30 de novembro de 2012
A DEMOCRACIA QUE TEMOS. Ouvi não sei quem dizer que o líder de um partido político é eleito por vinte e tal mil votos, e julgo ter-se referido aos dois maiores partidos. Como é sabido, cabe aos líderes dos partidos escolher quem será candidato a deputado, e também não é segredo que o processo implica escolher quem lhes convém e rejeitar quem não lhes convém, não por razões de mérito ou falta dele, mas por lhes serem fiéis, ou não. Temos, assim, que a chamada «casa da democracia» é escolhida por meia dúzia de pessoas, que votará de acordo com a vontade dos chefes. Quem ouse votar contra eles, ou exprimir opinião diferente da deles, tem o futuro traçado: não será candidato a deputado na próxima legislatura. Somando este a outros poderes, confirma-se que Portugal é dirigido por dois ou três cavalheiros, eleitos por zero vírgula poucos por cento dos cidadãos. Repito: zero vírgula poucos por cento dos cidadãos. Os regimes democráticos não são perfeitos? É sabido que não. Mas tanta imperfeição, que a generalidade dos políticos não contesta nem mostra interesse em corrigir, ainda vai acabar mal.
28 de novembro de 2012
OUTRA VEZ O RELATIVISMO. Dizem os factos que nunca houve tantos ataques americanos a terroristas da Al-Qaeda (ou aparentados), especialmente por aviões não tripulados (mais conhecidos por «drones»), como durante o primeiro mandato de Obama. Curiosamente, raramente os media ocidentais deram conta do sucedido, e a avaliar pelo silêncio generalizado não houve danos colaterais (leia-se vítimas inocentes) ou erros grosseiros, muito menos se questionou a legitimidade de tais actos. A situação não pode deixar de passar despercebida quando comparada a idênticas operações ocorridas no tempo de George W. Bush, que os media então reportaram até à exaustão, sempre com imagens de inocentes (com aspas e sem aspas) mortos e estropiados, nomeadamente crianças, e agora com os ataques a Gaza, de que diariamente nos chegam notícias e imagens cuja credibilidade nem sempre se consegue apurar. É outra vez o relativismo, que tudo legitima quanto é feito pelos nossos, e tudo condena quando é feito pelos outros. Como se pode ver por mais este exemplo (mas podia dar muitos mais), as vítimas choraram-se quando dão jeito, e ignoram-se quando não dão.
27 de novembro de 2012
PRÉMIOS LITERÁRIOS. Nada contra os prémios literários, e até conheço bons livros e bons escritores que os receberam. Mas cada vez dou menos importância aos ditos, sobretudo aos que premeiam uma só obra. Como os best sellers, produtos geralmente a evitar, dou por mim a desconfiar dos prémios literários, todos os prémios literários, mesmo os mais prestigiados. De Valter Hugo Mãe apenas li meia dúzia de coisas dispersas por jornais. Não tenho, portanto, opinião sobre os seus livros. Mas já tenho opinião do pouco que li nos jornais, e devo dizer que pouco lisonjeira. Como se pode ver na sua crónica de estreia no Público, na forma idêntica a todas as outras que li, a prosa é intragável. A Máquina de Fazer Espanhóis, título que lhe valeu o Prémio Portugal Telecom, pode ser um bom livro, mas em literatura quem me decepciona uma vez não tem segunda oportunidade.
23 de novembro de 2012
O QUE SE PASSA? Li há pouco que o Presidente Cavaco pode estar doente, mas não cheguei a perceber se o autor da prosa falava a sério ou ironizava. Hoje, ouvindo o discurso de Cavaco na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta de Jornalismo, pareceu-me que o prosador falava a sério. Já se sabia que o Presidente tem um sentido de humor muito peculiar, e quando se mete a ironizar a gente deita as mãos à cabeça. Mas o que ouvi hoje não me pareceu dentro da «normalidade» a que nos habituou.
21 de novembro de 2012
INDIGNADOS E DESORDEIROS. O Jornal de Angola, baluarte do jornalismo universal e provavelmente da Rua Ginga, resolveu disparar sobre a generalidade dos media portugueses e, de caminho, elogiar o regime de Eduardo dos Santos. Segundo um tal Álvaro Domingos, ao que parece um sujeito que se desdobra em prosas por variadíssimas publicações e se distingue pelo uso de variadíssimos pseudónimos (ou heterónimos, ou lá o que seja), por estes dias aconteceu em Portugal «um verdadeiro massacre sobre manifestantes indignados» e «cidadãos indefesos», que «as máfias» que dominam o jornalismo português fingem não ter acontecido. Pior: segundo ele, «os direitos humanos estão em perigo em Portugal», e Angola, na qualidade de país membro da CPLP, não pode «ficar em silêncio». É hora, pois, de «convocar todos os líderes da comunidade para avaliar a situação dos direitos humanos em Portugal», «de cerrar fileiras e exigir que Portugal respeite os direitos humanos». Depois elogia o regime que lhe dá de comer, e dá uns conselhos que Portugal deve seguir. «Angola tem sido (...) o baluarte da democracia e da liberdade na comunidade de países que falam a língua portuguesa», pelo que a polícia portuguesa teria tudo a ganhar indo a Luanda aprender como se faz com a polícia local. Dá um exemplo comovente: quando algumas dezenas de jovens, «manipulados por partidos políticos que ainda têm o cordão umbilical ligado às máfias políticas em Portugal, fizeram manifestações de rua, tudo acabou de uma forma civilizada». E acrescenta: «choveram pedras sobre os agentes da polícia e os seus carros», mas apesar do percalço «tudo se resolveu com a detenção dos desordeiros». Como terão notado, quem, em Portugal, se manifesta contra o Governo de forma violenta, são «manifestantes indignados»; quem, em Luanda, se manifesta contra o Governo de forma violenta, são «desordeiros». Como se costuma dizer nestes casos, todo um programa. Tudo isto porque a Procuradoria-Geral da República terá aberto um inquérito por suspeita de fraude fiscal e branqueamento de capitais envolvendo três altas figuras do Estado angolano (Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-director-geral da Sonangol, Hélder Vieira Dias, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, e Leopoldino Nascimento, consultor do ministro de Estado e ex-chefe de Comunicações da Presidência da República), que obviamente dará em nada. Imaginem se desse nalguma coisa.
20 de novembro de 2012
CUIDADO COM A TROPA. Otelo Saraiva de Carvalho avisou, há duas semanas, que pode haver uma revolução popular apoiada pelas forças de segurança e pelos militares caso o Governo não recue nas medidas de austeridade, embora o eventual apoio dar-se-ia, segundo ele, apenas «para evitar um surto de violência extremo». Como estarão lembrados, Otelo alertou, há um mês, para uma revolução «latente» (que não deverá, como o 25 de Abril, ser pacífica), e para o facto de ser diariamente confrontado com «anónimos» que lhe pedem uma nova revolução, «agora sem cravos», porque os limites foram, segundo ele, «ultrapassados», e há um ano defendeu um golpe de Estado para derrubar o Governo caso os limites fossem ultrapassados. Também Vasco Lourenço considerou há pouco que o actual Governo «perdeu a legitimidade há muito tempo», e ainda há coisa de três semanas deu como inevitável uma guerra na Europa. Entretanto, os militares no activo saíram à rua em protesto contra «as malfeitorias» de que dizem ser alvo, e também eles não se inibem de fazer ameaças mais ou menos veladas ao regime e a quem nele manda. Dirão alguns que a democracia não está em causa, que a União Europeia encarregar-se-á de a repor caso as coisas corram para o torto. Aparentemente, assim será, embora uma intervenção militar destinada a repor a ordem se arrisque a aumentar a desordem — e mesmo que as coisas corram como se espera uma intervenção deste tipo não impedirá que estes e outros senhores percam, um dia, a cabeça, e desatem aos tiros. Se isso suceder, enquanto o pau vai e vem, enquanto a Europa devolve os militares aos quartéis, seguramente que uns quantos acabarão na paz dos cemitérios. Como diria Vergílio Ferreira, serão os que terão a paz verdadeira.
15 de novembro de 2012
GENERALIZAÇÕES PERIGOSAS. Tudo contra a violência, nada a favor da violência. Como se costuma dizer nestas alturas, a violência nada resolve. Mas apetece-me perguntar: e resolvem o quê as manifestações pacíficas? Não, não defendo a violência. Gostaria é que os protestos da rua, sobretudo quando traduzem o descontentamento de grande parte da população, tivessem consequências, resultassem em algo de concreto e positivo, o que está longe de acontecer. A violência nas ruas talvez seja obra de arruaceiros, de «pessoas que querem destruir a sociedade», como diz o Presidente da República, que pouco antes gracejou sobre coisas que não devia. Mas quantas pessoas, habitualmente incapazes de matar uma mosca, não se reviram na violência de ontem? Seria bom, por isso, não subestimar os incidentes, atribuí-los a meros arruaceiros, considerá-los casos isolados. É que eles podem rapidamente alastrar ao resto dos portugueses — cada vez mais espoliados, cada vez mais desesperados, cada vez mais receosos do radiante futuro que os governantes prometem mas em que já nem eles próprios, governantes, acreditam. Não defendo a complacência das autoridades com actos de violência. Pelo contrário, as autoridades devem agir com profissionalismo e determinação, como terá ocorrido ontem, embora nem todos concordem que assim tenha sido. Defendo é que os políticos, sobretudo os políticos que nos governam, saibam ler os sinais, e tenham cuidado com as palavras quando falam de arruaceiros e de «pessoas que querem destruir a sociedade». Como sensatamente lembrou Seixas da Costa, talvez os confrontos de ontem possam fazer a Europa perceber que «Portugal também tem um limite para o sacrifício». Ironicamente, a concretizar-se o desejo do embaixador os confrontos serviram, afinal, para alguma coisa.
QUEM FAZ O FAVOR DE EXPLICAR? De facto, não se percebe por que razão a selecção portuguesa de futebol jogou com um adversário de terceira categoria, no quinto dos infernos. A gente olha para o calendário dos jogos particulares disputados ontem e vê a Suécia a jogar com a Inglaterra, a Holanda com a Alemanha, a Itália com a França, e quando chegamos à terrinha descobrimos Portugal a jogar com a 52ª selecção do ranking mundial. Parece que o negócio rendeu 800 mil euros à Federação, até ver a única explicação, mas que não explica coisa nenhuma. Alguém da Federação faz o favor de explicar à rapaziada a importância do jogo para os destinos da pátria?
13 de novembro de 2012
12 de novembro de 2012
O PRAVDA ANGOLANO. Será a inveja que levou as autoridades portuguesas a investigar suspeitas de vigarices cometidas por gente ligada ao Governo Eduardo dos Santos, como diz o Jornal de Angola. E as suspeitas de corrupção que recaem sobre altas figuras do Estado angolano? Têm, ou não, fundamento? Pelos vistos, isto não interessa ao Jornal de Angola. E não interessa porque o Jornal de Angola é o Pravda lá do sítio, e de um jornal do regime não se espera outra coisa que não seja bajular o regime e quem nele manda, mesmo que alguns dos mandantes sejam uns refinados patifes. Aliás, pelo apetite que o poder angolano tem demonstrado pelos jornais portugueses, não tardará que o assunto deixará de interessar aos próprios jornais portugueses.
7 de novembro de 2012
MINISTRO DAS TRAPALHADAS. À excepção dos protagonistas do incidente, ninguém sabe ao certo o que se passou entre o jornalista Nuno Ferreira e o ministro Miguel Relvas. Não se pode, portanto, tirar conclusões, visto que não há dados que nos permitam saber quem é culpado de quê. Mas se há dúvidas quanto ao episódio, uma coisa é certa: tornou-se rotina ver o ministro Relvas envolvido em trapalhadas, e se do ponto de vista legal nada haverá que se lhe possa apontar, a verdade é que cada vez sai pior na fotografia.
6 de novembro de 2012
SANDY (2). Só ao quinto dia a dona Sandy me deixou viver como habitualmente. Quase uma semana sem electricidade, sem frigorífico, sem aquecimento. Com filas para o café e para a gasolina, que ainda não terminaram. Sem internet. Com sucessivos jantares à luz das velas, cada vez menos românticos, e com noites seguidas embrulhado em cobertores a sonhar com o paraíso, um modesto interruptor capaz de acender um candeeiro, de ligar o aquecimento. E a ler Mark Twain, A Viagem dos Inocentes, com um sentido no relato e três na electricidade que não vem, na gasolina que escasseia, na temperatura que desce perigosamente. Podia ter sido pior? Podia. O meu vizinho partiu uma perna num acidente de automóvel, mas teve sorte: podia ter partido as duas. O meu vizinho caiu da varanda e partiu a cabeça e um braço, mas teve sorte: podia ter morrido. Resumindo, o meu vizinho partiu uma perna, um braço, a cabeça — e ainda deve mostrar-se agradecido pela sorte que teve.
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