30 de abril de 2016
A UBER AGRADECE. Ainda que de forma involuntária, os taxistas fazem os possíveis e os impossíveis para promover a Uber. Porque se a Uber é má para eles (e até ver não há dúvida que é), só pode ser boa para os utilizadores. Se a plataforma opera dentro da legalidade ou infringe as regras, não faço ideia. Por aquilo que se vai sabendo, os tribunais têm dúvidas, as leis existentes não ajudam, os governos hesitam em tomar medidas. Uma coisa, porém, parece certa: a Uber veio para ficar. Quem dantes utilizava os táxis e experimentou a Uber não tem dúvidas em escolher a segunda. Por quase tudo. Pelas viaturas. Pela qualidade do serviço prestado. Porque não tem que aturar os estados de alma dos taxistas, mais a lendária má-criação e as não menos lendárias aldrabices. Aliás, neste aspecto a Uber já mudou alguma coisa. Baixaram drasticamente as queixas sobre os serviços prestados pelos táxis desde que a Uber começou a operar, e há sinais de que o comportamento dos taxistas tem vindo a melhorar. São boas notícias, sobretudo para os taxistas, que a competição com a Uber passa, também, por aqui. A murro e a pontapé, às vezes nas barbas da polícia (sem que esta por vezes faça o que deve), não resolverão coisa nenhuma. Pelo contrário. Perderão as poucas razões que ainda terão.
21 de abril de 2016
QUE DEUS TENHA MISERICÓRDIA DO BRASIL. Trinta e seis dos 65 deputados que integraram a comissão que votou pela abertura do processo de destituição da Presidente Dilma Rousseff, o chamado impeachment, está a contas com a justiça. Há 35 partidos políticos no Brasil, 25 dos quais com representação parlamentar — e mais 20 em processo de formação. Os detentores de cargos políticos mudam de partido como quem muda de camisa. Compram-se, literalmente, votos, quase sempre com dinheiros públicos. O ónus da prova está justamente invertido: os detentores de cargos políticos são desonestos até prova em contrário. Grande parte são suspeitos, ou mesmo acusados, de corrupção. O que têm em comum Michel Temer, que assumirá a Presidência no caso de Dilma ser afastada, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, e Renan Calheiros, líder do Senado? Todos apoiaram a destituição da Presidente, e todos são acusados, ou suspeitos, de corrupção. Mais de metade dos 513 deputados enfrentam processos judiciais, maioritariamente por crimes de corrupção. No passado domingo, a votação do impeachment na Câmara de Deputados foi o que se viu: uma sucessão de episódios grotescos, que fizeram rir meio mundo e embaraçaram os brasileiros com vergonha na cara. Eis o contexto em que a Presidente enfrenta um processo de destituição — por violação da lei orçamental, que terá, segundo os opositores, servido para mascarar as contas públicas de modo a criar um ambiente favorável à sua reeleição (como sucedeu), e que, provavelmente devido à sua complexidade, nenhum deputado invocou no momento da votação. Como despudoradamente dizia o presidente da Câmara dos Deputados antes de votar a favor do impeachment, «que Deus tenha misericórdia desta nação». Mas parece-me, como agnóstico, que nem a infinita misericórdia de Deus chegará para tirar o Brasil do gigantesco buraco em que se meteu.
8 de abril de 2016
GRANDES COMEÇOS. Li, há coisa de dois anos, O Púcaro Búlgaro, do brasileiro Campos de Carvalho, a que cheguei graças a uma muito elogiosa referência de Cardoso Pires não me lembro em que livro. Descubro agora, na revista Bula, este magnífico começo de A Lua Vem da Ásia, que já tratei de adquirir. Ora leiam:
«Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.»
«Aos 16 anos matei meu professor de lógica. Invocando a legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por cinco votos a dois, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris. Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo.»
7 de abril de 2016
NO PASA NADA? Ouço, com surpresa, comentadores e jornalistas desvalorizar os «Papéis do Panamá», alegando uns que o assunto não surpreendeu, outros que o caso nem é notícia. Segundo eles, o assunto tem barbas, e o que acaba de ser revelado nada acrescenta ao que já se sabia. Ora, parecem-me visões apressadas. Se é verdade que as operações offshore agora reveladas não surpreendem ninguém, são precisos factos (repito: factos) para que se possa, se for caso disso, agir criminalmente. O que «toda a gente sabe» nunca serviu, até agora, para nada. Mas daqui em diante, com os factos já conhecidos (e os que se anunciam), se não se porá fim à bandalheira (não sou ingénuo a ponto de acreditar nesse cenário), nada ficará como dantes. Quem se meteu em alhadas, sabe agora que é muitíssimo maior o risco de ser descoberto, pelo que opta por escapulir-se para um esquema ainda mais sofisticado (e secreto), por regularizar eventuais irregularidades, ou por rezar aos santinhos para que nada lhe suceda. Resumindo, quem tencionava meter-se em aventuras pensa, agora, mais vezes. É um progresso.
5 de abril de 2016
QUEM TEM MEDO DA BANCA ESPANHOLA? Deus saberá (sou agnóstico) como me esforço para perceber os inúmeros esquemas de sacar dinheiro aos bancos (ao que parece uma actividade muito praticada em Portugal) sem que lhes sejam apresentadas garantias em caso de incumprimento, mas os esquemas são de tal modo intrincados (e tão mal explicados, mesmo pelos melhores jornalistas da área) que a maior parte das vezes só consigo saber que houve aldrabice, mas não exactamente porquê. Mas quando se diz que houve bancos que emprestaram dinheiro para investir em acções tendo as ditas como garantia, qualquer um percebe que se chegou ao puro delírio. (Dizem-me que, em troca de subornos, administradores houve que emprestaram quantias astronómicas sem quaisquer garantias, o que talvez explique, em parte, o problema.) Não acredito no alarmismo do Banco da Escócia, que ainda há pouco aconselhou os depositantes a tirar o dinheiro dos bancos — tão-pouco no Goldman Sachs, que logo veio desvalorizar o conselho. Mas como ignorar os problemas com os bancos que têm surgido um pouco por todo o lado, e que as soluções para os resolver continuem no domínio da astrologia? Fala-se agora, com a venda do Banif ao Santander (mas não só), do «perigo espanhol». Até o Presidente da República manifestou preocupação, não sei se genuína, se circunstancial. Honestamente, o «perigo espanhol» (antes o «perigo espanhol» que o perigo angolano, já agora) não me incomoda. Pelo contrário: sinto que o meu dinheiro estaria mais seguro nas mãos da banca espanhola que às ordens dos trampolineiros e seus cúmplices (leia-se supervisores) que têm administrado a banca nos últimos anos.
1 de abril de 2016
NÃO ME ESTRAGUEM O NEGÓCIO. Morais Sarmento considera que a «reacção portuguesa» à condenação de 17 activistas angolanos foi «desproporcionada». Porque também a China, com quem Portugal mantém importantes negócios, viola os direitos humanos, e os portugueses não se ralam. Sarmento tem interesses em Angola. Como advogado, pelo menos. Convém-lhe, por isso, defender o regime que o acolhe. Mas operando ele na área da justiça, esperar-se-ia uma de duas coisas: que denunciasse a farsa que foi o julgamento dos activistas, ou que estivesse calado. Assim não entendeu o ex-ministro da Presidência. Preferiu passar a mão pelo pêlo ao regime angolano, olhar pela vida dele. Como agora se diz, fica o registo para memória futura.
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