29 de novembro de 2006
Depois dos militares, a vez da GNR. O mais extraordinário do «passeio» entre a Casa do Alentejo e a Praça do Comércio nem é o surrealismo (para dizer o mínimo) da coisa: o mais extraordinário é que, com o expediente encontrado, a tropa e a guarda ensinaram os portugueses como se deve fazer para contornar a lei. De forma despudorada, ainda por cima, já que um dos manifestantes ainda teve o desplante de avisar que quem achar que aquilo foi uma manifestação e não um passeio «está a faltar à verdade».
28 de novembro de 2006
As recentes acusações que o ministro da Saúde resolveu fazer aos jornalistas são demasiado graves para que se fiquem pelos parcos comentários nos jornais e nos blogues, apesar de o ministro já ter emendado a mão. Mas a acusação de Correia de Campos levanta, ainda, uma questão de que ninguém quer falar: por que será que um ministro tem que apresentar provas do que diz quando ataca os jornalistas — e espera-se, de facto, que assim seja — e os jornalistas parecem dispensados de o fazer sempre que acusam um governante?
«Que estranho motivo terá levado Manuel Alegre a dispor-se a apresentar a biografia de uma personalidade irrelevante (o "pretendente ao trono" de Portugal), a usar a forma monárquica de tratamento ("Dom" Duarte) e, no final, a admitir um referendo sobre a república, como se, nas vésperas do centenário republicano, existisse alguma questão de regime?!», pergunta Vital Moreira no Público de hoje. A resposta só pode ser dada pelo próprio, como é óbvio. Mas a mim parece-me que o gesto de Manuel Alegre, de quem discordo em quase tudo, merece aplauso. Pela simples razão de que a questão da monarquia em Portugal não deve ser um tabu.
27 de novembro de 2006
22 de novembro de 2006
Pedro Rolo Duarte acha que «Santana Lopes existe porque os jornalistas, os comentadores e os meios de comunicação querem mesmo que ele exista». Segundo ele, os jornalistas «alimentam-no e alimentam-se dele e das suas ambições», «usam-no e são por ele usados». Só assim se explica, acrescenta, que lhe dêem tempo de antena, lhe cubram «o lançamento dos seus livros como se ali estivesse um candidato ao Nobel», que o entrevistem em horário nobre, e que com ele gastem neurónios e páginas de jornal. Ora, será assim tão simples «o retrato» de Santana Lopes? Para começar, o que é que Santana tem de tão mau que os outros políticos não tenham? Alguém duvida de que teria havido a gritaria que houve caso o número dois do PSD fosse outro que não Santana Lopes na altura em que Durão Barroso decidiu pôr-se a andar? Evidentemente que não. Como o número dois era Santana, foi o que se viu. E o que se viu foi um espectáculo pouco dignificante, pois o Governo já era mau antes de o ser, e ainda antes de se saber por quem era constituído. Isto no dizer de alguns barões do seu próprio partido, que nunca se conformaram com o facto de Santana Lopes ser, democraticamente, o número dois. Claro que Santana Lopes contribuiu para o circo que então se instalou, e até generosamente. Mas se o governo Santana dava uns traques malcheirosos, a Oposição nunca cheirou melhor.
Estou convencido de que qualquer português que vê as coisas da bola com um mínimo de distancimento já desistiu de perceber quem fala verdade e quem mente sempre que os figurões do costume se põem a gritar uns com os outros. O Sporting está na posse de uns milhares de euros que ninguém reclamou? Confesso que essa ultrapassou a minha imaginação. O sr. Veiga diz que há uma cabala contra ele e contra o Benfica? Não faço a mínima ideia. Os dinheiros que envolveram a saída de João Pinto do Sporting para o Boavista passaram pelos sítos do costume? Mais que provavelmente. Mas de ciência certa sei, apenas, que já não há paciência para tanta peixeirada no futebol português, muito menos quando já se sabe que a montanha vai parir um rato.
21 de novembro de 2006
Daniel Oliveira acha que a Al-Jazira representa «a primeira experiência séria de jornalismo árabe independente». Mais: que a Al-Jazira é «a 'CNN do Oriente'» (Expresso). Quer isto dizer que a CNN pratica um jornalismo independente? Segundo ele, assim é. Ou, então, Daniel Oliveira diz o que pensa quando não pensa o que diz, ou pretende demonstrar-nos que é perito em dar uma no cravo, e outra na ferradura. Sim, eu estava convencido de que ele achava a CNN um instrumento do bushismo, um mero porta-voz do imperialismo, uma coisa americana. Sim, americana. É que ele até já escreveu que «se o nosso futuro continuar a depender da bondade do voto dos americanos, a América arrogante acabará sempre por voltar» (Expresso). Reparem bem: não se refere aos americanos que votaram em Bush, aos neocons, à direita religiosa, aos republicanos. Refere-se aos americanos em geral, essa cambada de idiotas que não sabem o que querem.
17 de novembro de 2006
Com a vitória do Partido Democrata nas últimas eleições americanas, que terá sido alcançada graças ao desastre do Iraque, parece que os bushistas (entre os quais me incluirei) têm de se retratar. De quê, ainda não percebi, mas presumo que por pensarem o que pensaram e por agora, presumo outra vez, pensarem de outra maneira. Ora eu, sobre este assunto, quero dizer duas coisas: não costumo mudar de ideias ao sabor das conveniências, e não me consta que os vencedores têm, por definição, razão. Houve coisas que a Administração Bush fez e não devia e outras que não correram bem? Já o disse e repeti. Mas retratar-me de quê e porquê? Por ter defendido coisas em que ainda hoje acredito? Meus senhores, eu sempre tive dúvidas acerca do Iraque, da guerra contra o terrorismo — e continuo a tê-las. Acontece que, por regra, não me revejo na substância das críticas que são feitas à Administração Bush por causa do Iraque e do terrorismo, e ainda menos no que, por regra, as motivam. Tão preto e tão branco como isto.
15 de novembro de 2006
«Cézanne and Van Gogh, according to Emile Bernard, did not hit it off. One day they had met over lunch at the shop of the art dealer and color merchant père Tanguy. Vincent boldly showed the older man his work. "After inspecting everything, Cézanne, who was a timid but violent person, told him, 'Honestly, your painting is that of a madman.'"» Martin Gayford, The Yellow House (p.50)
14 de novembro de 2006
Sou, há muito, um admirador de Keith Jarrett, de quem já vi dois concertos. Foi, por isso, com alguma curiosidade que acompanhei as notícias da digressão de Jarrett a Portugal, antes e depois do concerto no CCB. Lidos os principais diários, há de tudo: erros crassos (não é verdade que «no jazz tudo é criado no momento»), omissões importantes (ninguém referiu que Jarrett é, também, compositor), prosas delirantes, carradas de lugares-comuns. Salva-se o (excelente) texto de Mário Laginha no Público.
A propósito da polémica por causa do Rivoli, vale a pena lembrar o que escreveu Alberto Gonçalves na última Sábado: «(…) as hordas de cidadãos que, nos jornais, nos blogues e na rua, gritam a sua paixão pela cultura e o nojo pelo dr. Rio chegam e sobram para esgotar os espectáculos do Art’Imagem durante muitos e bons anos.»
10 de novembro de 2006
Já lá vão dois dias que foi emitida, mas não perdeu actualidade. Estou a falar da entrevista de Vasco Pulido Valente à TSF.
Como foi dito e repetido por quase toda a gente, e como também eu aqui disse a propósito das críticas de Eduardo Cintra Torres, as insinuações do deputado Branquinho — alegadas ingerências do Governo na informação da RTP — são demasiado graves para que se fiquem pelas insinuações. O sr. deputado tem provas do que diz? A bem da Pátria, faz favor de as divulgar. O sr. deputado acusa com base em suposições ou no diz-que-disse? A bem da Nação, obriguem-no a fundamentar as acusações. O que não é admissível é que isto acabe em águas de bacalhau, como costumam acabar casos destes. Insisto: não sei quem fala verdade ou quem mente. O que sei é que isto é demasiado grave para ficar impune.
Se Donald Rumsfeld se tivesse demitido antes das eleições e Bush resolvesse nomear Robert Gates para o seu lugar, o que não se teria dito. Mas como Robert Gates foi nomeado após a demissão de Rumsfeld e da vitória do Partido Democrata, o novo secretário da Defesa dos EUA passou a ser «o rosto que permite o entendimento». Não há paciência.
9 de novembro de 2006
Sobre a intervenção americana no Iraque, que terá ditado a vitória do Partido Democrata na última terça-feira, convém relembrar que ela foi decidida pelo Congresso com os votos de Republicanos e Democratas, e não pelo presidente Bush, que não tem poderes para tal. Convém lembrar, ainda, que havia evidências de que existiam armas de destruição maciça por ocasião em que foi decidida a intervenção militar. Claro que havia uns cavalheiros que já nessa altura tinham a certeza de que elas não existiam (Vital Moreira, Fernando Rosas, Daniel Oliveira e mais uns quantos) e que, depois, se fartaram de alertar o mundo e arredores para as consequências da invasão, especialmente depois de elas se terem verificado. Infelizmente, a administração Bush não deu ouvidos aos beneméritos. E foi pena, pois eles ter-lhe-iam demonstrado, se necessário fosse, que a ida do homem à Lua não passou de uma invenção. De uma invenção dos americanos, é claro.
A vitória do Partido Democrata nas eleições americanas e a demissão de Rumsfeld criou a ideia de que algo vai mudar (para melhor) na política externa americana. A ideia é simpática, e certamente que todos desejamos que assim seja. Acontece que eu tenho dúvidas de que algo vai mudar para melhor. Aliás, o próprio Partido Democrata está cheio de dúvidas sobre esta matéria, já que não se lhe conhece uma estratégia para o Iraque — e, já agora, para o combate ao terrorismo. Mas o mais extraordinário da coisa é que isto é normal, como já ouvi dizer por aí. Afinal, se a administração Bush não teve, até agora, uma solução para o Iraque, porque haveriam os Democratas de tê-la?, argumentam. Muito bem visto, não há dúvida. De facto, se os Republicanos não sabem como fazer, por que haveriam os Democratas de saber? Genial, não há dúvida.
7 de novembro de 2006
Não tenho especial simpatia pelo Governo de José Sócrates, mas também não embarco facilmente no coro de críticas que lhe estão a ser feitas por causa da RTP. Como já disse e repeti, acusar os governos de controlar os media sob a sua tutela é fácil e barato, e eu estou cada vez mais convencido de que, hoje como ontem, é mais parra que uva. Pior: como as denúncias ficam, por regra, por provar, nunca se ficando a saber quem fala verdade e quem mente, não custa nada levantar a bandeira das intromissões indevidas. Pode ser que haja motivos para críticas no caso em apreço, e nem os mais ingénuos surpreenderia caso os houvesse. Mas eu, para este peditório, já dei. Até porque há uma coisa que eu nunca percebi: por que razão há-de a Oposição ter o direito de protestar junto dos órgãos de comunicação social tutelados pelo Governo sempre que considere incorrecto o tratamento de que é alvo e não há-de o Governo ter o mesmo direito? Onde está escrito que os governos — todos os governos — estão obrigados a comer e calar?
6 de novembro de 2006
Que o mundo seja contra a pena de morte, compreende-se e aplaude-se. Mas a forma como alguns defendem o mais sanguinário dos ditadores, alegando que ele foi julgado com regras «quase iguais às do ditador», chega a ser obsceno.
3 de novembro de 2006
Como me parece evidente, o aumento da violência no Iraque beneficia o Partido Democrata nas eleições da próxima semana. Assim sendo, quer isso dizer que o Partido Democrata está a fomentar a violência no Iraque? É o que apetece perguntar depois de termos ouvido afirmar que os ataques terroristas nos EUA — ou a ameaça de ataques terroristas nos EUA — iriam intensificar-se à medida que se aproximava a data das últimas Presidenciais americanas, coisa que a realidade se encarregou de desmentir. A lógica é a mesma, não é? Não, não estou a insinuar nada. Pretendo, apenas, dizer que em política não pode valer tudo. É que, quando vale tudo, o essencial confunde-se com o acessório, a mentira não se distingue da verdade, e tudo passa por aldrabice.
Medeiros Ferreira deve saber coisas que os outros ignoram, e certamente mais do que diz. Ou estará, apenas, a divagar?
2 de novembro de 2006
Mário Bettencourt Resendes acha que os media portugueses vão bem, apesar de aqui e ali haver «a notícia enviesada», «os factos distorcidos por opiniões que se deveriam auto-reprimir», e «os "fretes" inevitáveis». Ou seja, os media portugueses vão bem, o jornalismo é que nem por isso. Como muito bem diz, aliás, o Alberto Gonçalves, a propósito do jornalismo de causas.
1 de novembro de 2006
Arrisca-se a dizer o que pensa quem não pensa aquilo que diz. É o que me ocorre dizer sobre a «piada falhada» («poorly stated joke») de John Kerry, que resolveu afastar-se da campanha eleioral dos democratas para tentar minimizar os estragos. O mais engraçado deste episódio é que o ex-candidato à Presidência dos EUA tem razão quando disse o que disse, ou grande parte da razão, embora a piada a propósito dos soldados americanos no Iraque não tenha acertado em quem pretendia (o presidente Bush) mas nas supostas vítimas do presidente americano (os soldados americanos). Usando palavreado de caserna, Kerry protagonizou um caso em que o tiro lhe saiu pela culatra. E foi muito bem feito.
Vicente Jorge Silva acha que não foi o terrorismo islâmico que provocou a «mais sistemática campanha de restrição de direitos, liberdades e garantias constitucionais de que há memória na moderna história americana». Pelo contrário: segundo ele, o terrorismo islâmico foi um mero pretexto para adoptar as medidas que já se pretendia adoptar. Como argumento sério, estamos conversados. Mas há mais argumentos «sérios»: para o jornalista, os media americanos estão ao serviço da Administração Bush, pois é sabido que os republicanos possuem uma «implacável máquina de propaganda». Ora, assim sendo, como explicará ele as sondagens que apontam para uma vitória dos democratas? Como conseguirão os americanos ver os defeitos de uns e as virtudes de outros se os media estão controlados pela Administração Bush? Lendo as crónicas de Vicente Jorge Silva? Confesso que já vi argumentos mais elaborados em discussões de taberna.
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