31 de maio de 2006
Por uma vez estou de acordo com Saramago: «ler sempre foi e sempre será coisa de uma minoria». O Governo não deve, por isso, meter o bedelho no assunto, nem precisa «saber quais são realmente os hábitos de leitura dos portugueses» — como anunciou ser sua intenção, a pretexto de que pretende «mobilizar toda a sociedade portuguesa para a importância da leitura». Vasco Pulido Valente dizia recentemente que «um hiper-mercado (...) promove a leitura mais do que qualquer imaginável intervenção do Estado». Dita assim, a coisa parece uma blasfémia, mas qualquer consumidor regular de livros facilmente constata a evidência.
30 de maio de 2006
29 de maio de 2006
Não tenho uma opinião definitiva sobre as agências de comunicação. Mas, pelo que me é dado ver, não vejo onde está o problema. As agências de comunicação tentam vender aos jornalistas um candidato (um produto, um serviço) da forma que mais o beneficia? E daí? Não é esse o papel que delas se espera? Além disso, não são os jornalistas confrontados diariamente com quem lhes tenta vender gato por lebre, com notícias que só aos visados interessam e com tentativas de manipulação? O problema não é as agências de comunicação, mesmo as agências de comunicação suspeitas de «colocar notícias» ou comprar jornalistas. O problema são os jornalistas que não fazem o que lhes compete, ou pura e simplesmente se vendem. O resto é conversa que não convence ninguém. Dir-me-ão que não é bem assim, que a culpa nem sempre é dos jornalistas mas de quem neles manda. Discordo. Por mais compreensíveis que sejam as contas para pagar ou a carreira, a culpa é de quem faz e não de quem manda fazer. A verdade e a honestidade têm um preço, por vezes demasiado elevado, e os jornalistas sabem isso melhor que ninguém. Preço que uns aceitam pagar, e outros não.
25 de maio de 2006
Contrariamente à maioria dos portugueses que se interessam por essas coisas, só ontem pude ver os Prós e Contras sobre o livro de Manuel Maria Carrilho. Os ecos que me foram chegando prometiam, mas devo dizer que o que vi superou as minhas expectativas. Começo por dizer que foi pena que o debate se tivesse centrado no «caso» Carrilho e não naquilo que Carrilho denunciou no livro (agências de comunicação que compram opinião, jornalistas que se vendem, etc.), que valia a pena discutir em profundidade. Quanto ao debate propriamente dito, toda a gente viu que aquilo foi um massacre de Pacheco Pereira e Ricardo Costa a Manuel Maria Carrilho e Emídio Rangel, com Pacheco Pereira a fazer uma análise contundente (aquele comentário à fotografia de Carrilho na capa foi fatal) e Ricardo Costa a disparar farpas certeiras ora contra Carrilho, ora contra Rangel, este último com uma performance confrangedora e a querer dar a ideia de que não havia mau jornalismo no tempo em que ele foi rei e senhor. Fátima Campos Ferreira, com comentários e apartes perfeitamente escusados, não perdeu uma oportunidade para tentar baixar o nível da discussão. Felizmente que os convidados fizeram de conta que não ouviram.
23 de maio de 2006
O afastamento do juiz do caso Apito Dourado, que alegou não ter condições para continuar a liderar a acusação, não surpreendeu ninguém. Surpresa seria se o caso prosseguisse com normalidade e dentro dos prazos normais, e que terminasse com aquilo que se espera dos tribunais: justiça, de preferência sem margem para dúvidas.
22 de maio de 2006
Não há cão nem gato que não diga mal da TVI. Mais recentemente por causa da morte de um actor, que terá explorado até à náusea. Curiosamente, os que mais mal dizem são os mesmos que não se cansam de enaltecer o sucesso de José Eduardo Moniz à frente daquele canal, a pretexto de que Moniz o terá levado das ruas da amargura ao topo das audiências. Ou seja, condena-se a programação, mas louva-se o programador. Dá para entender?
19 de maio de 2006
18 de maio de 2006
Manuel Maria Carrilho não se cala. Agora decidiu entregar uma compilação de recortes de imprensa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a quem sugere uma análise dos media portugueses. Acontece que, como toda a gente disse e repetiu, o deputado-filósofo devia ser a última pessoa a fazê-lo, pois ninguém lhe reconhece autoridade moral para fazer queixas da comunicação social. A coisa vai, portanto, morrer por aqui. Mas é pena, porque Manuel Maria Carrilho é capaz de ter alguma razão nas críticas que faz, como salientou Emídio Rangel aquando do lançamento de Sob o signo da verdade, ao dizer que há jornalistas que se «vendem e prostituem na praça pública» que deviam «ser banidos dos meios para salvaguarda daqueles que exercem bem a profissão», embora se lamente que não tenha apontado casos concretos de que, certamente, tem conhecimento.
O Tribunal Cível de Lisboa achou «improcedente» a providência cautelar requerida pela Oficina do Livro, que considerou Couves e Alforrecas uma violação ao bom nome e à honra de Margarida Rebelo Pinto™ que devia ver impedida a sua publicação (ou apreendidos todos os exemplares nas livrarias, visto que o livro já foi publicado). A editora apressou-se a informar que admite interpor uma acção cível contra o livro e seu autor. «Apesar de ainda não se terem feito sentir quaisquer danos» sobre a escrita de Margarida Rebelo Pinto™, não é «definitivo» que o livro de João Pedro George não venha a causá-los, garantiu o responsável pela Oficina do Livro. Ora, a meu ver, isto é que é preocupante. É que João Pedro George deve ter tido um trabalho medonho para demonstrar, com toneladas de factos (coisa rara de se ver em críticas literárias), que a «obra» da criatura é uma grandessíssima trampa, e o pior que pode acontecer é que esse trabalho não tenha consequências. Preocupante mas não surpreendente, valha a verdade, porque se adivinha que os leitores de Margarida Rebelo Pinto™ estejam pouco familiarizados com tais produtos agrícolas.
17 de maio de 2006
16 de maio de 2006
A prédica de Luiz Felipe Scolari antes de anunciar os eleitos para o Mundial da Alemanha, que a RTP transmitiu em directo (e certamente os outros canais) durante largos minutos, foi perfeitamente escusada. Já toda a gente sabia quem manda nas selecções, até porque Scolari já tinha dito, sem rodeios e à bruta, que é ele quem manda. Numa altura em que é preciso cerrar fileiras em torno das selecções (é bom não esquecer que estamos a uma semana de os sub-21 iniciarem o Europeu da categoria), esperar-se-ia tudo menos situações como esta — além de que foi chover no molhado.
12 de maio de 2006
O sociólogo Rui Pena Pires resolveu pedir à comunicação social que ignore o protesto do Partido Nacional Renovador, que faça de conta que a manifestação de Vila de Rei não existiu. A razão é compreensível: o protesto «pode gerar uma onda de xenofobia se for noticiado», e ter consequências que ninguém deseja. Acontece que o papel da comunicação social é divulgar as notícias, as boas e as más, e seguramente que não haveria notícias caso a comunicação social olhasse a consequências. Além de que a medida proposta por Pena Pires — fingir que nada se passou — é esconder o gato mas deixar-lhe o rabo de fora.
11 de maio de 2006
É possível que Manuel Maria Carrilho tenha razões de queixa pelo tratamento de que foi alvo por parte da comunicação social por ocasião das Autárquicas, mas quando ele ataca tudo e todos torna-se difícil acreditar. Além disso, o deputado-filósofo apresenta-se como juiz em causa própria, o que também não se recomenda. Por mais que garanta que não, Sob o Signo da Verdade é um mero ajuste de contas, ressentimento puro — e só convence quem já está convencido. Tirando uns cobres que lhe possa render, duvida-se que o livro lhe traga um pingo de estima pessoal ou política, além de que atacar os jornalistas é um erro que, por regra, se paga caro.
10 de maio de 2006
As minhas leituras são cada vez mais releituras. Cada vez me interesso menos pelas «novidades», cada vez me apetece mais regressar aos livros onde fui feliz. Hoje decidi reler a História Universal da Infâmia, que li pela primeira vez em meados de 99. Os «exercícios de prosa narrativa» (a caracterização é do próprio Borges) começam assim:
«Em 1517 o Padre Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se extenuavam nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas e propôs ao Imperador Carlos V a importação de negros, que se extenuaram nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas. A essa curiosa variação dum filantropo devemos factos infinitos: os blues de Handy, o êxito alcançado em Paris pelo pintor doutor oriental D. Pedro Figari, a boa prosa bravia do também oriental D. Vicente Rossi, o tamanho mitológico de Abraham Lincoln, os quinhentos mil mortos da Guerra de Secessão, os três mil e trezentos milhões gastos em pensões militares, a estátua do imaginário Falucho, a admissão do verbo linchar na décima terceira edição do Dicionário da Academia, o impetuoso filme Aleluya, a forte carga de baioneta conduzida por Soller à frente dos seus Pardos y Morenos no Cerrito, a graça da menina Fulana, o mulato que assassinou Martín Fierro, a deplorável rumba El Manisero, o napoleonismo corajoso e encarcerado de Toussaint Louverture, a cruz e a serpente no Haiti, o sangue das cabras degoladas pela catana do papaloi, a habanera mãe do tango, o candombe.»
9 de maio de 2006
8 de maio de 2006
Não há bela sem senão no caso dos brasileiros de Vila de Rei. A prová-lo está a manifestação do Partido Nacional Renovador marcada para aquela localidade, onde os nacionalistas irão exigir a demissão da presidente da autarquia local e o fim da «colonização». O pior é que tudo isto é bem capaz de não se tratar, apenas, de um sentimento de extremistas, de meia dúzia de gatos-pingados. A coisa é bem capaz de merecer a concordância silenciosa de muita gente e, a prazo, muitíssimo mais.
5 de maio de 2006
O ministro António Costa terá apelado em Viena a uma maior troca de informações entre os países, nomeadamente entre os países da União Europeia, no que respeita à luta contra o terrorismo. Ora, contando que estes apelos já têm barbas, quer isto dizer que nada se fez? Mas há mais: o ministro de Estado e da Administração Interna quer combater «as causas e factores que podem conduzir à radicalização e recrutamento» de terroristas. E quais são «as causas e factores que podem conduzir à radicalização e recrutamento» de terroristas? Infelizmente, o ministro não disse. Mas suspeito que as causas são as do costume: exclusão social, desemprego, por aí fora. Isto é, causas que não têm em conta os factos que todos os dias demonstram que a realidade é outra.
4 de maio de 2006
Raro é o dia que não tenho dois ou três crashes no Firefox do PC. (Curiosamente, nunca me aconteceu no MAC, mas não uso o Firefox do MAC vezes suficientes de molde a tirar conclusões.) Posso estar enganado, mas cheira-me que aqui anda mão da concorrência. Devo dizer que tenho razões para suspeitas. Há anos, usava eu um sistema operativo muitíssimo melhor (e mais barato) que o sistema então dominante, vi-me obrigado a desinstalá-lo porque determinado programa não se «entendia» com ele. Bem se apressou a empresa proprietária do «meu» sistema a fazer uma actualização e a enviá-la aos utilizadores, mas já não foi a tempo. Mais tarde descobriu-se que o sistema operativo supostamente defeituoso não tinha incompatibilidade alguma com o tal programa, mas o mal estava feito e nunca se provou que houve marosca. Por razões que compreenderão, omito o nome dos produtos e das empresas proprietárias. Direi apenas que o sistema operativo então dominante pertencia à mesma empresa que hoje faz concorrência ao Firefox.
3 de maio de 2006
A ArcosOnline anunciou que o romance O Salústio Nogueira, de Teixeira de Queirós, está disponível para download.
2 de maio de 2006
Os vários exemplos demonstram que as decisões como a que hoje tomou o presidente boliviano — nacionalizar as reservas do petróleo e do gás — pagam-se caras. Os vários exemplos demonstram, também, a quem vai ser atribuída a culpa logo que os resultados desta medida se façam sentir. Os vários exemplos demonstram, por último, que serão os mais carenciados quem mais vai sofrer. Mas pode ser que não, que haja um milagre, que a regra contemple uma excepção.
1 de maio de 2006
Como pressionar o regime iraniano de forma a alcançar resultados sem a ameaça de uma intervenção militar? Tirando as forças políticas do costume, que se recusam a ver um palmo à frente do nariz, não se vê como. Infelizmente a ameaça não chega, como demonstrou o presidente Ahmadinejad, que já disse que não quer saber das resoluções do Conselho de Segurança. Está visto, também, que só um milagre fará com que se alcance uma solução diplomática, a não ser que a solução diplomática passe por aceitar a nuclearização do Irão — o que é pouco provável e muitíssimo perigoso. O que virá a seguir?
Já só faltava que um juiz desse uma ajudinha a'O Código Da Vinci. Foi no texto da sentença que ilibou Dan Brown de uma acusação de plágio, onde o magistrado resolveu espalhar algumas palavras de modo a constituírem uma mensagem cifrada. O juiz terá dito não ver por que razão uma sentença não há-de ser «matéria de diversão». De facto, imagina-se perfeitamente Dan Brown (e a Random House) a rir às gargalhadas.
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