30 de agosto de 2005
Manuel Alegre anunciou que é candidato à Presidência da República ou que não é candidato à Presidência da República? Aparentemente, nem uma coisa, nem outra. Se na primeira parte do discurso apresentou razões para avançar, na parte final invocou razões para desistir. O que terá levado Manuel Alegre a anunciar que não é candidato à Presidência da República de forma tão pouco clara? Confesso que não percebi, tanto mais que Manuel Alegre sempre se distinguiu pela clareza e pela frontalidade. Certamente que por falta de palavras não deve ter sido, que Alegre é um homem de palavras — e ninguém acredita que as não mediu bem medidas antes de abrir a boca. Isto quanto aos métodos. Quanto à substância, as razões que invocou para discordar do actual cenário presidencial deviam tê-lo feito avançar e não o contrário. De facto, se são tão más para o País as candidaturas de Soares e Cavaco, porque razão escolheu o partido (o PS) e não o País?
«É um novo Mário Soares que temos pela frente», garante Medeiros Ferreira. Ora, é precisamente por essa razão que muitos dos que ontem votaram nele não voltarão a fazê-lo.
Joana Amaral Dias afirmou que a tentativa de democratização do Iraque «terminará com um Estado islâmico», «com uma guerra civil» ou «com ambos». Perante isto, apenas uma dúvida: estará ela a fazer futurologia pura e simples, ou a exprimir o seu mais profundo desejo?
26 de agosto de 2005
Há coisas no jornalismo com as quais embirro particularmente. Uma delas são as fontes anónimas, que tantas vezes servem para fazer passar determinada ideia como se dum facto se tratasse. Mas o que me irrita mesmo é quando leio coisas como esta: «Fontes independentes garantiram que...» Ora, o que é uma fonte independente? E independente de quê (ou de quem)? Não será isto um claro exemplo de atribuição de um «facto» inventado (ou uma opinião que não se tem coragem de assumir) a uma fonte inexistente? É claro que qualquer pessoa medianamente informada sabe que as fontes anónimas garantem informações importantes que, de outro modo, seriam difíceis de obter, e muito menos de divulgar. Só que não tarda nada que os leitores (ouvintes, espectadores) comecem a olhar para as fontes anónimas (ou «independentes») como matéria suspeita e, por isso, pouco credível.
24 de agosto de 2005
Ora deixa-me cá ver. Obrigar os proprietários das matas a mantê-las limpas? Muito bonito, sem dúvida. Só que, na prática, os proprietários das matas, pelo menos grande parte deles, vão precisar de as vender para arranjar dinheiro para as limpar. Não será assim? E, já agora, vendê-las a quem? A quem as pode comprar por um terço do preço uma vez ardidas?
O almoço, no Pombinha, decorreu alegre, à parte algum discurso cacete: o do nosso bom Raposo, «urso» açoriano. O [Manuel Rodrigues] Lapa, mais velho, era para nós um conviva de honra: se ele falou, francamente não recordo o que disse. O vinho às ondas, saímos dali consideravelmente etilizados: ele, porém, alerta, sorridente e aprumado. Um de nós, o simpático... (não, não vou revelar nomes!) voou, juro que voou em linha recta, a dar um mergulho na taça da fonte em frente do Palácio. Mas o vinho congrega mal, e cedo dispersámos.
Do grupo que ficou, alguém sugeriu — a «prova» tinha sido animadora — uma saltada às adegas de Colares. Foi com certeza o Passarinho, grande copofónico que usava patilhas e bengalão, falava grosso, e dava tiros inesperados em casas suspeitas do Bairro Alto. (Este Passarinho é outro pseudónimo, se me entendem.) Tomámos uma tipóia e descemos a Colares: o Lapa, o Mayer, o Passarinho, eu, e talvez mais algum que esqueci. Não sei o que se passou na visita às adegas: tenho o vinho sossegado, e não saí da vitória. Só me lembro da dormência da tarde e da vastidão da luz difusa no céu. Os meus colegas voltaram sobrecarregados, e as pilecas meteram a caminho de volta a Sintra, bufando de esforço.
À passagem de uma aldeola avistámos um galito, e o Passarinho, com o seu brio de académico, mas contra os nossos protestos, resolveu raptá-lo. Atirou-se da vitória abaixo e, coisa pasmosa para o seu estado, correu atrás dele e conseguiu deitar-lhe a unha. Enrodilhou-o na capa e meteu-o debaixo do assento a cacarejar de desespero. Foi repreendido!
Não tardou que, no descampado da encosta, ouvíssemos brados alarmantes e em seguida um tiro ou dois. Os aldeãos tinham dado pelo furto e vinham sobre nós em vasta linha de ataque envolvente. O Passarinho, de repente aflito, pôs o galucho em liberdade: vimo-lo abalar, tonto e esgrouvinhado, em direcção à aldeia. Ao som dos tiros, entretanto, o cocheiro fizera parar as bestas: «A subida é muito íngreme», disse, «e elas não aguentam!» Lívido sob os incontáveis pontos pretos que lhe poluíam as grosseiras feições, o Passarinho rogava: «Ande lá pra diante, homem de Deus!» Mas ele: «Esta gente aqui conhece-me: se cá me tornam a apanhar tiram-me a pele!» E não se mexeu.
Vimo-nos logo cercados de uma algazarra pouco tranquilizadora: gritos, varapaus no ar, uma ou duas caçadeiras, e só Deus sabe que mais. Saloios e estudantes, não estão a ver? Queriam o galo, reclamavam uma indemnização. «Mas eu já o soltei!», gemia o valentão, a tremer, sem a eloquência nem a tesura habituais. Nem a pistola! Sentia-se mais pequenino do que o próprio nome, via-se bem. O Lapa assistia à cena, fleumático, de perna cruzada, olhando o outro com ironia e desdém. Eu ainda tentei acalmar os ânimos, segundo o meu péssimo costume. Os saloios é que não estavam pelos ajustes, e teimavam ameaçadores: «Venha o dinheirinho! O galito ficou aleijado!» Alguém falou em tiros... Então o Passarinho apeou-se, pôs o joelho em terra e cruzou as mãos em prece: «Pelo amor de Deus, não me tirem a vida, que eu tenho mulher e filhos!» Assim mesmo, de capa e batina. Com aquela cara de Remexido! Até parecia do tempo dele.
Aqui o Lapa indignou-se. Sem destrocar a perna, atirou-lhe: «Ó seu cobardola, pague lá o galo aos homens, e toca a andar!»
Foi a sentença final. O ferrabrás entregou-lhes os dez'tões do tempo (era dinheiro!), e eles foram-se embora: com o galo, a espórtula e a vergonha do estudante.
Rodrigues Miguéis, O Espelho Poliédrico
23 de agosto de 2005
22 de agosto de 2005
«Documentos do Departamento de Estado norte-americano agora desclassificados mostram que responsáveis taliban discutiram, em 1998, com diplomatas dos Estados Unidos o assassínio ou a expulsão de Osama bin Laden do Afeganistão. Em causa estava, então, a resposta aos atentados contra as embaixadas dos EUA no Quénia e na Tanzânia que nesse ano fizeram 220 mortos e milhares de feridos. O regime dos "estudantes de Teologia" acabaria por cair no fim de 2001, quando recusou expulsar Osama após os ataques de 11 de Setembro.» Isto é o primeiro parágrafo de uma notícia do Público do último domingo, que prossegue: «Apesar de oficialmente os taliban não serem reconhecidos por Washington, os documentos colocados no site do Arquivo Nacional de Segurança, dão conta de várias reuniões entre o adjunto da missão dos EUA na embaixada do Paquistão, Alan Eastham Jr., e Wakil Ahmed, colaborador próximo do líder taliban, mullah Omar. "É inacreditável o que este pequeno homem vos fez", diz Ahmed durante um encontro a 19 de Dezembro. Na mesma reunião, Ahmed diz a Eastham ter falado com Omar sobre Osama e que os taliban ainda acreditam na sua inocência.» E continua a prosa por mais meia dúzia de parágrafos sem nunca referir que tudo isso se passou durante a presidência de Bill Clinton, certamente que por esquecimento.
Pequeno Episódio na Vida dum Dândi, de Alexandre Soares Silva, e Teremos sempre São Paulo, de João Pereira Coutinho.
19 de agosto de 2005
Se o cidadão brasileiro Charles de Menezes não tivesse sido morto durante uma operação anti-terrorista patrocinada pelo governo britânico, quem se importaria com o facto de a versão apresentada pela Scotland Yard não corresponder inteiramente à verdade? Quanto tempo faltará para se começar a dizer que a morte de Charles de Menezes resultou de um assassinato premeditado? E, já agora, por que razões?
18 de agosto de 2005
Um post de Nuno Guerreiro e uma crónica de Francisco José Viegas sobre o tema do momento: a retirada de Israel da faixa de Gaza. Já agora, um post grotesco sobre o mesmo tema.
«Escritores importantes como Miguel de Cervantes, Francisco de Quevedo, François Rabelais, Daniel Defoe, Graham Greene e Voltaire se dedicaram não só à literatura, mas também à espionagem», diz José Castello. «Quem pensa que a literatura de aluguel de um Dan Brown é uma invenção recente, filha espúria da era da cultura de massas, talvez se surpreenda ao saber que, já no século 18, o escritor inglês Samuel Johnson sentenciava que só um idiota poderia escrever por outro motivo além do dinheiro», diz Antonio Fernando Borges. Ambos No Mínimo.
17 de agosto de 2005
15 de agosto de 2005
Uma visita ao Museu de Arte Moderna revelou-me meia dúzia de pintores que eu não conhecia (ou conhecia mal) cuja obra vale a pena ver em pormenor. São eles os franceses Georges-Pierre Seurat, Odilon Redon e André Derain, o belga James Ensor, e os norte-americanos Lyonel Feininger e Jacob Lawrence. Tirando isto, que não foi pouco, apanhei uma barrigada de Cézanne e Pissarro, que o MoMa expôs de modo a realçar o relacionamento artístico entre os dois pintores. O pior foi a fila para entrar no edifício, e ainda pior a temperatura: 38 graus à sombra, humidade a rondar os 100 por cento.
11 de agosto de 2005
«Imaginem que uma tarde, ao escurecer, entrei no Serras a comprar um charutinho para depois do jantar. Ainda não tinham acendido as luzes, por espírito de economia, suponho eu. O vendedor, muito solícito, abriu-me meia dúzia de caixas em cima do balcão, e virou-se a atender outro freguês. Naquela penumbra, oh senhor, não sei que vontade me deu de tirar três ou quatro charutos, e no fim pagar um só. Felizmente o patrão acendeu os lampiões (era no tempo do gás) e eu respirei fundo, e fiquei muito contente de continuar a ser um homem honrado. Paguei, vou a dar a volta para sair, e que vejo eu? Um raio dum fedelho que me deita a mão à bengala de castão de prata, que eu tinha pendurado na borda do balcão, e abala a fugir pela rua abaixo! Largo atrás dele, agarra agarra, e se os populares mo não tiram das unhas partia-lhe o pau-ferro de estimação (presente do meu sogro) nos lombos.» Rodrigues Miguéis, É Proibido Apontar
10 de agosto de 2005
9 de agosto de 2005
Uma conta em Miami em nome do ditador Pinochet, uma entrada no negócio dos diamantes em Angola que levantou algumas dúvidas, o caso dos sobreiros de Benavente, a falência da Euroamer, a suspeita de envolvimento no «mensalão» e outros casos menores (ou menos conhecidos) são, convenhamos, trapalhadas a mais, tanto mais que não há notícias do género envolvendo outros bancos. Estou a falar do Banco Espírito Santo, embora duvide que haja alguém que não saiba.
5 de agosto de 2005
3 de agosto de 2005
«Charitable donations to help people affected by the Asian tsunami disaster are falling into the hands of radical Islamic groups linked to terrorists in Indonesia, a leading expert on the global al-Qaeda network warned yesterday.
Relief money had become the "primary source" of income for two militant groups, including one founded by a Muslim cleric serving a prison sentence in connection with the Bali bombing in 2002 in which more than 200 people were killed.» (Via A Mão Invisível)
Relief money had become the "primary source" of income for two militant groups, including one founded by a Muslim cleric serving a prison sentence in connection with the Bali bombing in 2002 in which more than 200 people were killed.» (Via A Mão Invisível)
2 de agosto de 2005
Como aqui disse há uns meses, está por demonstrar que existe o Islão moderado. A reportagem da capa da última Spectator também aponta nesse sentido.
1 de agosto de 2005
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