30 de março de 2011
EMIGRANTES DE SUCESSO. O cavalheiro dá entrada no restaurante e logo meia dúzia de sujeitos se levanta e apressa a cumprimentá-lo. Pairando sobre os mortais, o cavalheiro condescende em estender a mão aos sujeitos como quem distribui rebuçados, e vai dando instruções ao gerente para lhe desencantar uma mesa. O cavalheiro ajudou muita gente, ouço alguém dizer após o ilustre ter saído de cena. O espantoso é que todos sabem, a começar pelo sujeito do comentário, que o cavalheiro enriqueceu à custa dos emigrantes indocumentados, geralmente seus conterrâneos (portugueses, evidentemente), a quem naturalmente pagou em conformidade (leia-se menos que aos outros), e a quem fez promessas vãs de legalizar para manter sob poder. Infelizmente, quando se fala em «emigrantes de sucesso» nunca se fala da origem do sucesso, muito menos de casos destes, que os há às mãos cheias.
RENTES DE CARVALHO. Já várias vezes chamei a atenção para a prosa deste senhor, mas também gosto dele por isto.
29 de março de 2011
FACTOS E DESEJOS. Então o PS não é o que acaba de eleger Sócrates com 93,3%, mais 10,59% que em 2009? Não é o partido que acaba de ter uma taxa recorde de participação nas «directas» de quase 90 por cento? Eu também não fiquei lá muito entusiasmado com a vitória «norte-coreana» (nem teria ficado com nenhuma outra, já agora), mas tomar os desejos por factos não muda os ditos. E os ditos são claríssimos: os militantes socialistas tocaram a reunir, e a oposição a Sócrates, a existir, está reduzida a uns fogachos com zero apoio dos militantes. Fazer de conta que não é assim, que o PS de Sócrates está amordaçado e que os seus militantes são estúpidos, é pura burrice.
28 de março de 2011
OUTRA VEZ A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES. Qualquer pessoa que trabalha numa empresa privada é permanentemente avaliada. Seja, ou não, justo o modelo de avaliação, goste, ou não, da ideia. Por isso me chateia que nenhum modelo de avaliação dos professores do sector público apresentado até agora lhes tenha servido, e que não tenham apresentado um modelo alternativo. A avaliação é uma coisa muito importante, juram os professores e quem os defende. Se assim é, por que não apresentam eles um modelo alternativo? Porque não fazem uma manif a exigir a avaliação? O que haverá aqui de tão transcendente que o comum dos mortais não consiga ver?
25 de março de 2011
DEUS NOS ACUDA. Depois do IVA, que admitiu subir no dia seguinte à queda do Governo depois de meses (pelo menos) a pregar que seria impensável, o PSD fez aprovar um projecto de lei que liquida a avaliação dos professores. Quando se esperaria que apresentasse um projecto alternativo ao actual, o PSD limita-se a destruir o que existe e funciona, sem que vislumbre outro motivo que não seja o populismo puro e simples. Mais: o PSD disse não estar disponível para negociar com o primeiro-ministro pouco antes de Sócrates se demitir, e agora, primeiro-ministro demitido, já está disponível para negociar o que for preciso. Decididamente que este PSD de Passos Coelho está a revelar-se uma anedota de mau gosto. Talvez pior: está a revelar-se um perigo para o país caso venha a ser governo.
QUEIROZ VOLTA A ATACAR. Carlos Queiroz não desiste de convencer os portugueses de que foi afastado do cargo de seleccionador da bola por, imaginem, razões políticas. E não de um político — ou políticos — qualquer: segundo ele, houve mão de Sócrates, primeiro-ministro, e Silva Pereira, número dois do Governo. O génio incompreendido, que hoje mesmo protagonizou uma cena digna da pior telenovela brasileira (para usar as suas próprias palavras) quando procurava apoucar um jogador que o criticou, não há meio de perceber que a sua saída da selecção foi um alívio para todos — um alívio para os jogadores, um alívio para a equipa técnica, um alívio para os dirigentes, um alívio para os adeptos. Independentemente das razões de queixa que possa ter sobre a forma como foi despedido (não vejo quais, mas enfim), já devia ter percebido que o seu afastamento da selecção foi um alívio para toda a gente, e que ninguém quer saber das razões que diz ter.
24 de março de 2011
MUDAM-SE OS TEMPOS (2). O Governo agora demissionário não me merece qualquer simpatia, muito menos o primeiro-ministro. Mas imaginem que teria sido o Governo a anunciar, há dois dias, uma subida do IVA. O que teria dito o líder do PSD? Certamente teria dito que seria impensável o que, agora, governo caído, anuncia como inevitável. Como não bastasse o facto de não ter, até ontem, apresentado uma única medida alternativa, hoje anunciou uma medida que contraria tudo o que tem dito até aqui. Estamos bem entregues, não há dúvida que estamos.
MUDAM-SE OS TEMPOS (1). Não conheço em detalhe os contornos da intervenção militar na Líbia, mas a fazer fé no que se diz parece-me globalmente acertada. Mas já acho discutível a participação dos EUA, e surpreendente que ela tenha sido ditada por quem tanto criticou a intervenção americana no Iraque. O Iraque e a Líbia são casos distintos? Seguramente, mas também o regime de Saddam massacrava o seu próprio povo, precisamente o motivo que agora se invoca para intervir na Líbia.
22 de março de 2011
PROVINCIANISMO. Talvez por ter nascido na província, chateia-me que se critique alguém e se acrescente às críticas o facto de ser da província (ou dos subúrbios, ou equivalente). Até Vasco Pulido Valente, por quem nutro admiração, não resistiu à tentação de dizer que Sócrates é «um tiranete da Beira», como se ter nascido na Beira (ou noutro sítio qualquer) fosse um argumento de peso, e como Vasco Pulido Valente não tivesse motivos de sobra para o criticar. E quem diz Sócrates diz Cavaco ou Passos Coelho, de quem volta e meia se lembram as origens com o propósito de os diminuir. Não serão estes reparos um bocado provincianos?
21 de março de 2011
PROVAVELMENTE SERÁ O ACONTECIMENTO DO ANO. O Bloco de Esquerda anuncia que vai apresentar um «programa de crescimento».
18 de março de 2011
JÁ CHEIRA A SUCESSÃO. O Ministro das Finanças fez um discurso que ficará para a história como a mais desastrada e desastrosa comunicação política que alguma vez foi feita em Portugal e talvez no hemisfério Norte, disse António Costa sobre o desempenho de Teixeira dos Santos na apresentação das novas medidas de austeridade. E o que disse o ministro de tão desastroso assim? Ou vi mal, ou nada a que já não estivéssemos habituados. Surpreendentes foram as declarações do edil lisboeta nesta altura do campeonato. Sim, ele já veio dizer que está cem por cento concentrado na Câmara de Lisboa, como é costume dizer-se nestas ocasiões. Mas é por demais evidente que António Costa se pôs a jeito para a sucessão de Sócrates. Será a melhor solução para o PS? Sinceramente, não sei. Parece-me, contudo, a menos má. E tem já um apoio de peso: Medeiros Ferreira, que hoje mesmo apontou António Costa como uma solução.
17 de março de 2011
COISAS ABSURDAS. A notícia não esclarece se as «traduções» para «português» e «brasileiro» que a Babel tenciona fazer se aplicam, também, aos autores portugueses e brasileiros. Como receia o Francisco, seria, de facto, um absurdo, que O Delfim fosse «traduzido» para «brasileiro», ou Memorial de Aires «traduzido» para «português».
15 de março de 2011
LI E GOSTEI. O Trompete de Miles Davis, primeiro livro de Francisco Duarte Azevedo, foi hoje apresentado. Eis o primeiro parágrafo:
«Numa manhã de Fevereiro de 2007, entrei no escritório como habitualmente, pela única porta de entrada. Nem dava para entrar por outro lado. A menos que fosse um sniper e tivesse deslizado vidros acima como o homem-aranha, alcançado o topo do edifício e penetrado pelas portas de acesso às caixas dos ascensores. Do terraço obtinha-se um fantástico panorama do casario de Newark, do porto, do aeroporto, do intricado sistema de comunicações viárias, da Pulaski Skyway e de Nova Iorque. Restaria ainda a serpentina líquida do Passaic desfazendo-se nas águas da baía de Newark, que a cidade de Elizabeth também disputava. Mas não havia qualquer intenção de ser pássaro e a vidraça que revestia o edifício não tinha aberturas que permitissem ao menos, a quem ali tinha os seus escritórios, arejar, tomar ar, respirar sem sufoco. Era como estar dentro de uma campânula de vidro.»
14 de março de 2011
NÃO HÁ PACHORRA. A morte de alguém, mesmo em circunstâncias trágicas, não torna bom quem não foi bom. Custa-me, portanto, engolir elogios aos mortos que se tornam bons porque já cá não estão, geralmente feitos pelos mesmos que em vida diziam cobras e lagartos deles. Feita a «declaração de princípios», como agora se diz, apetece-me perguntar: o que terá feito Carlos Castro de tão extraordinário para que dele se diga que a sua morte foi uma tragédia para o país e se reclame uma rua em Lisboa com o seu nome? Ou tenho andado distraído, ou não lhe vejo nada no currículo que o justifique. Castro limitou-se a publicar umas crónicas onde revelava quem dormia com quem e o extraordinário mundo das socialites — ofício execrado por qualquer pessoa de bem e pelo jornalismo dito de referência, embora o jornalismo dito de referência já visse melhores dias. Estarei, por acaso, a exagerar? Dizem-me que o sujeito era amigo do seu amigo, que gostava de ajudar os outros, e que era uma pessoa generosa e pacífica. Mas será isso suficiente para merecer o aplauso do país? Desculpem a inconveniência, mas eu estou convencido de que o mérito do sujeito resultou inteirinho do facto de ser gay e gostar de o exibir. E incensar os gays por o serem é, para mim, pior que ser contra eles.
11 de março de 2011
OS PÂNDEGOS DA LUTA. Dos Homens da Luta conhecia, há dois dias, uma cançoneta que circula no YouTube, que só vi parcialmente, e à qual atribuí escassa importância. A vitória no festival das cantigas e consequente actuação na Alemanha suscitou-me curiosidade a ponto de fazer uma pesquisa sobre Neto e Falâncio, curiosidade aguçada porque uns dizem tratar-se de um embaraço para o país e outros um escândalo. Concluída a pesquisa e ouvida a cantiga, confesso que não vi razão para tanto. A cançoneta é pró fracote? Pois é. Mas se a ideia do festival das cantigas é promover a criação musical, há anos que deviam ter acabado com ele. É tão evidente a mediocridade daquilo que custa a crer que o motivo seja o que se diz.
10 de março de 2011
NOTAS PRESIDENCIAIS. Será abusivo dizer-se que o Presidente da República fez um aceno de simpatia ao protesto da «geração à rasca»? Tendo em conta que Cavaco exortou os jovens para que «façam ouvir a sua voz» e não ignora o protesto de sábado, parece-me que não é. Assim sendo, o mínimo que se pode dizer é que estamos diante um gesto mais apropriado ao Bloco de Esquerda que a um Presidente da República. Já o resto do discurso, em que Cavaco arrasou o Governo de cima abaixo, não me merece grandes reparos, embora fosse mais rigoroso se atribuísse parte da crise portuguesa à crise internacional (de que também resulta), calando as reacções que a omissão previsivelmente causariam, e sem que isso retirasse consistência aos argumentos. A ver vamos que consequências resultarão do discurso de Cavaco, mas vale pela ruptura com a paz podre, cada vez mais malcheirosa, cada vez mais insuportável.
RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE. Como hoje se viu na Assembleia da República, os deputados tiveram ocasião de derrubar o Governo de Sócrates e do PS, e não o fizeram. Sendo o Governo tão mau como a maioria dos deputados afirma (e não só os deputados), como entenderão os portugueses que o tenham mantido em funções? Que esperarão os deputados (e os políticos em geral) que os portugueses pensem deles face a malabarismos destes?
ENSINARÁ O QUÊ? Não fosse o caso de ter ouvido, de viva voz, o coordenador da Direcção Regional de Educação do Centro manifestar-se surpreendido por se ver afastado do cargo por discordar enquanto profissional de uma situação que concorda (presumo) enquanto dirigente, seria capaz de jurar que era uma anedota. O professor Ernesto não vê incompatibilidade entre subscrever um abaixo-assinado a criticar o actual modelo de avaliação de professores e simultaneamente ocupar um cargo que implica defender essa mesma avaliação, como não fosse evidente a incompatibilidade. Pior: o sujeito parece genuinamente espantado com a demissão, o que leva a crer que estamos diante uma prática tão corriqueira que só por azar o penalizou.
8 de março de 2011
MUDAM-SE OS TEMPOS. Lembram-se como era perigoso exportar a democracia para os países árabes, que alegadamente não estavam preparados? Pois é, agora argumenta-se que será um erro pensar que esses mesmos países não estão preparados para a democracia, embora com a ressalva de não ser exactamente a democracia tal como a conhecemos — e sem que se diga qual é.
TEMPOS PERIGOSOS. Como já disse, não partilho do entusiasmo mais ou menos generalizado pelas revoltas em curso, por mais que a queda de uma ditadura seja uma boa notícia. Oxalá me engane, mas a revolta na «rua árabe» vai gerar, a prazo, enorme instabilidade, e não só nos países por ela atingidos. Aliás, há já evidências de que assim será.
7 de março de 2011
CHOQUE, DIZEM ELES. Em que é que o Público se baseia para dizer que a sondagem que coloca Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais está a chocar a França? E, já agora, que França é essa que o Público diz estar em choque? Não estará o jornal a confundir desejos com factos?
COISAS INTERESSANTES. Não há dúvida de que nós, portugueses, somos muito versáteis. Primeiro fazemos negócios com Khadafi, logo a seguir presidimos a um comité que lhe vai impor sanções.
GUANTÂNAMO. Aguardemos a próxima crónica de Mário Soares para sabermos o que ele pensa disto e de Barack Obama.
3 de março de 2011
2 de março de 2011
NÃO SE RIAM. A ONU resolveu suspender a Líbia do Conselho dos Direitos Humanos porque, imaginem, descobriu que o regime de Muammar Khadafi viola os ditos. Bem sei que a gente lê a notícia e não é fácil conter o riso. Mas, vendo bem, estamos diante um progresso notável. Mesmo que a suspensão seja «excepcional e temporária», como a ONU fez questão de ressalvar.
VEJAM-SE AO ESPELHO. Desculpem lá a linguagem, mas apetece-me dizer que o pingue-pongue entre os juízes sobre o destino das escutas do Face Oculta (e não só) fede que tresanda. Quando é que os senhores juízes deixam de fazer política e passam a fazer o que deles se espera? Quanto é que os senhores juízes percebem que deviam ser os últimos a vir à praça pública esgrimir argumentos? Quando é que os senhores juízes metem nas cabecinhas que os cidadãos esperam deles contenção no verbo e sensatez nas decisões? Quando é que os senhores juízes resolvem, enfim, dar-se ao respeito?
1 de março de 2011
BRINQUEDOS CAROS. Imagino que seja enorme a tentação de concordar com o então embaixador dos EUA em Lisboa quando ele diz que os militares portugueses precisam de comprar «brinquedos caros» devido a um «complexo de inferioridade», mesmo sabendo-se que o comentário poderá ter sido ditado pelo mau perder (os americanos foram candidatos a fornecer «brinquedos caros» aos portugueses mas perderam, salvo erro, para os alemães). Afinal, quantas vezes já ouvimos este diagnóstico? O que terá dito o diplomata americano que já não soubéssemos?
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