita - uniu o mundo. Não há pateta que não se dê ao trabalho de chamar a Bush imbecil, ignorante e vácuo; e não há «teórico» que não disserte por aí sobre a malvadez do «império». A mortandade do 11 de Setembro libertou um ressentimento universal e a vítima foi promovida a carrasco.
Paradoxal? De maneira nenhuma. Há um século que a América anda a cometer erros sem nome. Resolveu a I Guerra Mundial e ditou largamente as condições de paz. Sem ela, na II Guerra, o Exército Vermelho teria chegado à Mancha. Durante trinta anos defendeu o Ocidente e uma larga parte do planeta da expansão soviética. E, no fim, ganhou, acabando com o mito do socialismo, «real» ou virtual. Pior ainda: espalhou a sua cultura popular pela terra inteira, subverteu a ética sexual com uma revolução única na história e, na ciência e tecnologia, deixou toda a gente para trás. Fora isso, é rica, forte e livre. Coisas destas não se desculpam. A «Europa» não lhe desculpa a sua decadência. Os pobres não lhe desculpam a sua pobreza. As civilizações arcaicas não lhe desculpam o seu atraso. A América acabou por se tornar no bode expiatório da miséria humana. Tirando a América não existem responsáveis: nem o Islão, nem o racismo, nem o tribalismo, nem o ódio étnico, nem os cleptocratas que governam África. Nada e ninguém. E, depois, vêm uns senhores virtuosos protestar contra o unilateralismo da política de Bush. Que esperavam eles? Que a América se entregasse à «Europa» ou à ONU para lhe atarem seguramente as mãos? E em nome de quê? De uma lei internacional imaginária ou para ganhar a simpatia de quem já a detesta?

2 de dezembro de 2003

Cada vez tenho menos dúvidas de que a música — a boa música — nos reconcilia com a vida, nos torna melhores. Palestrina, por exemplo, que estou a ouvir cantado pelo coro da Catedral de Westminster, transmite uma sensação de bem-estar, de paz de espírito. «Se pudesse passava a vida a ouvir música», disse, um dia, Eduardo Lourenço, para quem a música é «como um mar de Deus».

1 de dezembro de 2003

Eu tenho dúvidas de que um escritor deva receber dinheiros do Estado para escrever, como tenho dúvidas de que um cineasta deva receber dinheiro do Estado para fazer filmes, um actor para fazer teatro, um músico para compor. Conforme os casos, às vezes sou contra, outras vezes a favor. Deverá o Estado sustentar coisas de que ninguém quer saber? Deverá o Estado sustentar aquilo que as pessoas querem ver, ouvir ou ler? Eis o eterno dilema. Parece óbvio que quem produz coisas de que ninguém quer saber não merece apoio do Estado, como parece óbvio que um criador de sucesso não precisa do Estado. Parece... mas não é. A questão é mais complicada do que o simplismo desta ideia deixa supor. Daí que eu gostaria de ver uma discussão profunda sobre isto, sem preconceitos ou ressentimentos. Aproveitando, aliás, a ideia do Abrupto, já continuada pelo Aviz.
Porque resolveu dar uma entrevista, Clara Ferreira Alves acha que o juiz Rui Teixeira deve estar calado. Porque resolveu dizer o que pensa da justiça que temos, Henrique Monteiro acha que o juiz Rui Teixeira não tem legitimidade para opinar, pela razão simples de que o cargo que ocupa não foi sufragado. Por este andar ainda vamos ver o juiz Rui Teixeira ser acusado de ter inventado o processo Casa Pia.