30 de setembro de 2005
Não consigo entender as razões que levam os radicais islâmicos a querer cometer um atentado terrorista em França. Não me refiro, apenas, aos atentados que esta semana soubemos que estavam a ser preparados — no metro parisiense, no aeroporto de Orly e contra a sede da Direcção de Vigilância do Território — e que terão sido abortados pela polícia, mas, também, a anteriores tentativas que a mesma polícia conseguiu evitar. Acaso a França apoiou a invasão do Iraque? Como se vai explicar um atentado cometido pelos radicais islâmicos quando não houver a desculpa do Iraque? Quantos mais atentados serão necessários para se perceber que não é o Iraque que os motiva? Durante quanto mais tempo vamos fingir que não vemos o que cada dia se torna mais evidente? Quando é que os factos prevalecem sobre as teorias?
29 de setembro de 2005
— Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento. O resto de O Homem Nu, de Fernando Sabino, está aqui.
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento. O resto de O Homem Nu, de Fernando Sabino, está aqui.
28 de setembro de 2005
Segundo o Público, Avelino Ferreira Torres terá afirmado, numa entrevista a uma rádio local, que o clube da terra (julgo que o Amarante) teria subido de divisão caso o tivessem eleito presidente do dito. E subido como? Resposta pronta do autarca: «Infelizmente, o futebol não se joga só nas quatro linhas, mas também fora. E aí, como toda a gente sabe, estou à vontade.» O que vale é que a Justiça é cega, surda e muda.
26 de setembro de 2005
Ontem, numa feira de computadores, comprei um conjunto de CDs que contêm nada menos que 10.000 livros. Entre eles, grande parte da obra de Darwin, Dickens, Twain, Wilde, Conrad, Joyce, Zola, Flaubert, Melville, James, Hugo, Shakespeare, Dostoevsky, Nietzsche e Whitman. Tudo isto por meia dúzia de patacos.
Leio no Guinness que o francês Michel Lotito, nascido em 1950, come metal e vidro desde os 9 anos de idade. Um quilo por dia, quando está disposto. Informa-se ainda que, de 1966 para cá, ele já comeu dez bicicletas, um carrinho de supermercado, sete aparelhos de televisão, seis candelabros e um avião Cessna leve — este ingerido em Caracas, embora o livro não revele por quê. Sim, e comeu um caixão de defunto, com alça e tudo, a fim de garantir um lugar na História como o primeiro homem a ter um caixão de defunto por dentro, e não por fora. Mesa farta para todos, de João Ubaldo Ribeiro
23 de setembro de 2005
Apesar de Fátima Felgueiras ter fugido para o Brasil, a juíza que agora decidiu anular a prisão preventiva da ilustre senhora não acredita que a arguida possa fugir do país. Aliás, Ana Freitas tem dúvidas que Fátima Felgueiras tenha estado no Brasil e, muito menos, fugido. Como se isto não fosse suficientemente elucidativo, Nuno Pacheco, no Público, atribui a seguinte declaração à ex-autarca quando esta se encontrava na Judiciária no Porto: «O que é que eu estou aqui a fazer? Não era isto que estava combinado.»
Oh dona Joana Amaral, não é preciso desencantar estudos para «provar» que George W. Bush — e só George W. Bush — é o responsável pelos furacões e tudo o mais que vier. Por amor de Deus, basta olhar para a cara do homem.
22 de setembro de 2005
José Manuel Barroso resolveu chamar a atenção para uma questão que urge denunciar e que, até agora, nenhum jornalista se tinha atrevido a tocar. Nem jornalista, nem não-jornalista. Pacheco Pereira foi a excepção dos não-jornalistas.
21 de setembro de 2005
Se o tribunal entendeu que Fátima Felgueiras deve aguardar em liberdade o julgamento, não me passa pela cabeça que não haja fortes razões. Mas se o tribunal hoje liberta quem ontem mandou prender — e que acabou por fugir para não ser preso — já custa a entender. Que razões haviam ontem que hoje deixou de haver? Mais: não terão sido agravados os motivos que levaram as autoridades a emitir um mandato de captura após a fuga para o Brasil? Confesso que ainda não vi respondidas estas e outras perguntas, o que não quer dizer, repito, que não haja resposta para elas. Só que, assim, as coisas não parecem nada bem, e já dizia o outro que as coisas também são o que parecem.
Antonio Nogueira é um pintor português que vive nos Estados Unidos cujos trabalhos vale a pena conhecer.
20 de setembro de 2005
Theodore Dalrymple descobriu um caso de «ethical pornographers» que, entre outras particularidades, é subsidiado pelo governo norueguês: «Two young Norwegians, Tommy Hol Ellingsen and Leona Johansson, make pornographic films of themselves, which they sell to subscribers over the Internet for about $20 per month. They hand over 80 percent of the money, so they say, to charities that work to preserve the world’s rain forests. They call their enterprise "Fuck For Forest."»
Atenção produtores e consumidores de vinho: «The vocabulary of wine gushes with references to fruit, flowers and vegetables, but the French have added a new, implicitly disdainful adjective: Parkerisé. It means a wine designed to appeal to Robert Parker, described by Elin McCoy as the world's single most influential critic.»
Paulo Roberto Pires sobre o último disco de Keith Jarrett: «Intrigante. Difícil. Estranho. Enigmático. Belíssimo.»
19 de setembro de 2005
Raramente vejo televisão, muito menos à noite. Mas ontem abri uma excepção para ver um documentário sobre Mark Twain. O resultado era esperado: toda a gente à minha volta comenta os Emmys, e eu não sei nada dos Emmys. Pior: não sei quem era candidato (ou candidatos) e a quê, não conheço as séries em que participaram (ou fizeram), não vi a performance de Donald Trump.
16 de setembro de 2005
Infelizmente não vi o debate televisivo entre os dois principais candidatos à autarquia lisboeta. Mas os ecos que me chegaram apontam para uma peixeirada como não há memória. Não estou à altura de avaliar as acusações de um e de outro, até porque não conheço os problemas locais. Mas uma coisa me parece evidente: nenhuma das criaturas é digna do cargo que pretende ocupar.
Ainda não consegui perceber a razão que leva a imprensa a divulgar, com uma frequência verdadeiramente espantosa, o índice de audiências das televisões. Que importância terá para os leitores que o Jornal Nacional tenha batido o Jornal da Noite e que a telenovela da RTP só tenha conquistado 10 por cento de share?
15 de setembro de 2005
Andava eu há três dias a saltar de livro para livro sem que nenhum me interessasse por aí além quando decidi experimentar mais um Rodrigues Miguéis. Dois parágrafos de Léah e Outras Histórias bastaram para que ficasse reconciliado com o mundo. A gente vai lendo, vai lendo, e não apetece parar. O pior foi o vexame ao almoço. A páginas tantas de Uma Viagem na Nossa Terra, um conto de se lhe tirar o chapéu, não consegui reprimir uma gargalhada — e deixei toda a gente a olhar para mim. «Aquela gajo não deve regular bem da cabeça», devem ter pensado. Para não agravar a impressão, agi de modo a não expor o livro quando saí do restaurante, pois tem na capa uma donzela meio despida — e já me chega o que aquela gente ficou a pensar de mim.
14 de setembro de 2005
12 de setembro de 2005
Segundo a Lusa, a GNR anunciou a identificação dos promotores do abate ilegal de um touro nas festas de Monsaraz ocorrido sem «a presença visível de qualquer elemento das autoridades». Apesar de o golpe fatal ter sido presenciado por milhar e meio de pessoas, a GNR ainda «está a envidar esforços para identificar o autor material da morte do animal». Quer dizer, toda a gente viu, menos a GNR.
9 de setembro de 2005
Dia passado no Museu Metropolitano de Nova Iorque para ver quase tudo o que já tinha visto mas que me apeteceu ver de novo. Confirmei que Matisse — a grande atracção da temporada — continua longe de fazer parte dos pintores de que mais gosto, descobri uma série de pintores americanos de que nunca ouvi falar, visitei a exposição de instrumentos musicais que me tinha escapado a primeira vez. No final, comprei um livro sobre Chagall, sentei-me na escadaria do edifício a descansar as pernas, e fiquei reconciliado com o Mundo.
7 de setembro de 2005
Não fiquei surpreendido com os disparates de Fernando Rosas sobre o Katrina. Mas já não posso dizer o mesmo quando disse isto: «(...) a dimensão do desastre» de New Orleans deve-se «à incúria dos responsáveis locais e estaduais que descuraram a reparação do dique que sustinha as águas nessa cidade».
6 de setembro de 2005
«(...) no 11 de Setembro havia um inimigo, um alvo a abater. A vingança era possível e foi concretizada. Um furacão não se pode invadir e ocupar. Num desastre natural não há bode expiatório. Não há vitória. Não é o outro que é responsável. É o próprio, confrontado com a tragédia, que está em causa, nas suas forças e limitações. Só o olhar para dentro faz sentido. Parece que é isto que os EUA nunca conseguem fazer. Lembram um psiquiatra louco, um bombeiro pirómano, um poeta frio ou um soldado suicida.» Este pequeno excerto da crónica de Joana Amaral Dias demonstra bem o que já se sabia: o problema da senhora é com os americanos, e só com os americanos. Americanos que, segundo os exemplos que aponta, são estúpidos, também coisa que já se sabia. Fica apenas a dúvida se foi um arroubo de frontalidade ou se foi a pena que lhe escapou. Também Vítor Malheiros dá largas ao anti-americanismo ao dizer coisas como esta: «[Na América] vivem milhões de pobres, excluídos e esquecidos, mantidos às portas da cidade pelas forças policiais.» E em que «portas da cidade» da América isto sucede? Infelizmente, não disse. E não disse por uma razão muito simples: porque as «portas da cidade» de que fala não existem. Pergunta ainda o ilustre jornalista: «Em que país do mundo civilizado uma catástrofe dá origem a pilhagens de supermercados e armeiros?» A resposta só pode ser esta: em nenhum, pelo que a América não é um país civilizado. O argumento não é lá muito sofisticado, mas quem dá o que tem a mais não é obrigado.
Com certeza que o mayor de New Orleans não é «um daqueles proverbiais anti-americanos primários», meu caro Carlos Vaz Marques. Mas seria mais rigoroso da sua parte procurar conhecer melhor o teor das acusações do dirigente e verificar se não está a atribuir a terceiros responsabilidades que lhe cabem. Dar razão ao mayor de New Orleans só por ter criticado o presidente Bush, é um argumento sem pés nem cabeça.
Apesar de haver quem tudo faça para confundir alhos com bugalhos, qualquer pessoa medianamente inteligente sabe que não se é anti-americano só pelo facto de criticar a América ou o seu presidente.
5 de setembro de 2005
Respondendo a uma acusação de Esther Mucznik, no Público da última sexta, a jornalista Alexandra Lucas Coelho fez questão de dizer ao mundo que não representa nenhum dos lados do conflito israelo-palestiniano, que é imparcial. Ora, que não representa nenhum dos lados do conflito parece evidente, já quanto à imparcialidade há provas de que assim não é.
2 de setembro de 2005
Como seria de esperar, anda por aí um ror de gente a dizer que George W. Bush é o culpado pelo furacão Katrina. Porque terá havido negligência (problemas com os diques, destruição de zonas húmidas, construção desordenada), porque houve falhas na ajuda às vítimas, porque Bush é uma besta. Escusado será dizer que o problema desta gente com o presidente Bush é outro, e que o furacão não passa de um mero pretexto. Daí que os argumentos utilizados estejam longe de primar pelo rigor, quero crer que por pura ignorância. Dizem eles que a negligência se deve ao governo central, quando as falhas que terá havido devem ser imputadas aos governos estaduais (os governos estaduais são autónomos do poder central nesta e noutras matérias). E que a ajuda humanitária não está a correr como devia, esquecendo-se de dizer que aquela gente que está a passar um mau bocado recebeu ordens (repito: ordens) para abandonar o local antes da tragédia se consumar, ordens que teriam evitado o que está a acontecer caso tivessem sido cumpridas. A falta de seriedade é sempre revoltante, mas torna-se ainda mais revoltante quando ela é praticada por responsáveis da chamada imprensa de referência.
Não sei que sé permitido ou não (o acesso à edição online do Público não é de borla, como é sabido), mas a crónica de hoje de Vasco Pulido Valente parece-me demasiado importante para só ser lida pelos pagantes. Assim sendo, aqui vai:
Cristo e Soares
Anteontem, no Altis, Soares justificou a sua candidatura com a ausência de qualquer outra candidatura (da esquerda, presumo), "capaz de suscitar e mobilizar o entusiasmo dos portugueses". Alegre não concorda, mas Soares tem uma certa razão. Havia, de facto, um vazio e naturalmente ele ocupou esse vazio. O que Soares não disse, e ninguém pensou, é que ele próprio criou esse vazio. Foi fundador do PS, secretário-geral, primeiro-ministro, Presidente da República e, principalmente, durante 37 anos, foi a influência dominante na esquerda e, em larga medida, no país. No fim, não deixou nada. Com uma extraordinária persistência, conseguiu cercar e afastar toda a gente que no partido lhe parecia diminuir o seu poder. À sua volta só ficaram "lealistas" (desculpem o anglicismo) e, para Soares, "lealdade" significa uma completa abdicação pessoal a favor dele e do seu destino. Quer criaturas que ele fez, que ele manobra, que ele usa. Não quer companheiros de viagem, com vida e vontade próprias. Quem não percebeu isto não o percebeu.
De qualquer maneira, havia um vazio e Soares não hesitou em o ocupar. Resta saber se ele chega. Na "multidão" do Altis não estava ninguém, ou quase ninguém, que não tivesse estado já no MASP I ou, pelo menos, no MASP II. Não apareceu uma cara nova, inesperada, surpreendente. Apareceu a velha tropa veterana e jurássica, para uma última campanha, sonhando com uma repetição triunfal do passado. Quem a conhece hoje? Quem se importa com ela? Que pesa ela num Portugal de memória curta, ou mesmo sem memória, tão longe do Portugal de "85 como da Lua? Até o discurso de Soares, com a sua velha retórica e os seus velhos truísmos deu uma inconfortável impressão de estranheza, de um engano, de um erro no tempo. Apesar da euforia, pairou pela reunião do Altis uma grande tristeza.
O mundo mudou e Soares, jura ele, mudou. E este Soares inteiramente mudado oferece o quê? A liberdade, primeiro, e a seguir, o optimismo, uma economia ao serviço do povo, "um futuro mais tranquilo e mais justo", um "perfil humano", "flexibilidade política", a banal condenação da guerra no Iraque e, não adivinham?, a tal "magistratura de influência". Em suma, a "língua-de-pau" de uma democracia exausta. A crise da sociedade, da economia, das finanças, do regime não existe. Jesus Cristo, aliás, nunca se preocupou com isso e não é Soares, no assento etéreo onde subiu, que se vai agora preocupar.
Cristo e Soares
Anteontem, no Altis, Soares justificou a sua candidatura com a ausência de qualquer outra candidatura (da esquerda, presumo), "capaz de suscitar e mobilizar o entusiasmo dos portugueses". Alegre não concorda, mas Soares tem uma certa razão. Havia, de facto, um vazio e naturalmente ele ocupou esse vazio. O que Soares não disse, e ninguém pensou, é que ele próprio criou esse vazio. Foi fundador do PS, secretário-geral, primeiro-ministro, Presidente da República e, principalmente, durante 37 anos, foi a influência dominante na esquerda e, em larga medida, no país. No fim, não deixou nada. Com uma extraordinária persistência, conseguiu cercar e afastar toda a gente que no partido lhe parecia diminuir o seu poder. À sua volta só ficaram "lealistas" (desculpem o anglicismo) e, para Soares, "lealdade" significa uma completa abdicação pessoal a favor dele e do seu destino. Quer criaturas que ele fez, que ele manobra, que ele usa. Não quer companheiros de viagem, com vida e vontade próprias. Quem não percebeu isto não o percebeu.
De qualquer maneira, havia um vazio e Soares não hesitou em o ocupar. Resta saber se ele chega. Na "multidão" do Altis não estava ninguém, ou quase ninguém, que não tivesse estado já no MASP I ou, pelo menos, no MASP II. Não apareceu uma cara nova, inesperada, surpreendente. Apareceu a velha tropa veterana e jurássica, para uma última campanha, sonhando com uma repetição triunfal do passado. Quem a conhece hoje? Quem se importa com ela? Que pesa ela num Portugal de memória curta, ou mesmo sem memória, tão longe do Portugal de "85 como da Lua? Até o discurso de Soares, com a sua velha retórica e os seus velhos truísmos deu uma inconfortável impressão de estranheza, de um engano, de um erro no tempo. Apesar da euforia, pairou pela reunião do Altis uma grande tristeza.
O mundo mudou e Soares, jura ele, mudou. E este Soares inteiramente mudado oferece o quê? A liberdade, primeiro, e a seguir, o optimismo, uma economia ao serviço do povo, "um futuro mais tranquilo e mais justo", um "perfil humano", "flexibilidade política", a banal condenação da guerra no Iraque e, não adivinham?, a tal "magistratura de influência". Em suma, a "língua-de-pau" de uma democracia exausta. A crise da sociedade, da economia, das finanças, do regime não existe. Jesus Cristo, aliás, nunca se preocupou com isso e não é Soares, no assento etéreo onde subiu, que se vai agora preocupar.
1 de setembro de 2005
Subscrever:
Mensagens (Atom)