29 de novembro de 2011

HACKERS. Aceder ilegalmente aos computadores do Ministério da Administração Interna ou da Assembleia da República, divulgando dados pessoais de agentes da PSP no primeiro caso e no segundo tornando o site do Parlamento temporariamente inacessível, são, evidentemente, motivos de alarme. Mas o mais preocupante é constatar-se que os mais sofisticados (e seguros) sistemas informáticos de todo o mundo estão ao alcance de hackers, os cientistas malucos (e perigosos) dos tempos modernos, e não se vislumbrar como evitar que isso suceda. Alguns queixam-se de que quem manda nos países é quem tem o livro de cheques, e até há casos recentes de regimes democráticos em que os governos carecem de legitimidade eleitoral, coisa impensável ainda há dois ou três anos. Mas perigoso mesmo é estarmos nas mãos desta gente, que a coberto do anonimato e da mais que provável impunidade é capaz das maiores patifarias.
PROTESTOS INCONSEQUENTES. Para não variar, os sindicatos disseram que a greve geral foi um êxito (falaram que teve a adesão de um terço dos portugueses), e o Governo disse que apenas mobilizou 10 por cento dos funcionários públicos (um fracasso, portanto). Como é evidente, ambos mentiram. Toda a gente sabe que os números reais são outros, e que distam consideravelmente dos números de uns e de outros. Mas imaginemos que os sindicatos têm razão, que a greve foi um sucesso. E foi um sucesso porquê? Por nela terem participado, segundo eles, um número considerável de trabalhadores? A avaliar pelo que disseram, assim é. Temos, portanto, que o sucesso de uma greve se mede pelo número de participantes, não por alcançar o que aí se reivindica. Como se voltou a demonstrar, os sindicatos vivem cada vez mais longe de quem representam, e que as suas reivindicações se revelem, à partida, inconsequentes, é coisa que não os rala. Resta dizer que todos perdem com isso. Perdem os trabalhadores, perdem os sindicatos, perde o País.

25 de novembro de 2011

COISAS QUE FAZEM BEM À ALMA



Por razões que não interessam para o caso, acabo de rever a excelente entrevista que Julio Cortázar concedeu ao extinto programa A Fondo, da TVE, onde também já vi outras entrevistas notáveis (Borges, Rulfo, Carpentier, Onetti e outros) que, graças ao YouTube e a quem as lá pôs, continuam ao alcance de um clique. Escusado dizer que recomendo, e não só aos mais entusiastas dos livros. (Deixo a ligação apenas para a primeira de 14 partes, que uma vez lá as restantes são de fácil acesso.)

23 de novembro de 2011

DA COLUNA VERTEBRAL. Nada contra quem, na blogosfera, passou os últimos anos a disparar em tudo o que mexia, e agora, por via de uma sinecura qualquer, mais parecem caniches amestrados, sempre com a língua de fora e prontos a dobrar a espinha. O Governo anterior fazia tudo mal? O actual faz tudo bem? Segundo os cavalheiros, assim é. Tratando-se de pessoas com uma cultura geralmente acima da média, a coisa dá que pensar. Não seria de esperar que fossem os primeiros a mostrar alguma independência de espírito? Resta a consolação de ficarmos a saber o que os move, e desejar-lhes que nunca a espinha lhes doa.

18 de novembro de 2011

EM NOME DE PORTUGAL. Quanto terá custado a visita oficial do Presidente da República aos Estados Unidos a pretexto de «afirmar Portugal pela positiva» e corrigir uma «imagem distorcida»? Tendo em conta as largas dezenas de pessoas que o acompanharam, grande parte a expensas da Presidência, seguramente que muito dinheiro. Muito dinheiro quando se diz que não há, e ainda por cima esbanjado numa campanha cujos resultados se adivinham escassos, e cujo retorno, a haver, se calhar nem pagará as despesas. Aliás, o próprio Cavaco se encarregou de contradizer o espírito da coisa ao relembrar a existência, em Portugal, de «entraves burocráticos» ou «constrangimentos administrativos» ao investimento estrangeiro, não vá algum americano menos avisado cair na tentação de investir em Portugal.
O MONSTRO (2). José Manuel Fernandes não gostou que as recomendações do grupo de trabalho encarregado de estudar o serviço público de comunicação social ficassem praticamente resumidas ao triste episódio protagonizado pelo seu coordenador, que «a bem da Nação» e da sua imagem defendeu que a RTP Internacional deve ser «filtrada» e «trabalhada» pelo Governo. Vai daí, escreveu no Público que as palavras de João Duque foram uma intervenção «desastrada», e só uma intervenção «desastrada». Ora, acontece que as palavras de João Duque não foram, apenas, desastradas. A questão foi o que ele disse, não como disse. E convenhamos que de um sujeito que disse o que se sabe apenas se pode concluir uma de duas coisas: ou não tem a mínima ideia acerca do que andou a discutir, e nesse caso não se percebe por que integrou o grupo de trabalho; ou tem plena consciência do que disse, e o que disse é uma monstruosidade. Pretender reduzir o episódio a um mero fait divers não basta para que se torne um fait divers.

16 de novembro de 2011

O MONSTRO (1). Provavelmente já está, de algum modo, a acontecer, ainda que de forma subtil e não assumida, mas defender que a informação da RTP Internacional deve ser «filtrada» e «trabalhada» pelo Governo, «a bem da Nação» e da sua imagem no exterior, roça o inacreditável. A RTP Internacional destina-se a quem? Não se destinará, antes de mais, aos portugueses no estrangeiro, emigrantes e outros? O sr. João Duque acha que estes portugueses só devem ter acesso, digamos, às «boas notícias»? E como devem, já agora, ser «trabalhadas» as notícias da oposição, que naturalmente falarão mal do Governo e, por arrasto, do País? Calar-se-á quem falar mal do Governo? E porque não, já agora, estender a lógica a outros domínios, proibindo, por exemplo, a «exportação» dos livros de Eça, onde o país é maltratado e por vezes comparado a uma choldra? Claro que o disparate não terá consequências, como já fez saber o ministro que «filtraria» as notícias caso acatasse o conselho das luminárias. Mas arrepia só de pensar que um grupo de trabalho que tem por missão aconselhar o Governo em matéria de comunicação social pública integre gente que pensa desta maneira. Arrepia e surpreende, que jamais me passou pela cabeça que dali saísse tal monstro.

11 de novembro de 2011

CRIMINALIZAR OS POLÍTICOS. Criminalizar autarcas ou governantes em funções ou na reforma por actos lesivos à pátria parece-me perigoso, pois abriria caminho a toda a espécie de abusos, e inibiria ainda mais os governantes de tomar decisões difíceis. Mas casos há que só não são punidos criminalmente por claramente não haver vontade para isso. Se bem se lembram, Paulo Morais respondeu mais ou menos assim quando, num programa de televisão, lhe perguntaram como punir os responsáveis pela construção em áreas onde a lei não permite: «Basta saber quem a autorizou.» Como se vê, é demasiado simples para que se invoquem desculpas para não agir. E bastava agir em casos simples para se evitar casos maiores, como a famosa «tolerância zero» bem demonstrou.

10 de novembro de 2011

SINAIS DE PERIGO. Previsivelmente, as declarações de Otelo Saraiva de Carvalho (o coronel defendeu «um novo 25 de Abril» e consequente derrube do Governo caso sejam «ultrapassados os limites») causaram indignação um pouco por todo o lado. Surpreendentemente, as declarações de Rui Rio (o presidente da Câmara do Porto diz temer que as medidas que o Governo se prepara para tomar provoquem a revolta das pessoas de tal modo que não sejam capazes de ouvir um apelo sensato) passaram despercebidas. Ora, a mim parece-me que as declarações de Rio foram bem mais irresponsáveis e perigosas que as declarações de Otelo. Temer que as pessoas se revoltem e não sejam capazes de ouvir um apelo sensato, é já um incentivo, mesmo que involuntário, à revolta. Já um cavalheiro a quem os portugueses se acostumaram a dar o devido desconto afirmar que os militares podem voltar a sair dos quartéis, é pura retórica.

9 de novembro de 2011

SEGUREM-SE. A ser verdade o que se diz, António José Seguro promete uma abstenção «violenta mas construtiva» na votação do Orçamento de Estado. Digo a ser verdade porque a expressão é inacreditável, e não é fácil de recordar sem sorrir. Infelizmente, o sorriso evapora-se mal se cai na realidade. E a realidade diz que o actual líder do PS será, um dia, primeiro-ministro, a não ser que surjam percalços de maior. A abstenção «violenta» podia, apenas, ser uma frase infeliz. Desgraçadamente, não foi. A frase espelha bem o líder do principal partido da oposição, e de certa maneira os políticos que temos. Os políticos que temos e, se calhar, que merecemos.

8 de novembro de 2011

AI NÃO ME CHAMAM? ENTÃO TAMBÉM NÃO VOU. A renúncia de Bosingwa à selecção enquanto Paulo Bento lá estiver, depois de o seleccionador ter anunciado que não voltará a convocar o jogador do Chelsea, fez-me lembrar uma tirada de Woody Allen que cito de memória: «A minha mulher saiu de casa com outro homem, por isso deixei-a.»
COSMÉTICA PARLAMENTAR. «A Comissão Parlamentar mais relevante, a que acompanha o programa de assistência financeira internacional (a da Troika), tem como vice-presidente um deputado representante da banca, o social-democrata Miguel Frasquilho, a quem se junta, entre outros, o centrista Mesquita Nunes, membro do poderoso escritório de advogados que presta relevantes serviços à EDP, cujo processo de privatização está em curso. Incompreensivelmente, a Assembleia não acautelou este conflito de interesses.» (…) «Também é muito difícil de aceitar que o actual Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, Matos Correia, seja advogado no mesmo escritório que o seu antecessor na função, José Luís Arnaut, cujo principal sócio é o ex-ministro, também da Defesa, Rui Pena.» (…) «No actual Parlamento, deparamo-nos ainda com outras situações de moralidade duvidosa, como sejam a nomeação do deputado Ricardo Rodrigues para o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários ou a indicação de Godinho de Matos, defensor de Armando Vara e das suas vigarices, para membro da Comissão Nacional de Eleições.»

4 de novembro de 2011

ESTOU A LER (4). Um dos livros que ultimamente mais gozo me deu ler foi Trieste, de Jan Morris, por razões que não sei — nem quero — explicar. Hoje, lendo Diário Volúvel deparo com uma passagem em que Vila-Matas cita o escritor espanhol J. Á. González Sainz que numa entrevista terá respondido quando lhe perguntaram por que vivia em Trieste: «Isso queria eu saber. E esse não saber é uma boa razão. Sinto-me estranho aqui, estrangeiro, distante, e creio que sentir-se estrangeiro no mundo é uma das condições da escrita, habitar o mundo de uma forma um pouco enviesada. Quando regresso de comboio, já de noite, das minhas aulas em Veneza e vejo no final da viagem as luzes de Trieste ali ao fundo, como que garroteadas nas costas pela escuridão das montanhas do Carso, com a Eslovénia atrás e à direita a linha de costa de Istria, e digo para comigo “a tua casa fica ali”, “é ali que vives”, gera-se-me uma sensação de estranheza, de não-pertença a não ser de passagem, com a qual me sinto bem e que creio ser fundamental para essa forma de viver que é escrever.» Não sou escritor, nunca vivi em Trieste, de Trieste apenas sei o que li de Jan Morris, mas sinto o que ele sentia. Por que será?

2 de novembro de 2011

UNANIMIDADE BURRA. Como alguém já notou, Duarte Lima não tem direito à presunção de inocência que tanto se reclama para outros. Como se tem visto diariamente, o julgamento mediático está feito e avalizado por especialistas, com aspas e sem aspas, e só me refiro às sentenças ditadas na imprensa dita de referência. Não, Duarte Lima não me inspira simpatia. Nem agora, depois de ser acusado de um crime hediondo, nem dantes, quanto tinha o poder que se sabe. Mas dá-me volta ao estômago deparar a toda a hora com a regra dos dois pesos, duas medidas. O que se estaria agora a dizer de Duarte Lima se ele ainda tivesse o poder que tinha dantes? O que estaria o bastonário dos Advogados, que desde o primeiro minuto em que foi conhecida a acusação da justiça brasileira se apressou em condená-lo, a dizer caso o ex-líder parlamentar social-democrata não tivesse caído em desgraça? Será só um caso, como dizia Nelson Rodrigues, de unanimidade burra?