26 de fevereiro de 2004
Francisco José Viegas resolveu arrear no carnaval à portuguesa, e eu assino por baixo. Porque o carnaval à portuguesa dos últimos anos — com desfiles por todo o lado e donzelas seminuas a desafiarem a meteorologia — mais não é que uma imitação barata do carnaval brasileiro. Basta olhar com um pouco de atenção para se perceber que aquilo é uma mentira pegada. Não se vê espontaneidade, não se vê alegria genuína, não se vê nada que se aproveite.
25 de fevereiro de 2004
Há séculos que não ouvia tantos efectivamente seguidos. Hoje, durante o intervalo do Porto-Manchester, um tal prof. Hernani Gonçalves deu um festival que só visto (ou ouvido, já que foi na TSF). Ele era efectivamente para cá e para lá que até metia dó. Como não lhe bastassem os lugares-comuns, os disparates e as piadas de mau gosto. Valeu que o Porto ganhou e fez boa figura.
24 de fevereiro de 2004
A Ana Albergaria escreveu um texto magnífico no "Crónicas Matinais". Como não sei fazer o "link" directo, o texto em causa chama-se "Técnicas de Sedução".
Vital Moreira acha que «é totalmente disparatado afirmar que a condenação da política israelita em relação aos palestinianos releva de qualquer forma de antijudaísmo ou de anti-semitismo». Não passa de um «deliberado estratagema para tentar ocultar a repressão e a negação dos direitos dos palestinianos» com o objectivo de «inibir e condicionar as críticas a Israel», diz ele. Ora, isto é meia verdade. Em primeiro lugar, porque todos sabemos que há muita gente que é contra os judeus, independentemente da questão palestiniana. Eu, por exemplo, conheço várias pessoas que odeiam os judeus. Depois, porque se tornou claro que os palestinianos querem varrer Israel do mapa. E não é preciso ser judeu para ver esta evidência. Um mínimo de imparcialidade e distanciamento bastam.
23 de fevereiro de 2004
Falta pouco mais de um mês para o lançamento do "Ensaio Sobre a Lucidez". O tal livro que, segundo o autor, vai causar «um escândalo dos diabos», ainda maior que "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". Ora, por causa do tal «escândalo», ofereceram-me o "Evangelho" mal ele foi editado, e sabe deus como o tentei ler. Hoje fui ver onde o deixei encalhado e se mantenho a mesma opinião. Lidos os dois primeiros períodos, acho que piorou. Ora vejam:
«O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos ouvir, pois nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada. Por baixo do sol vemos um homem nu atado a um tronco de árvore, cingidos os rins por um pano que lhe cobre as partes a que chamamos pudendas ou vergonhosas, e os pés tem-nos assentes no que resta de um ramo lateral cortado, porém, por maior firmeza, para que não resvalem desse suporte natural, dois pregos os mantêm, cravados fundo.»
«O sol mostra-se num dos cantos superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha, representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de luz e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado de uma dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos ouvir, pois nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e tinta, mais nada. Por baixo do sol vemos um homem nu atado a um tronco de árvore, cingidos os rins por um pano que lhe cobre as partes a que chamamos pudendas ou vergonhosas, e os pés tem-nos assentes no que resta de um ramo lateral cortado, porém, por maior firmeza, para que não resvalem desse suporte natural, dois pregos os mantêm, cravados fundo.»
20 de fevereiro de 2004
Miguel Sousa Tavares acha que Santana Lopes não tem currículo, «competência, estatuto e mérito para se tornar Presidente da República». Que nunca teve «qualquer sombra de ideia, de projecto, de pensamento político próprio». E que, se for Presidente da República, vai «ter vergonha de ser português». Mas, depois, contradiz-se. Santana Lopes «tem qualidades humanas» raras no meio, que «merecem respeito e solidariedade». A «forma politicamente incorrecta como ele [Santana Lopes] gere a sua vida privada», a «fidelidade que tem para com os amigos» e a «maneira como não se deixa conduzir por um código de conduta virtuoso que qualquer assessor de imagem lhe recomendaria» merecem, igualmente, realce. Quanto ao currículo, que começou por dizer que não tinha, o candidato presidencial tem-no e não é pequeno: «Desde que eu me lembro de seguir a política portuguesa Santana Lopes esteve lá sempre. Trabalhou com Sá Carneiro, com Balsemão, com Cavaco, com Barroso. Foi deputado no Parlamento e deputado em Bruxelas, secretário de Estado e autarca, presidente do Sporting e vice-presidente do PSD, figura incontornável em todos os congressos do partido, a favor, contra e novamente a favor da aliança com o CDS/PP, detentor crónico de tribunas em todos os meios de informação em acumulação com os cargos políticos, enfim, juntamente com Mário Soares, talvez a figura mais presente na política portuguesa dos últimos trinta anos». Eu não quero dar a ideia que estou a embirrar sistematicamente com Miguel Sousa Tavares, embora tenha embirrado bastante ultimamente. Até porque, como ele, também não simpatizo com Santana Lopes. Só que a prosa contra Santana foi um tiro no pé, pois MST começou por dizer uma coisa e terminou a dizer o contrário.
19 de fevereiro de 2004
Finalmente fora do júri. Após quatro dias de incontáveis esperas e intermináveis secas, a defesa resolveu dispensar-me. Nem cheguei a saber qual era o assunto do julgamento, mas pareceu-me um caso bicudo. A juíza explicou-nos que se tratava de uma teoria da conspiração, mas não entrou em detalhes. Não sei porque fui dispensado, nem quero saber. O que importa é que já não vou decidir quem é culpado ou inocente.
«A três meses das eleições europeias, discutem-se as eleições presidenciais de 2006. Não há problema, também quando forem as europeias vai-se discutir futebol.» Assim começa a crónica de Pacheco Pereira, no "Público" de hoje, onde arrasa Santana Lopes. Vale a pena ler.
17 de fevereiro de 2004
Se bem me lembro, Manuel Maria Carrilho foi protagonista de um dos mais mediáticos casamentos dos últimos anos. Lembro-me perfeitamente de ter visto fotografias do acontecimento na imprensa do coração e fora dela, e também me lembro de assistir a uma guerra intestina por causa da publicação de pormenores mais ou menos escabrosos sobre a vida de uma das partes. Ora, isso chegou e sobrou para se ficar com a ideia de que Manuel Maria Carrilho se presta a telenovelas mexicanas — ou pior. De modo que o mais recente episódio — envolvendo o deputado e um fotógrafo de uma revista cor-de-rosa — não pode deixar de ser visto à luz disso mesmo.
16 de fevereiro de 2004
Um dia destes tentaram subornar-me com um garrafão de vinho «feito lá em casa». Foi um casal de avós, que gostaria de ver publicada uma determinada notícia acerca da neta. A notícia saiu no jornal, mas o garrafão continua «lá em casa». Isto fez-me pensar na natureza da corrupção e chegar a uma conclusão preliminar: da palmada nas costas ao garrafão de vinho, passando por formas mais sofisticadas e valores mais substanciais, toda a gente corrompe e é corrompida.
13 de fevereiro de 2004
Há séculos que não via um programa de televisão com tão impressionante quantidade de lugares-comuns como o "Descobrir Portugal". Não exagero muito se disser que já não via coisa assim desde os tempos da RTP a preto-e-branco. Como se já não bastasse, o operador de câmara passa a vida a fazer uns malabarismos perfeitamente despropositados. Ele são planos inclinados; ele são planos de esguelha; ele são planos que não lembra ao diabo. Depois, o realizador (ou lá quem foi) resolveu colocar umas macaquices nas imagens, tapando metade do ecrã sem que se perceba porquê. Para cúmulo, o programa é anunciado como sendo «inovador». Mas inovador em quê? Só se for por ter transformado um documentário que podia ser interessante numa coisa intragável.
12 de fevereiro de 2004
Prometi contar como foi o meu segundo dia no tribunal, mas não devia. Porque me esqueci de que a lei me impede de divulgar o que lá se passou, o que vem mesmo a calhar. A única coisa que vos posso dizer é que fui escolhido para membro do júri e que ainda me dói o esqueleto de tanta hora sentado num banco de madeira. Duas boas razões para ficar mudo e quedo.
10 de fevereiro de 2004
Passei o dia num tribunal, para o qual fui convocado como potencial membro do júri. Depois de ter sido escolhido numa primeira fase, um advogado entendeu pedir a minha exclusão. Se tudo corresse conforme estava previsto, o julgamento — um caso que envolve um tipo acusado de atacar três mulheres — ia durar quatro dias. De modo que eu só posso agradecer a minha exclusão. Primeiro, por me ter poupado quatro dias enfiado num edifício que mete medo e num assunto que não me diz respeito. Depois, porque só me faltava que eu tivesse que decidir quem é culpado ou inocente. Infelizmente o meu caso com o tribunal não terminou aqui. Amanhã posso ser escolhido para outro caso, e ainda mais tenebroso. Fica a promessa de contar como foi.
9 de fevereiro de 2004
Já aqui lamentei a saída de Miguel Sousa Tavares da direcção da "Grande Reportagem" — mais exactamente numa crónica publicada na minha página pessoal. Hoje é a vez de lamentar a saída de Francisco José Viegas, também da "GR". No primeiro lamento, enganei-me redondamente. No segundo, o tempo dirá. Mas arrisco dizer que a saída de FJV é uma má notícia. Porque eu habituei-me a ler textos muito bem escritos na "GR", e não sei se isso vai continuar.
6 de fevereiro de 2004
Afinal, Saddam Hussein abriu os seus palácios às inspecções da ONU e cedeu a todas as «exigências dos inspectores e da Casa Branca». Como se calcula, isto faz toda a diferença na apreciação que se possa fazer acerca da intervenção militar no Iraque. E quem garante que assim tenha sido? Miguel Sousa Tavares, quem haveria de ser?
5 de fevereiro de 2004
4 de fevereiro de 2004
Andam para aí uns aldrabões — digo aldrabões porque recorrem à mentira com uma frequência e um despudor impressionantes — a tentar demonstrar que o relatório do juiz Hutton foi um embuste, pois a BBC teve um comportamento exemplar na cobertura da guerra — exemplar por ter sido ferozmente contra, bem entendido. Só que a argumentação é tão tosca que chega a ser patética, como patéticos são os argumentos dos ex-dirigentes da BBC, que não se compreende porque se demitiram achando que tinham razão. Extraordinário como os «paladinos da verdade» não se inibem de dizer que esperavam do juiz Hutton um relatório «equilibrado» — em vez de um relatório isento, como qualquer cidadão desejaria. Impressionante como se chega a tamanha cegueira.
Consta que o príncipe regente da Noruega terá dito que Portugal é banhado pelo Mediterrâneo. Segundo a "Lusa", a «gaffe» terá sido cometida durante um banquete em honra do presidente Sampaio e foi prontamente corrigida pelo porta-voz da Casa Real norueguesa, alegando que o príncipe quis dizer «às portas» do Mediterrâneo e não banhado pelo Mediterrâneo. Consultados os blogues do costume, verifico, umas horas depois, que está tudo muito calado. Imaginem que tinha sido o presidente Bush o autor de semelhante «gaffe».
3 de fevereiro de 2004
A extraordinária cabecinha do sr. Vital Moreira pariu mais uma pérola de antologia: «a interrupção da inspecção das Nações Unidas [no Iraque] e o desencadeamento precipitado da guerra não se ficou a dever a uma forte convicção de que as armas existiam, mas sim, inversamente, ao receio de se provar que elas não passavam de uma mistificação», diz ele. Ora digam lá que o homem não é um génio.
O Contra-a-Corrente publicou um belo texto sobre a cultura e a esquerda com o título "I Insist" (quem me ensina a fazer um "link" directamente para um texto?).
2 de fevereiro de 2004
A jornada de luto por Fehér e o clima de conciliação alardeado pela generalidade dos mandantes da bola terminou à pancada. Após uma semana de beijos e abraços, em que fizeram de conta que se gramavam uns aos outros, uma leve brisa bastou para que tudo ruísse com estrondo. Tendo em conta a elevadíssima dose de hipocrisia que nos foi servida a toda a hora durante uma semana inteira, eu só posso suspirar de alívio.
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