28 de março de 2014
QUANDO A PROMISCUIDADE NÃO CORRE BEM. Se bem entendi, o Ministério das Finanças convocou informalmente os media para os pôr ao corrente de um eventual corte nas pensões. Mas o membro do Governo que conduziu o processo, ao que parece o secretário de Estado da Administração Pública, impôs uma condição: a informação revelada no briefing só poderia ser divulgada na condição de ser atribuída a uma fonte não identificada. A ideia do Governo era «quantificar» o impacto que tal medida teria na opinião pública, e a partir daí agir em conformidade. Como as reacções de desagrado terão sido maiores que o esperado, o Governo resolveu mandar o ministro da Presidência dar o dito por não dito, e de caminho acusar os media de manipular a informação que lhes foi fornecida no tal briefing. Resumindo, o Governo usou os media para testar o grau de impopularidade de uma medida, e como o resultado foi um «alarmismo injustificado» (palavras do ministro Marques Guedes), fez-se de vítima — e acusou os media de mentir. O truque é conhecido, e o grau de eficácia por de mais comprovado. Verdade que os media vieram logo dizer que cumpriram «todas as regras», rejeitando culpas e atribuindo-as a quem de direito — e até o Governo já reconheceu ter sido «um erro». Mas o problema é que o truque resultou em cheio, e os media voltaram a não fazer o que deviam. É normal um membro do Executivo, no caso José Leite Martins, falar para os media de um eventual corte nas pensões a coberto do anonimato? É normal os media citarem membros do Governo sem lhes revelarem a identidade? Tenho muitíssimas reservas sobre as fontes anónimas, por razões que expliquei em inúmeras ocasiões. Mas admito que nalguns casos sejam úteis, noutros até necessárias. Como é evidente, não é o caso. Um membro do Governo que se presta a falar apenas sob anonimato devia ser denunciado pelos media, e posto imediatamente na rua. Como nada disto sucedeu (os media apressaram-se a dizer que cumpriram o seu dever quando foram acusados de manipulação mas continuaram a não revelar a identidade do membro do Governo, e o membro do Governo continua em funções), estaremos diante um caso normal. Anormal, pelos vistos, seria cada um fazer o que lhe compete, o que dele se exige, o que dele se espera.
NA DESPEDIDA DE MÁRIO CRESPO. Alertado para uma «entrevista demolidora» de Mário Crespo à ministra da Agricultura e do Mar, fui ver. E que vi eu? Sinceramente, nada que me surpreendesse. Conheço mal o desempenho de Assunção Cristas, mas o pouco que sei não abona a seu favor. Mas se o que Mário Crespo fez é jornalismo, eu vou ali e já venho. De um entrevistador espera-se que faça perguntas, e os possíveis para as ver respondidas. Não se esperam opiniões ou comentários, como sucedeu inúmeras vezes. Quem vê uma entrevista quer saber o que o entrevistado tem a dizer, não o que pensa quem lhe faz as perguntas. Crespo passou a entrevista a fazer o contrário. Pior: passou o tempo a tentar que a entrevistada respondesse de modo que ele, Mário Crespo, pretendia. A sorte dele foi a ministra ter sangue frio para lhe aguentar as provocações, os constantes julgamentos sem direito a contraditório. Fosse outro o entrevistado, e tê-lo-ia deixado a falar sozinho. Mário Crespo, que ontem pôs fim à carreira, tem idade (e experiência) para controlar o que lhe vai na alma — além de esqueletos no armário que lhe retiram autoridade para dar lições de moral seja a quem for. Surpreende-me, por isso, que sempre tenha sido visto pela generalidade dos fazedores de opinião como um jornalista que vai do mau ao excelente conforme os amores ou desamores que Crespo tem pelas «vítimas» ou «felizardos» que lhe saem na rifa, e que ninguém lhe tenha questionado o profissionalismo. O profissionalismo, ou a falta dele.
25 de março de 2014
RODRIGUINHOS. Presumo que o formato do comentário de José Sócrates na RTP, estabelecido entre a estação pública e o ex-primeiro-ministro, prevê um comentário semanal sobre temas da actualidade. Pretextando ter-se limitado a cumprir o papel que lhe cabe (jornalista), profissão que pela enésima vez lembrou ter sido aprendida na BBC (não sei com que intenção), Rodrigues dos Santos resolveu quebrar as regras (confrontou o ex-primeiro-ministro com afirmações proferidas no passado sobre o tema que estava em discussão) previamente acordadas. Manifestada a surpresa de Sócrates (alguns dizem irritação), e criticado por um ror de gente, Rodrigues dos Santos decidiu defender-se no Facebook. E que disse ele? Disse, em resumo, o seguinte: tratou-se de uma entrevista, e o papel do jornalista numa entrevista «é fazer de "oposição" ao entrevistado». Ora, o programa não é uma entrevista. É público que Sócrates foi contratado para comentar a actualidade, não para ser entrevistado. O modelo acordado entre as partes apenas serve para Sócrates branquear o passado e fazer campanha de borla? Nesse caso, reformule-se, ou acabe-se com ele. Depois, o papel do entrevistador não é fazer de «oposição» ao entrevistado, como escreveu Rodrigues dos Santos, mesmo que entre aspas. O papel do entrevistador é fazer as perguntas que as circunstâncias exigem, e fazer os possíveis para as ver respondidas. Só isso. E convenhamos que já não é pouco.
BENEFICIAR O INFRACTOR. Tenho para mim que é mais benéfico para qualquer Governo em funções uma crítica sem pés nem cabeça, especialmente vinda da oposição, que o mais rasgado elogio, venha ele de onde vier. Isto a propósito de Mário Soares, que no DN de hoje afirmou que a globalização «deixou de ter sentido», e que o actual Governo é de «extrema direita». O dr. Soares tem razões de queixa do actual governo? É público que as tem, e muitíssimas. Mas não precisava de socorrer-se de disparates para fundamentar as suas queixas, que só produzem o contrário do desejado. Evidentemente que este Governo não é de extrema-direita, se calhar nem de direita. E a globalização não só continua a fazer todo o sentido, como é irreversível. Irreversível, e desejável. Por mais defeitos que tenha.
21 de março de 2014
POESIA ARTIFICIAL. Ainda não percebi a utilidade disto (PoeTryMe), se é que tem alguma utilidade. Mas, ao que li, não duvido que fará melhor poesia do que muita que por aí se publica. Aliás, nem é preciso muito.
19 de março de 2014
LABREGOS A VINTÉM. Ponto da situação às 21:00 horas da Costa Leste dos EUA: Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, considera que a posição adoptada pelo FC Porto (queixou-se de que os dirigentes leoninos estão a coagir os árbitros e quem neles manda) resulta de «desespero e senilidade». O FC Porto respondeu com um comunicado onde se lê, entre outras pérolas, que Bruno de Carvalho é um labrego disfarçado de visconde. Em resposta, o visado citou um treinador a tempo inteiro e filósofo nas horas vagas: «Um vintém é um vintém e um labrego é um labrego.» De caminho mandou uma farpa ao presidente «encarnado», que lhe terá garantido que o título «já está entregue há muito», e que as arbitragens em muito terão contribuído. Aqui chegado, ainda pensei que o caso abrisse o Telejornal, mas como o Presidente da República se preparava para dizer qualquer coisa, o caso foi remetido lá para o fim. Mas se tudo correr como habitualmente, amanhã haverá novos episódios, invariavelmente com cenas tão edificantes como as de hoje. Assim se caminha alegremente para um desfecho potencialmente explosivo — que os mesmos responsáveis hão-de condenar caso se concretize, e farão de conta que não provocaram. As claques passam por ser o que há de pior no futebol, pelo menos no futebol português. Sinceramente, duvido.
FUI SÓ EU QUE VI? Quem viu o Telejornal de ontem com um mínimo de atenção há-de ter reparado especialmente em duas peças: uma da correspondente da RTP nos EUA, que nos deu a conhecer um extraordinário astrólogo de Miami que lhe garantiu que o presidente venezuelano cairá no próximo ano (ou coisa que o valha, já não me lembro bem); outra, já perto do final, noticiando a morte de Medeiros Ferreira, pouco antes do fait divers com que costumam fechar o jornal. Quem me explica o critério editorial por trás disto?
14 de março de 2014
OLHEM SÓ O QUE ME CAIU NA SOPA. Valter Hugo Mãe dificilmente me surpreenderá. Mas ontem li uma coisa em forma de prosa e ainda não recuperei totalmente. A primeira frase deixou-me logo arrasado: «A Pilar del Río é uma mulher sagrada.» Depois, escreveu que a viúva de Saramago é «um ser humano cidadão», uma mulher «consumada, definida, completa, absoluta». Em duas palavras, «uma demasia». Alguém que usamos sempre que pretendemos «aludir à evolução, à democracia e à liberdade». Que «merece um respeito maior», e cujas entrevistas que vai dando «são invariavelmente lições de grande conversa». Aqui chegado, pergunto ao vento que passa: o cavalheiro apaixonou-se pela senhora e resolveu partilhar o estado de alma, ou é só mais uma redacção medíocre? Terá sido só mais um «inconseguimento», como diria a outra, ou sou eu que ando a ver coisas?
PRESCRIÇÕES E OUTRAS TRADIÇÕES. Os tribunais portugueses protagonizaram, esta semana, mais dois casos incompreensíveis: deixaram prescrever as condenações de que foi alvo o ex-banqueiro Jardim Gonçalves, e condenaram o Estado a pagar retroactivamente a remuneração ao ex-espião Silva Carvalho, reintegrado no Estado após se ter voluntariamente mudado para uma empresa privada, a quem terá fornecido informação privilegiada e por esse motivo (suspeita violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder) constituído arguido no chamado «caso das Secretas». Como não bastasse, o Ministério Público resolveu pedir penas de prisão efectiva para o ex-ministro Armando Vara (acusado de três crimes de tráfico de influência) e José Penedos (acusado de dois crimes de corrupção e mais outros dois de participação económica em negócio), ambos arguidos no «Face Oculta», e o Conselho Superior de Magistratura acaba de anunciar a abertura de um inquérito à prescrição das condenações de Jardim, como se de antemão não soubéssemos que o primeiro caso vai dar em nada, e o segundo noutro tanto. Há muito que a justiça escreveu nas estrelas: o Estado perde invariavelmente sempre que se mete com quem pode defender-se. Perde o Estado, e nós com ele.
12 de março de 2014
OS TRABALHADORES PORTUGUESES, ESSES MALANDROS. O extraordinário Belmiro de Azevedo afirmou a semana passada: os salários dos trabalhadores portugueses só podem aumentar quando tiverem a mesma produtividade que, por exemplo, os trabalhadores alemães ou ingleses. Os alemães fazem, por hora, «três ou quatro vezes mais do que os portugueses», justifica o chairman da Sonae. E por que não aumentam os portugueses a produtividade? Sendo eles por esse mundo fora considerados bons trabalhadores, por que não são em Portugal? Parece-me evidente que a razão principal para que isso suceda deve-se, antes de mais, aos empresários que há. Como oportunamente lembrou Nicolau Santos, as empresas multinacionais que se encontram em Portugal, «trabalhando esmagadoramente com portugueses, são das mais produtivas dos grupos onde se inserem». Verdade que Belmiro não disse que os portugueses não produzem o que deviam por culpa deles, trabalhadores. Mas Belmiro devia, quando fala sobre este assunto, olhar-se ao espelho, e fazer um acto de contrição. Não necessariamente por ele, que não sei se terá razões para isso. Mas pela classe a que pertence, os empresários, que não sendo os únicos responsáveis pela escassez de produtividade dos trabalhadores portugueses face aos países citados contribuem muitíssimo.
10 de março de 2014
COMEÇAR BEM A SEMANA. Se alguém me apontasse uma pistola à cabeça e ameaçasse estourar-me os miolos caso eu não dissesse o nome do meu compositor favorito, um só, diria o que noutra circunstância não diria: Beethoven. Fico, portanto, de pé atrás sempre que alguém decide usar uma composição de Beethoven e transformá-la noutra coisa qualquer, por vezes tornando-a irreconhecível, como sucede muito no jazz. Não é o caso que o vídeo documenta, onde o compositor não sai, seguramente, a perder. Ora vejam.
7 de março de 2014
ESPELHO MEU, ESPELHO MEU. Quem leu a entrevista de Fernando Tordo ao Público ficou a saber que ele já fez tudo. Gravou com os músicos e as orquestras mais prestigiados, é o único português que já cantou uma dúzia de poetas «nobelizados» em não sei quantas línguas, já gravou nos estúdios dos Beatles. Infelizmente, tem uns pequenos problemas. As autarquias não têm dinheiro para lhe pagar, os discos vendem-se pouco, o trabalho é escasso e mal pago. Como não bastasse, Portugal é um dos poucos países no mundo em que os artistas com 50 e mais anos de carreira são tratados «como cães», puro «lixo», e quem está no poder faz o que pode para varrer de cena os artistas com um passado como o dele. Disse mais Fernando Tordo: «Nos dois últimos anos o que tenho feito é mostrar às pessoas algumas coisas que os portugueses deitaram fora.» Resumindo, os portugueses não o merecem. (Não chegou a tanto, mas ficou implícito no que disse.) Desculpem a presunção, mas julgo perceber o problema de Tordo. Atrevo-me, por isso, a dizer: também eu gostava que a meia dúzia de leitores deste blogue se multiplicasse por seis milhões, que eu dou tudo o que sei para fazer o que julgo merecer mais atenção. Infelizmente, a maioria dos meus conterrâneos não lê, os que lêem interessam-se por outras coisas, e a concorrência nunca mais acaba. Depois há outro problema: se calhar não sou tão bom como julgo. Por tudo o que lhe ouvi até hoje a propósito da emigração para o Brasil, é um problema que ele não tem. Não sei se felizmente.
3 de março de 2014
COISAS QUE VOU LENDO (4). «A filiação em partidos políticos atingiu mínimos históricos nas democracias maduras. Resultados semelhantes registam-se nos níveis de participação eleitoral. Sondagens recorrentes apontam para quebras significativas na confiança nos políticos e nas instituições representativas. Estes indicadores são acompanhados da subida alarmante das intenções de voto ou/ e de votos efectivos em partidos extremistas, como são exemplos patentes a Grécia e a França, entre outros.» João Carlos Espada, Público de 3/3/2014
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