«Passávamos, jovens ainda, sob as árvores altas e o vago sussurro da floresta. Nas clareiras, subitamente surgidas do acaso do caminho, o luar fazia-as lagos e as margens, emaranhadas de ramos, eram mais noite que a mesma noite. A brisa vaga dos grandes bosques respirava com som entre o arvoredo. Falávamos das coisas impossíveis; e as nossas vozes eram parte da noite, do luar e da floresta. Ouvíamo-las como se fossem de outros.»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
28 de fevereiro de 2007
27 de fevereiro de 2007
Tencionava fazer um post genial sobre a palestra do Francisco José Viegas na Rutgers, mas não me sai nada. Direi, apenas, que falou, sobretudo, de Jaime Ramos, com uma breve passagem por este admirável cronista.
Imagina-se que após aturados estudos, Vital Moreira descobriu, finalmente, a pólvora. Vai daí, achou por bem alardear tão importante feito para o destino da humanidade em geral e dos portugueses em particular. A coisa vem pormenorizada no Público de hoje, pelo que me dispenso de contar. Apenas um pequeno reparo: fosse outro o sentido do achado, e Vital Moreira não teria aberto a boca. É que a seriedade é uma coisa muito bonita — mas só se exige aos outros.
26 de fevereiro de 2007
Estão em curso manobras destinadas a reabilitar a imagem política de Alberto João Jardim. Aliás, o próprio não se tem cansado de fazer declarações apaziguadoras, sem dúvida no intuito de passar uma imagem de moderação e bom senso. Invoca-se que o ex-presidente da Madeira fez bem em demitir-se, que a nova realidade das finanças regionais vai pôr em causa a execução de projectos com que se terá comprometido perante os eleitores. Não duvido. Mas também já disse e volto a insistir: que condições passará a ter Alberto João Jardim se for reeleito que não tinha quando se demitiu? Tirando razões de pequena política, não se vislumbra. E ainda menos se entende que o cavalheiro tenha deixado de ser, de um dia para o outro, tudo de que o acusavam, nomeadamente de práticas inaceitáveis num regime democrático. Curiosamente, alguns dos que agora o pretendem «reciclar» são os mesmos que ainda há pouco eram os seus principais críticos.
Há planos para assassinar Hugo Chávez e a «revolução pacífica bolivariana», diz um alto responsável venezuelano. Depois do alegado plano económico contra a Venezuela, prepara-se o assassinato do grande líder. Pena é que Chávez e capangas não se distingam pelas melhores razões, e que o povo que dirigem nada beneficie com tanta sabedoria.
22 de fevereiro de 2007
As notícias de que o Irão terá, em breve, capacidade para enriquecer urânio a uma escala industrial e a que nos dá conta do fracasso das negociações conduzidas pela União Europeia com vista a dissuadir o regime iraniano do programa nuclear são inquietantes. Claro que as negociações vão continuar, como ainda esta semana garantiu um responsável iraniano, pois qualquer palerma já percebeu que a estratégia de Teerão é queimar tempo. Escusado será dizer, também, que o envolvimento iraniano no Iraque, nomeadamente através do fornecimento de armas aos xiitas, é (mais) uma mentira americana, e que se forem encontradas armas iranianas no Iraque só podem lá ter sido postas pelos americanos com o objectivo de incriminar Ahmadinejad e, de caminho, justificar uma intervenção militar no Irão. E também será desnecessário relembrar que o facto de o regime iraniano se estar borrifando para a ONU não indigna ninguém, nomeadamente os que se indignaram quando os americanos foram para o Iraque à revelia da ONU, pois a indignação varia consoante as circunstâncias e os protagonistas. Mas o que realmente incomoda no meio disto é verificar-se que as grandes questões mundiais estão a ser encaradas à luz do pró-americanismo ou do anti-americanismo, uma irresponsabilidade que só pode acabar mal.
20 de fevereiro de 2007
O directo televisivo da chegada de Mourinho e companhia ao aeroporto de Pedras Rubras chegou a ser hilariante. Quando é que os repórteres (e quem manda neles) deixam de se comportar como fãs em histeria? Que teria Mourinho de tão importante a dizer à chegada de Londres que justificasse tanta correria para obter uma declaração? Não há pachorra para o jornalismo basbaque.
Já se sabe que a culpa será dos americanos se as coisas correrem mal ao regime de Hugo Chávez. Mas, para o caso de haver dúvidas, o presidente venezuelano já avisou: os Estados Unidos fomentam um «plano económico» contra a Venezuela. Isto no mesmo dia em que Chávez ameaçou nacionalizar supermercados, armazéns frigoríficos e matadouros caso não cumpram o regime de preços por ele imposto, um «filme» demasiado visto e que acabou mal. O problema é que a desculpa do cavalheiro é bem capaz de funcionar, pois o anti-americanismo deixou de ser um meio para se transformar num fim em si mesmo — e a História está sempre a demonstrar que não aprendemos nada com ela.
19 de fevereiro de 2007
16 de fevereiro de 2007
Está na moda dizer que a Justiça devia ter gabinetes especializados em comunicação — ou receber formação que a habilite a lidar eficazmente com os media. Ora, não me parece. Não que não fosse útil que os profissionais da Justiça aprendessem a lidar com os media e que existissem gabinetes especializados no assunto, mas porque não me parece que é a eles que compete essa função. Não se percebe o que dizem quando falam de processos? Compete aos jornalistas descodificar e explicar aos leigos. Estou convencido, aliás, que os jornalistas ultrapassam facilmente o problema se realmente estiverem interessados em ultrapassar o problema, que a mim me parece mais de preguiça do que ou coisa.
15 de fevereiro de 2007
O Presidente da República resolveu apelar a «soluções de bom senso» na elaboração da nova lei do aborto de molde a «que possam ajudar a unir os portugueses» mas criou — ou ameaça criar — um clima contrário a essa ideia. A pretexto de que não se pode desperdiçar «a possibilidade de estabelecer consensos alargados» numa matéria que «pode ter causado rupturas na sociedade portuguesa», Cavaco acaba de deixou no ar a ameaça de veto, o que não deixa de ser uma ironia por vir precisamente de quem defende que se deve procurar «unir a sociedade portuguesa e não dividi-la ainda mais».
13 de fevereiro de 2007
Afinal, os resultados de um referendo podem ser vinculativos se a taxa de participação for igual ou superior a 50%, ao contrário do que eu julgava. O post de ontem parte, portanto, de um pressuposto errado. É o que dá escrever e publicar no momento, desconhecer ou avaliar incorrectamente os factos de que dispomos no momento de opinar. Não foi a primeira vez que me sucedeu, nem será a última. Claro que eu podia apagar o post ou fazer de conta que nada tinha acontecido, mas sou contra tais práticas. Para mim, o que foi publicado não deve ser alterado. Corrigir uma gralha ou um erro de concordância, tudo bem. Remendar uma ideia mal parida ou eliminar o que está mal feito, nem pensar. A coisa saiu mal, assumam-se as consequências. Resta-me que o essencial da ideia defendida no post se mantém intacto. Isto é, o resultado do referendo acaba, na prática, por ser vinculativo, haja ou não participação igual ou superior a 50%. Como, aliás, os preparativos para a mudança da lei já o estão a demonstrar.
12 de fevereiro de 2007
Já se sabe que o resultado de um referendo — de qualquer referendo — não tem carácter vinculativo, como agora repetem os adeptos do «não». Mas também já se sabe que o Governo não pode — nem deve — ignorar o resultado de um referendo, mesmo que ele indique o contrário do que pretende. Votaria «sim» se me fosse permitido votar, mas defenderia o mesmíssimo princípio se o resultado tivesse sido outro. Ignorar o resultado de um referendo seria o mesmo que acabar com o referendo. E não ignorar o resultado de um referendo equivale, na prática, a um vínculo ao resultado, goste-se ou não da ideia e diga a lei o que disser.
Percebe-se que o presidente da Câmara de Gaia procure todas as oportunidades para demonstrar que existe politicamente, mas dizer que os resultados do referendo sobre o aborto foram «uma enorme derrota» para o primeiro-ministro e «um cartão amarelo» à sua governação a pretexto de que a soma do absentismo e dos votos do «não» constitui 80 por cento dos portugueses, é um disparate sem nome. Luís Filipe Menezes devia saber que o pior que se pode fazer é quer transformar derrotas em vitórias, mesmo que tenha razões para isso (o que não é o caso). E devia saber, também, que a falta de fair play na hora da derrota é coisa que cai sempre mal.
9 de fevereiro de 2007
Se a memória não me falha, só uma vez me desfiz de livros. Foi há uns anos, quando a falta de espaço nas estantes me obrigou a deitar fora algumas dezenas de manuais que dantes acompanhavam os programas de computador. Mesmo tratando-se de livros que me vieram parar às mãos sem que os tivesse solicitado (e que raramente consultei), custou-me desfazer-me deles. Afinal, livros são livros, e eu tenho dificuldade em desfazer-me dos livros. Mesmo dos que me parecem maus ou inúteis, como o caso dos manuais. Mas é o que, agora, me apetece fazer com os livros que semanalmente recebo com a Sábado. Não haveria nada melhor para distribuir com a revista?
8 de fevereiro de 2007
7 de fevereiro de 2007
Está visto que será um fracasso caso a investigação do Ministério Público não conclua (e demonstre) que Portugal foi local de passagem de voos da CIA com conhecimento, ou não, das autoridades portuguesas. Quando se parte da conclusão para os factos e os factos não se ajustam à conclusão previamente tirada, o resultado não pode ser outro.
«(…) seria de todo desejável saber o que é que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social tem a dizer sobre a liberdade de imprensa na Madeira e a forma como ela pode ser economicamente condicionada e politicamente manipulada, independentemente de uma eventual alteração legal que impeça autarquias e regiões autónomas de serem proprietárias de órgãos de comunicação social.» Amílcar Correia, Público de hoje
5 de fevereiro de 2007
A independência económica do jornalismo nunca passou de uma miragem, embora já tivesse melhores dias. Mas o caso da Madeira, onde o Governo local injecta milhões num jornal, é particularmente chocante. E mais chocante se torna quando Alberto João Jardim tem o descaramento de justificar o dinheiro gasto pelo Governo a que preside com a necessidade de garantir o «pluralismo ideológico» da comunicação social, argumentando que o Jornal da Madeira é um «marco dessa luta» e que é «o único que rema contra a maré». Chocante é uma maneira de dizer, que já nada choca o que vem de quem vem. Só espanta é que ainda haja quem acredite nele, embora o caso do Jornal da Madeira ajude a entender por que razão isso acontece.
2 de fevereiro de 2007
Causou alguma celeuma o facto de um movimento de cidadãos ter subscrito um documento onde se pedia a libertação do sargento Luís Gomes, argumentando-se que se pretende trazer a Justiça para a rua e que se está a entrar por um caminho perigoso. Ora, não vejo porquê. Antes de mais, como exprimir, então, o famoso direito à indignação? Depois, se a Justiça não é capaz de resistir às pressões de um pacato grupo de cidadãos, é capaz de quê? Parafraseando Churchill a propósito da política, a Justiça é demasiado importante para ser deixada, apenas, nas mãos dos técnicos da Justiça, e não deve estar acima da crítica. Era só o que faltava que os cidadãos não pudessem manifestar-se contra as decisões da Justiça sempre que o entendam, mesmo que isso provoque danos colaterais indesejáveis.
1 de fevereiro de 2007
Ser-me-á absolutamente indiferente qualquer que seja o resultado do concurso Os Grandes Portugueses, mesmo que o resultado seja a vitória de um dos cavalheiros que poucos esperariam ver na final e por quem não nutro a mais leve simpatia. Mais: acho um exagero a importância que se está a dar ao programa televisivo, e espanta-me que figuras por quem nutro um enorme respeito percam tempo com o assunto. Afinal, estamos a falar de um programa de entretenimento, e um programa de entretenimento não justifica tanto barulho. Não será assim? Como já perceberam, não é assim. Desde os que nunca se conformaram pelo facto de Salazar não integrar a lista inicial destinada a promover o concurso aos que se indignaram por o ditador integrar a lista final, passando pelos que não percebem por que razão Álvaro Cunhal integra o «top» final ou não gostaram de o lá ver devido aos bons ofícios dos comunistas, toda a gente leva a coisa a sério. Tão a sério que até fica a ideia de que abundam os que não hesitariam mudar o sentido de voto dos telespectadores caso tivessem meios para tal, coisa que certamente não envergonharia Salazar ou Cunhal e que talvez explique a popularidade de ambos.
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