30 de abril de 2004
29 de abril de 2004
Parece que a Al-Jazira vai difundir, amanhã, uma gravação de não sei que manifestações em Itália contra a guerra no Iraque organizadas pelos Verdes — ou apoiadas pelos Verdes, não sei bem. A ideia dos ecologistas é apelar à libertação dos três reféns italianos detidos no Iraque, que os seus raptores prometeram libertar com uma condição: que os italianos façam uma grande manifestação contra a guerra no Iraque. Ou seja, com a condição de que os italianos façam o que os raptores muito bem entenderam exigir e que os Verdes se apressaram a cumprir. Ora, bem podem dar-lhe as voltas que quiserem que isto só tem um nome: chantagem. Chantagem pura e simples que, pelos vistos, os Verdes se encarregaram de demonstrar ser uma prática que compensa. Como, aliás, as mudanças em Espanha já o tinham dado a entender. Resta saber até onde irá a chantagem e as cedências destes cavalheiros. E quando mais tempo vai ser necessário para que se perceba que não é cedendo a chantagens que se resolvem problemas desta natureza, e que a cedência que agora fizeram, por mais bem intencionada que tenha sido, é um precedente gravíssimo.
28 de abril de 2004
Está fora de questão a independência da Madeira, diz o dr. Jardim. Mesmo depois de saber que a Madeira «não seria um país miserável» e que ficaria «à escala de Chipre» caso optasse pela independência. E como soube ele tudo isto? De uma maneira muito simples: encomendou um estudo. E porquê o estudo, se o dr. Jardim garante que os madeirenses querem «continuar a ser portugueses»? Eis o mistério. Ou talvez não.
27 de abril de 2004
O presidente líbio diz ter renunciado à produção de armas proibidas e parece querer entender-se com o Ocidente. Perante isto, algumas criaturas não se têm cansado de chamar a atenção para o facto de o sr. Kadhafi ainda há pouco ser considerado um terrorista, pelo que tudo isto não passa de hipocrisia. Ora, esta gente parece esquecer-se do essencial: não será positivo que o presidente Kadhafi procure entender-se com o Ocidente? Não será positivo que o Ocidente lhe estenda a mão? Com certeza que o sr. Kadhafi nunca foi flor que se cheire, e nem é agora que vai sê-lo. Mas nem por isso a nova atitude demonstrada nos últimos tempos deixa de ser positiva e de se saudar.
26 de abril de 2004
Tirando uma notícia ou outra sobre o «r», e só para perceber qual era o problema com o «r», não li praticamente nada do que a imprensa publicou sobre o 25 de Abril. Nem antes, nem durante, nem depois do 25 de Abril. Por junto, limitei-me a guardar alguns textos disponíveis na internet cujos títulos me pareciam embrulhar alguma coisa interessante, e foi só. Mesmo assim, deu para perceber que o aniversário da revolução se cumpriu com a habitual polémica, este ano com o pormenor suplementar do «r». E para o ano haverá mais — mais polémica e mais comemorações. No dia em que acabar a polémica acabam-se as comemorações, e o 25 de Abril passa a ser um dia em que não se trabalha. Só isso.
24 de abril de 2004
No meu último "post", chamei a atenção para o facto de estar em marcha uma campanha para descredibilizar a justiça na questão dos futebóis, como continua em marcha uma campanha para descredibilizar o processo Casa Pia. Ontem, no Público, Miguel Sousa Tavares confirmou a ideia. Além de outras coisas, algumas bem curiosas, Sousa Tavares acusa a juíza de Gondomar de ter prendido os suspeitos antes de tempo. Ou seja, dantes era o juiz Rui Teixeira que não sei quê. Agora, é a juíza Ana Cláudia que não sei que mais. Aliás, não tarda nada que a vida privada da senhora esteja na praça pública. E ai dela se tem pecados privados.
22 de abril de 2004
Dois dias após a prisão de uma mão-cheia de dirigentes e árbitros de futebol, é já visível uma campanha para desacreditar a Justiça. Primeiro, foram as «guerras de protagonismo», como lhe chamou uma magistrada do Ministério Público. Agora, é o bastonário dos advogados, que já considerou «escandaloso» e «inaceitável» que se esteja a prender pessoas para serem interrogadas. Com um sentido de oportunidade notável, José Miguel Júdice disse mais: «está tudo a funcionar mal».
21 de abril de 2004
Para Baptista Bastos, George W. Bush não passa de um «ventríloquo da seita evangélica mais poderosa dos Estados Unidos», realidade que «as pessoas relativamente bem informadas não desconhecem». Daí que não tem dúvidas de que «está em marcha um projecto de domínio religioso, cujos germes são o fanatismo e a intolerância». Ora, eu já o disse mas volto a repetir. Nunca fui grande simpatizante do George W. Bush Bush. E, em matéria de religião, sou ateu (ou agnóstico, nunca me dei ao trabalho de saber qual é a diferença). Mas, perante argumentos como este, até fico a simpatizar com o sr. Bush.
20 de abril de 2004
É inútil falar de outra coisa que não seja de futebol e das prisões de Valentim Loureiro e mais uma dúzia de dirigentes e árbitros. E dizer o quê nesta altura? Que foi uma surpresa? Não foi. Que os detidos são culpados daquilo de que são suspeitos? A lei diz que todos são inocentes até prova em contrário, pelo que eu não sei. O que eu sei é que o futebol português acaba de sofrer um abanão histórico e de consequências imprevisíveis. Resta saber se vai ruir alguma coisa e o quê. E, se ruir, o que vai nascer dos escombros.
A discrição com que o caso da pedofilia da Madeira tem sido tratado pelos media e, presume-se, pelas partes envolvidas no processo, já foi motivo de louvor de alguns fazedores de opinião. Confrontado com o processo Casa Pia, a maneira como o caso da Madeira tem sido tratado é exemplar, disseram. Ora, acontece que não é bem assim. Os últimos desenvolvimentos sobre o caso da Madeira, com a Judiciária a denunciar «tentativas de manipulação de testemunhas do processo de pedofilia da Lagoa» e outras pressões sobre testemunhas e vítimas (ver Público de hoje), vêm demonstrar que, a coberto da discrição, se tenta comprar o silêncio das vítimas por umas centenas de euros. Não que a discrição não seja, em si, um factor positivo. Só que da discrição ao silenciamento vai um pequeníssimo passo.
19 de abril de 2004
Em mais uma manifestação de anti-americanismo primário, Celso Martins disse que «a eliminação do sr. Abdel Aziz Al-Rantissi se deu pouco depois da visita de Sharon a Washington». Para o caso de não verem a relação, acrescentou: «Os EUA foram o único país relevante a não condenar o assassinato». Curiosamente, sobre a entrevista de um tal Omar Bakri Mohammed, publicada no Público do último domingo, nem o mais leve comentário. Tirando Rui Tavares, que se limitou a transcrever partes do texto para fazer uns comentários de gosto duvidoso, os barnabés acharam por bem não abrir a boca. Compreende-se. Se dúvidas houvesse acerca de que lado estar face à guerra contra o terrorismo, as declarações do sr. Omar e as posições destes senhores ajudariam muito a tirá-las.
16 de abril de 2004
As 324 entrevistas concedidas por José Saramago nas últimas semanas, a que se veio juntar umas quantas afirmações bombásticas antes e depois do lançamento do Elogio da Lucidez (como lhe chamou Mário Soares no Expresso) e um almoço de reconciliação com os social-democratas, fizeram-me lembrar um personagem de Rubem Fonseca que diz o seguinte: «O verdadeiro escritor nada tem a dizer».
A Inês quer saber se o Esmaltes e Jóias é uma evocação de Artur Corvelo. Pois bem, como é uma pergunta que me fazem com frequência, remeto para a explicação que dei há uns tempos.
15 de abril de 2004
Tenho-me esquecido de saudar o aparecimento dos novos blogues, pelo menos os blogues de que eu gosto. A razão é só uma: malandrice. Antes, porém, um reparo: as mulheres estão a entrar em força nos blogues. E, agora, os novos blogues que vale a pena conhecer: O Acidental, Desassossegada, Eternuridade, Fonte das Virtudes, My Moleskine e Pintura Portuguesa.
14 de abril de 2004
Não, ainda não terminei Às Avessas. É só para dizer que passei as últimas horas a ouvir John Rutter, Giovanni Palestrina, Thomas Tallis, John Tavener, Arvo Pärt e outros mais cujos nomes não me recordo. E, sempre que isso acontece, fico vazio e sem nada a dizer. A única coisa que me apetece é o silêncio, e só o silêncio — o tal silêncio que Cage diz também ser música.
13 de abril de 2004
12 de abril de 2004
Apresentando-se como uma «humilde Voz Portuguesa do Islão», um senhor que se identificou como director de uma revista islâmica publicou, no Público de hoje, um texto onde «CONDENA [assim mesmo, com maiúsculas] veementemente os atentados terroristas de 11 de Março», bem como «os assassinatos e os massacres de inocentes na Palestina», no Iraque, no Afeganistão, no Burundi e na Thetchénia. Mas, sobre os atentados de 11 de Setembro ou dos que, em Israel, matam judeus inocentes, nem uma palavra. É que, como todos sabemos, ele há vítimas e vítimas.
9 de abril de 2004
Mal foi eleito, José Luís Zapatero apressou-se a anunciar a retirada das tropas espanholas do Iraque. Segundo uns, o anúncio foi uma claríssima cedência às pretensões dos terroristas. Segundo outros, Zapatero limitou-se a cumprir uma promessa eleitoral. Fosse lá como fosse, correu que os atentados de 11 de Março se deveram à participação da Espanha na guerra do Iraque. Ora, seguindo o mesmo raciocínio, como se compreende que os terroristas se preparassem para atacar, de novo, em Espanha, quando a Espanha já anunciou a retirada das tropas do Iraque? Dito de outro modo, quanto tempo mais vamos andar a assistir a justificações atrás de justificações e ao varrer do problema do terrorismo islâmico para debaixo do tapete?
Miguel Sousa Tavares, para quem a causa do terrorismo islâmico é a Palestina, e só a Palestina, acha que, «depois de combater os fiéis de Saddam», as tropas da coligação combatem, agora, «as suas vítimas». E quem são as vítimas das tropas da coligação? Como seria de esperar, não disse. E não disse porque, assim, as vítimas passam muito bem por ser o povo iraquiano (ou os cidadãos inocentes), quando ele sabe muitíssimo bem que assim não é. Como nos tem vindo a dar abundantes mostras, vale tudo.
Prémio uma agulha num palheiro para o José Mário Silva, que conseguiu a proeza de descobrir um quase aparentemente ambíguo no depoimento de Condoleezza Rice à comissão que investiga o 11 de Setembro. Não há dúvida de que descobrir um quase aparentemente ambíguo em duas horas e tal de conversa é obra.
7 de abril de 2004
Ainda só li duas dezenas de páginas, mas parece-me fascinante. "O Retrato de Dorian Gray" é mais um livro da colecção "Mil Folhas", distribuída com o "Público" de quarta, e que eu comprei pela simples razão de que tenho um contrato com o meu distribuidor de jornais que prevê a compra do "Público" de quarta enquanto este distribuir a colecção "Mil Folhas". Dito de outro modo, "O Retrato" é um livro que não estava na minha lista de compras — muito menos na minha lista de leituras, tantos são os livros que ainda não li e tão pouco é o tempo de que disponho para ler. Mas fico-me por aqui em matéria de comentários. Afinal, ainda só li uma vintena de páginas, e já abandonei a meio livros que comecei com entusiasmo.
Tirando o episódio do velho paralítico em cadeira de rodas, como diz o maradona (com minúscula), não faço a mais pequena ideia do que aconteceu ao João Pedro Henriques. Mas acompanho com interesse as cenas dos próximos capítulos. Se é verdade que está a acontecer aquilo que eu penso, vale a pena seguir com interesse.
6 de abril de 2004
Depois de um tribunal ter concluído que a ponte de Entre-os-Rios caiu devido a causas naturais, os familiares das vítimas queixaram-se de que estão a ser pressionados para não recorrerem da decisão. Nada que espante e que não fosse de esperar. Afinal, quem acredita que a ponte caiu por causas naturais? E, já agora, quem ainda se lembra do então ministro Jorge Coelho se demitir na sequência da queda da ponte, porque a culpa não podia morrer solteira? O mais chocante de tudo isto é que provavelmente não restou ao juiz outra saída que não fossem as causas naturais.
Vital Moreira resolveu vir «remendar» a ideia do voto em branco de José Saramago. É um exercício que se compreende, pois imagina-se que lhe tenha custado a engolir. Mas começou logo por dizer que tem dúvidas de que Saramago tenha apelado ao voto em branco. Ou, caso tenha apelado, tem dúvidas «sobre a exacta interpretação da metáfora». Ou seja, Vital Moreira veio dizer que os que tomaram à letra a ideia de Saramago — e parece ter sido a larga maioria, incluindo os que pertencem à mesma área política do escritor — são uma cambada de estúpidos.
5 de abril de 2004
Após ter comprado desde o número um — ou do número zero, não me lembro se houve número zero —, deixei de ler o "Jornal de Letras" há cerca de três anos. Foi uma decisão difícil e adiada vezes sem conta, mas não me arrependi. Mais: há cerca de ano e meio desfiz-me do arquivo de jornais, entre os quais o "JL", e também não me arrependi. Hoje decidi que chegou a vez da "Grande Reportagem". Não me interessa explicar porquê com grandes detalhes. Direi, apenas, que a qualidade da escrita baixou muitíssimo e que o novo formato reduziu (ou eliminou) coisas que me interessavam e acrescentou outras que nem por isso. Eu sei que vou ficar com saudades de algumas coisas, mas não se pode ter tudo.
2 de abril de 2004
Ia-me comovendo quando Miguel Sousa Tavares ameaçou com os factos — «esse malfadado pormenor dos factos» — para sustentar a tese de que a intervenção militar no Iraque se tornou num «factor de multiplicação e disseminação do terrorismo». Mas ficou-se pela ameaça, e lá avançou com as suposições do costume como se de factos se tratasse. Aliás, isto dos factos cada vez me chateia mais. Será demasiado pedir aos jornalistas que separem os factos da opinião? Parece elementar, mas não é. Nos tempos que correm — guerra do Iraque, processo Casa Pia, etc. — não há jornalista que resista a meter a colherada. Nada a opor caso separem uma coisa da outra, mas tudo a opor quando misturam as duas coisas e, depois, as tentam (e conseguem) fazer passar como se de meros factos se tratasse. E o pior é que ninguém denuncia a situação. Bem pelo contrário: parece a coisa mais natural do mundo.
1 de abril de 2004
Oh! Ana Albergaria. Como deves estar recordada, eu só queria desabafar. Mas, já que insistes, vamos lá então. É verdade que eu nunca li um livro do Saramago até ao fim, nem tenciono ler. Mas podes crer que tentei. Afinal, Saramago é Nobel da Literatura e os suecos não devem ser nenhuns mentecaptos, não é? Mas acontece que tropeço a toda a hora em prosa como a que transcrevi no "post" de ontem, e eu não sou de ferro. Até o masoquismo tem limites, que diabo. Mas não tenho nada contra o facto de gostares do homem — da forma como ele «ensarilha as palavras», das «lengalengas algo indecifráveis», do «cochichar morrinhento», da «prosa chorumenta», do «linguajar rabioso», do que seja. Como sabes, ele há gostos para tudo e cada um sabe de si. E até acho bonitas as expressões que tu usas para caracterizar o homem (ou a prosa do homem, não sei bem), embora isso me cheire mais a ternura (por não sei quem) que a outra coisa. Repara que eu só falo da prosa, não falo do homem. Porque eu acho que o homem, apesar das bacoradas com que volta e meia nos brinda e de se levar demasiado a sério, ainda se tolera. E, já que falaste de Lobo Antunes, eu era capaz de jurar que ele disse, numa entrevista, que quando lia Saramago apetecia-lhe logo começar a emendar. É o que me acontece a mim, mas quem sou eu para emendar prosa nobelizada? E por aqui me fico, amiga Ana, que isto de polémicas não paga a renda. Antes, porém, permite-me que te recomende um pouco de cuidado com essa tua fixação pelos Abba. É que é bem capaz de andar tudo ligado, como dizia o outro. Um abraço e votos de que continues a escrever da forma que escreves e a dizer o que pensas de forma desassombrada. Porque de uma coisa podes estar certa: aprecio mais os teus «disparates» e a tua prosa que as «verdades» e o «linguajar rabioso» do ilustre cavalheiro. Como julgo ter dito uma vez, eu, de Saramago, prefiro o Alfredo.
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