30 de junho de 2011
28 de junho de 2011
FAÇAM O FAVOR DE ME ESCLARECER. Parece que a ministra da Agricultura desempenhou exemplarmente um cargo que lhe foi confiado pelo líder do partido a que pertence, apesar de inicialmente nada saber sobre o assunto que aceitou chefiar. Se foi como se diz, óptimo. Se for assim no ministério que ora dirige, de que já disse nada saber, ainda melhor. Mas como entender que se nomeie alguém para chefiar um departamento governamental sem nada saber dele? Bem sei que o conhecimento na área que se vai dirigir não é, por si só, uma mais-valia, e às vezes até atrapalha. Mas nomear alguém para uma área sobre a qual nunca manifestou o mais leve interesse ou conhecimento, e que naturalmente vai ter de estudar a partir do zero se quiser estar à altura do cargo que vai desempenhar, é coisa que não se percebe. A única coisa que se percebe deste episódio é mesmo o que parece: havia que arranjar um cargo para a senhora, fosse ele qual fosse. Se não foi assim, façam o favor de me convencer do contrário.
27 de junho de 2011
24 de junho de 2011
CRÍTICA LITERÁRIA. Se os números não mudaram muito nos últimos anos, publicam-se, em Portugal, meia centena de livros por dia. Considerando que apenas uma pequena parte é notícia e uma parte ainda mais pequena alvo de apreciação crítica, gostaria que alguém me respondesse à seguinte pergunta: que factores determinam os livros que vão ser objecto de recensão? Vi há pouco, salvo erro no Bibliotecário de Babel, uma lista, por editora, dos livros que foram alvo de recensão num determinado meio e num determinado período de tempo, mas o exercício, por si só, não explica nada. Provavelmente o critério adoptado em Portugal é igual ao que se pratica em todo o lado, mas também não sei que critério é esse que se pratica em todo o lado. Parece-me que seria útil para os leitores (pelo menos) que o processo fosse menos opaco. Para mistérios já nos bastam o ror de estrelas que se atribuem a livros claramente medíocres, enquanto outros, que mereciam ser melhor conhecidos, são votados ao mais completo desprezo.
23 de junho de 2011
OUTRA VEZ A CORRUPÇÃO. Trinta por cento dos 230 deputados da anterior legislatura «são administradores ou gestores de empresas que têm directamente negócios com o Estado», diz Paulo Morais. Diz mais o vice-presidente da Câmara do Porto: o parlamento português mais parece «um verdadeiro escritório de representações» das construtoras e dos laboratórios médicos. E ainda mais: «O centro de corrupção em Portugal tem sido a Assembleia da República», onde os deputados criaram uma «legislação perfeitamente imperceptível», com «muitas regras para ninguém perceber nada, muitas excepções para beneficiar os amigos e um ilimitado poder discricionário a quem aplica a lei». Pior: «A legislação vem dos grandes escritórios de advogados, principalmente de Lisboa, que também ganham dinheiro com os pareceres que lhes pedem para interpretar essas mesmas leis e ainda ganham a vender às empresas os alçapões que deixaram na lei.» Paulo Morais disse mais, muito mais, e não foi a primeira vez que o disse. Só que nada do que diz tem contribuído para mudar o que quer que seja, apesar do impacto mediático que as suas declarações geralmente provocam. Que eu saiba, os deputados agora eleitos não se distinguem dos seus antecessores nas matérias que refere, até porque grande parte deles vem de anteriores legislaturas. Se não ficámos pior, o parlamento agora eleito deixou tudo na mesma, e não se vislumbra vontade de mudar o que quer que seja.
21 de junho de 2011
A DERROTA ANUNCIADA. Confesso que não estou a ver a razão que levou o PSD a insistir em Fernando Nobre para a Presidência da AR quando estava escrito nas estrelas que só um milagre o elegeria. Mesmo que fosse uma boa escolha (claramente não era), seria um erro submetê-lo a votos quando toda a gente já tinha dito e repetido que não votaria nele, e não será difícil imaginar que alguns deputados do PSD que votaram nele o fizeram contrariados. Que Fernando Nobre se tenha prestado a esse papel, o seu passado recente (candidatou-se num partido de direita apesar de se assumir como «um homem de esquerda», ameaçou renunciar ao mandato de deputado caso não fosse eleito presidente da AR, fartou-se de insultar os políticos e diabolizar os partidos quando foi candidato presidencial, teceu duras críticas ao próprio Parlamento a que agora se propôs presidir) deixavam-no adivinhar. Já o PSD, não se percebe por que se meteu numa aventura destinada ao fracasso. Pode ser que nada disto perturbe a coligação que nos governa, mas não augura nada de bom.
20 de junho de 2011
NÃO PERCEBI. Passos Coelho terá convidado Nuno Crato para a pasta da Educação depois de Paulo Rangel a ter recusado, alegando nada saber do assunto. A ser verdade (ainda não vi quem desmentisse), qual terá sido o critério para a escolha do ministro da Educação? Como entender que primeiro se convide uma pessoa com escassíssimos conhecimentos da área mas com vasta experiência política e a seguir se convide outra pessoa que é praticamente um especialista mas com nula experiência política?
17 de junho de 2011
A PALAVRA AOS OUTROS (4). «Pense-se na conhecida história do professor de literatura portuguesa que chega a casa, depois de um dia de trabalho e, muito irritado, desabafa com a mulher: "— Calcula tu que hoje perguntei a um rapazito de doze anos quem tinha feito Os Lusíadas. Sabes o que aconteceu? O aluno desatou a tremer, a choramingar e acabou por dizer que não tinha sido ele... É incrível, não achas?". Resposta da mulher: "— Ó querido! Talvez não tenha sido, coitado..."» Alexandre O’Neill, Já cá não está quem falou
A PALAVRA AOS OUTROS (3). «Los clásicos son los libros más contemporáneos que existen.» Enrique Vila-Matas, El País
A PALAVRA AOS OUTROS (1). «Passei um serão inteiro a discutir [com Arriano] a injunção que consiste em amar outrem como a si mesmo; é demasiado contrária à natureza humana para ser sinceramente obedecida pelo homem comum, que nunca amará senão a si próprio, e não convém de modo algum ao sábio, que não se ama particularmente a si mesmo.» Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano
15 de junho de 2011
ORDINARICES. Não é fácil encontrar outra maneira de qualificar o comentário de Ana Gomes sobre Paulo Portas que não seja abaixo de cão. O que disse a eurodeputada foi de tal modo ordinário que não foi por acaso que ninguém saiu em defesa dela, e a resposta que deu a um comentário de Ferreira Fernandes foi uma tentativa malsucedida de atribuir a terceiros o que só a ela pertence. Aliás, quanto mais a criatura se explica, mas cristalino se torna o que lhe vai na cabeça.
14 de junho de 2011
DA IMPUNIDADE. Segundo o Público, Alberto João Jardim gastou 83,5 milhões numa obra antes chumbada pela Câmara do Funchal, por considerá-la megalómana face à austeridade em vigor. A ser verdade, a coisa não surpreende nem indigna ninguém, e as autoridades, para não variar, não mexerão uma palha. Há dezenas de anos que é assim, e não se vislumbra que venha a ser doutra maneira. Alberto João Jardim continua a fazer o que bem entende, a rir-se de quem o critica, e a não hesitar em insultar as mais altas figuras do Estado caso se metem com ele. O país que pague a conta, e bufar já não adianta. Aliás, a inexistência de reacções à notícia do Público demonstra bem o estado a que a impunidade chegou.
10 de junho de 2011
OS CRIADORES E A LIBERDADE. Imagino que não haverá pior para um criador (escritor, artista plástico, músico, cineasta, etc.) que viver num regime totalitário, onde a liberdade de expressão não existe. Ou o criador está em sintonia com o regime (uma contradição, que o acto criativo é, por natureza, anti-sistema), ou está perdido, porque a criação resulta, essencialmente, da insatisfação do seu criador, e isso é já admitir que o sistema em que vive não o satisfaz — logo é perigoso. Tirando a oposição ao regime (quando há), ninguém é tão afectado pela ausência de liberdade como os criadores, cuja criação necessita de liberdade como os criadores necessitam do ar que respiram. Estranho, por isso, que grande parte deles esteja sempre disponível para protestar contra regimes onde a liberdade é um bem adquirido quando estes regimes sacrificam parte dela em troca de mais segurança (o caso dos EUA é um bom exemplo), e raramente abram a boca contra regimes onde a liberdade não existe. A ignorância de tudo o que os rodeia que não tenha a ver com as suas áreas de interesse explicará alguns casos, mas seguramente que não os explicará todos — nem, sequer, a maioria. Assim sendo, por que razão isto acontece? Por paradoxal que pareça, porque os criadores têm uma visão muito peculiar do mundo, diria mesmo conservadora, e nem as evidências os fazem mudar. É bom não esquecer que os criadores são excepcionalmente dotados na arte da fuga, e talvez isso explique o que doutro modo não é fácil explicar.
9 de junho de 2011
PARA QUE CONSTE. O director da Sábado, Miguel Pinheiro, está a ser alvo de um processo-crime por este comentário publicado na revista que dirige: «Tal como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais, Cavaco Silva acha que uma vitória eleitoral elimina todas as dúvidas sobre negócios que surgem nas campanhas.» Não, não é Sócrates o queixoso. Adivinhem quem é.
8 de junho de 2011
JORNALISMO. Segui parte da noite eleitoral pela RTP, e devo dizer que concordo inteiramente com o que disse Pacheco Pereira sobre o jornalismo português. Tal como ele, não me lembro de ouvir uma única pergunta dos jornalistas que fosse relevante ou acrescentasse alguma coisa ao que já se soubesse, tal como, de resto, já tinha sucedido na campanha eleitoral. Pior: incluo no reparo os jornalistas mais experimentados, de quem seria de esperar muito mais. Infelizmente, o jornalismo português vive da irrelevância, e manda a verdade dizer que não só o jornalismo português. O bom jornalismo custa dinheiro e chatices, e se dinheiro é coisa que não abunda, chatices é só para quem pode.
6 de junho de 2011
BOAS NOTÍCIAS. «As traduções dos memorandos da troika disponibilizadas pelo Ministério das Finanças não seguiram as imposições do Acordo Ortográfico e, na campanha que ontem terminou, nenhum partido fez dele uso nos programas eleitorais. Ou seja, escreveram "vectores" e não "vetores", "actividades" e não "atividades", "actual" e não "atual", "objectivo" e não "objetivo", "sectores" e não "setores", "directo" e não "direto", "trajectória" e não "trajetória", "optimista" e não "otimista", "tecto" e não "teto", "directiva" e não "diretiva", "selecção" e não "seleção", "acção" e não "ação".» Editorial do Público de 4 de Junho de 2011
3 de junho de 2011
PARA CANDIDATOS A ESCRITORES. «Quem esteja minimamente familiarizado com as agruras da composição não precisará que lhe contem a história em todos os seus pormenores; como ele escrevia e achava bom o que escrevera; relia e achava execrável; corrigia e rasgava; cortava; acrescentava; ficava em êxtase; sucumbia ao desespero; passava noites excelentes e péssimas manhãs; agarrava uma ideia e deixava-a fugir; tinha uma nítida visão do seu livro, e a visão desvanecia-se; representava os papéis dos seus personagens enquanto dormia; declamava-os enquanto passeava; ora vociferava, ora ria; hesitava entre este e aquele estilo; hoje preferia o heróico e o pomposo, amanhã o raso e simples; agora os vales de Tempe, mais logo as campos do Kent ou da Cornulha; e não conseguia decidir se era o mais divino dos génios se o maior tolo do mundo.» Virginia Woolf, Orlando
2 de junho de 2011
MANUELA FERREIRA LEITE. Nelson Rodrigues escreveu que a unanimidade é burra. É isto, precisamente, o que me apetece dizer sobre o ódio generalizado a José Sócrates. Não que ele não tenha feito o que pôde para o merecer, mas tanta unanimidade faz-me desconfiar. O ideal seria que Sócrates desaparecesse, como sugere Manuela Ferreira Leite, numa espécie de versão revista e aumentada da célebre proposta de suspensão da democracia por seis meses para «pôr tudo na ordem». A democracia é uma coisa linda, não há dúvida que é. Excepto quando alguém não pensa como nós.
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