30 de março de 2010
CARRILHO. Parece que o Governo se prepara para substituir Manuel Maria Carrilho no cargo de embaixador de Portugal na UNESCO por este ter recusado — e bem — votar no candidato à chefia daquela organização cujo currículo se distinguia por defender que deviam ser «queimadas» todas as obras em hebraico. Acontece que Carrilho permitiu que um funcionário votasse em vez dele, naturalmente segundo a vontade de quem lhe paga a mesada, como se um expediente destes fosse coisa normal, e assim ficasse a salvo de críticas. Como é evidente, e apesar dos aplausos que então se ouviram, não ficou. Afinal, esperar-se-ia que Carrilho fosse consequente ao recusar votar no candidato anti-semita, e ser consequente implicaria demitir-se. Como nada disso sucedeu, fica-lhe mal o papel de vítima em que agora o querem colocar.
26 de março de 2010
MAQUINAÇÃO. Nada contra a Igreja Católica, mas é bom que ela esteja debaixo de fogo por causa da pedofilia. Já a existência de uma «maquinação», e a ideia de que estarão a usar a pedofilia como mero pretexto para atacar a Igreja Católica, como diz Saraiva Martins, é um absurdo. Com certeza que os casos de pedofilia não são exclusivos da Igreja Católica, mas o cardeal também não ignora que a política da Igreja face ao sexo estimula as práticas pedófilas, e dos servidores da Igreja Católica espera-se que se comportem um pouco melhor que a generalidade dos cidadãos. Bem sei que a Igreja Católica não está imune ao pecado, como gostam de lembrar os seus representantes. Mas convenhamos que dela se espera que peque menos que os outros.
24 de março de 2010
CLAQUES (1). Uma tese de doutoramento sobre claques de futebol defendia, há pouco, que seria um erro acabar com elas, e até avançava alguns factos demonstrando que as ditas não são tão más como se pintam. Como não conheço o assunto com a profundidade que a uma tese se exige, não me atrevo a contestar. Mas ainda não percebi o que terão de positivo as claques de futebol, se é que terão algo de positivo. O que se vê torna-as difíceis de distinguir de meros bandos de delinquentes, e estou a ser benevolente. Como as claques dos «três grandes» demonstraram nos últimos dias, o que se vê são bandos de arruaceiros que as autoridades protegem em vez de pôr cobro às suas práticas. Como se pode ver por este exemplo, e pelas declarações de um dirigente de uma claque que se gabou, à TVI, de agredir não sei quantos espanhóis sem que nada lhe tenha sucedido (o indivíduo chegou a ponto de dizer que não hesitaria agredir mulheres e crianças se lhe aparecessem pela frente), as coisas já foram longe de mais. É tempo, portanto, de as autoridades se deixarem de contemplações, e já vão tarde.
23 de março de 2010
NOSSA SENHORA. Se dúvidas houvesse, o debate televisivo de segunda-feira entre os candidatos à liderança do PSD demonstrou que os sociais-democratas não são alternativa a Sócrates e ao PS. Como as sondagens bem o demonstram, a gente olha para aqueles candidatos, e a imagem de Sócrates melhora consideravelmente. Provavelmente é um exagero, mas a verdade é que eu nem consigo escolher o menos mau.
22 de março de 2010
A PRÓXIMA VÍTIMA. Não sei quem será o próximo líder do PSD, mas caso seja Passos Coelho adivinha-se que a oposição interna será maior que a externa. Como os casos de Santana Lopes e Luís Filipe Menezes bem o demonstraram, Pacheco Pereira encarregar-se-á de trucidar Passos Coelho se ele for eleito, pelo que o destino do ex-líder da Juventude Social-democrata se adivinha idêntico ao de Santana e Menezes. Devo dizer que simpatizo com Pacheco Pereira apesar das muitas discordâncias, e que não votaria em Passos Coelho se votasse nas eleições do PSD. Mas a guerrilha que se seguirá se Passos Coelho vencer, não vai ser boa para ninguém. Nem para o PSD, nem para o País.
17 de março de 2010
QUEIMAR LIVROS. Pacheco Pereira dizia, há pouco, sentir-se incomodado pelo facto de entidades públicas ou privadas destruírem livros a pretexto de não terem espaço para os armazenar, defendendo que em casos desses deviam ser oferecidos a instituições ou a quem deles precisasse. Há dias, um professor escreveu, no Público, mais ou menos o seguinte: é escandaloso que se proceda à destruição de dezenas de milhares de livros que podiam ser oferecidos a bibliotecas, escolas, universidades, centros culturais ou prisões. Mais recentemente, Vasco Graça Moura defendeu que os livros «poderiam com vantagem ser distribuídos no País, ou nos países de língua portuguesa, a título gratuito, em escolas, hospitais, prisões, lares da terceira idade, bibliotecas populares, clubes desportivos, etc.». Acontece que a aparente evidência não passa de uma miragem. Conheço casos em que se ofereceram dezenas de milhares livros que ainda hoje, anos passados, continuam encaixotados e armazenados sabe-se lá onde, por falta de interesse de quem os recebeu e de quem se interesse em os ler. Tirada a fotografia da praxe, repetidos os lugares-comuns nos discursos de ocasião, os livros são logo despachados para um local onde não atrapalhem, e acabarão, a prazo, por se tornar um empecilho, o mesmo empecilho que os levou até ali. Bem sei que destruir livros faz lembrar práticas abomináveis, e daí as reacções indignadas. Mas não é dando livros que se passa a ler mais, por mais triste que seja reconhecê-lo, e os exemplos que dou não são, infelizmente, casos isolados. Hoje em dia só não lê quem não quer, e excepções são isso mesmo.
15 de março de 2010
TIRO NO PORTA-AVIÕES. A gente passa um fim-de-semana longe das notícias e mal chega a elas depara com isto: o PSD anuncia sanções aos militantes que discordarem de quem lá manda. Lidos os pormenores, confirma-se: o congresso social-democrata resolveu punir os militantes que discordarem da direcção do partido nos dois meses anteriores a actos eleitorais com penas que poderão ir até à expulsão, e Manuela Ferreira Leite não só aplaudiu como avisou que as regras são para cumprir. Bem sei que os candidatos à liderança do PSD e outras figuras sociais-democratas discordaram da decisão, mas isso serve de pouco. O mal está feito e amplamente anunciado, e a oposição já facturou o que havia a facturar. O partido que passou os últimos meses a acusar o Governo de asfixia democrática deixa, portanto, de ter autoridade para se pronunciar sobre esta matéria. Aliás, a direcção do PSD já tinha demonstrado tiques autoritários quando escolheu candidatos a deputados a contas com a justiça mas fiéis a quem mandava e excluiu outros pelo crime de discordarem da liderança. Como se fosse preciso, o PSD demonstrou, de novo, que não é alternativa a Sócrates e ao PS, como as recentes sondagens bem o demonstram. Entre dois males, os portugueses preferem os maus aos piores.
12 de março de 2010
MAIS DO MESMO. Depois dos «achismos» e das fezadas, dos números de circo e outros malabarismos, anuncia-se uma comissão de inquérito para saber se o chefe mentiu, ou não, no Parlamento, quando disse ignorar o que provavelmente sabia. Coisa séria, ao que dizem, presidida pelo insuspeito Mota Amaral, que desconfio não ter percebido bem onde se meteu. Pode ser que a comissão de inquérito produza algo que se veja, mas eu já lhe adivinho resultado idêntico ao da comissão de Ética. Enquanto as sondagens demonstrarem que os portugueses preferem Sócrates à oposição (e as mais recentes sondagens demonstram isso mesmo), não há comissão que remova o engenheiro e o seu Governo. É que a oposição não quer ouvir falar de eleições antecipadas, e não estou a ver que se contente com uma vitória na secretaria.
11 de março de 2010
PORCA MISÉRIA. Como se tornou evidente desde o início, a comissão parlamentar que investiga a alegada existência de um plano governamental para controlar a comunicação social serviu, até agora, para expor as misérias do jornalismo e seus protagonistas. Não sendo um mal em si mesmo (é bom que os cidadãos saibam como se cozinha a informação que lhes vendem), é péssimo para o objectivo inicialmente traçado, pois complicou o que pretendia simplificar, confundiu em vez de esclarecer, e ajudou quem queria condenar.
9 de março de 2010
ENTRE DOIS MALES. A sondagem do Público sobre a credibilidade do nosso primeiro-ministro diz, basicamente, o seguinte: os portugueses preferem aldrabões a incompetentes. Dito de outra maneira, os portugueses acham que o Governo mente, mas consideram a oposição um bando de incompetentes. Ainda de outra maneira: para os portugueses que responderam à sondagem do Público, uns são maus, outros são piores. Como calcularão, não aprecio uns, nem outros, mas é provável que também eu escolhesse os primeiros caso fosse chamado a escolher um dos dois. Afinal, a mentira nem sempre é um mal, e até há exemplos que o demonstram. Já a incompetência nada tem que se aproveite.
8 de março de 2010
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS. A Sábado não gostou de ser acusada, por um dirigente do PSD, de pagar a não sei quem para prestar declarações falsas sobre não sei quê, e resolveu apresentar queixa-crime contra o autor da calúnia. Não sendo uma prática inédita na imprensa portuguesa, é uma decisão que, por rara, se saúda. Pena que a Sábado não aplique o mesmo princípio a outros casos, como aquele em que acusou o DN de ter sido beneficiado pelo Governo na publicidade institucional, que se verificou não ser verdadeiro. As desculpas que a Sábado agora reclama são as mesmas que outrora não foi capaz de pedir. Em matéria de princípios, estamos, portanto, conversados, e de seriedade é melhor nem falar.
5 de março de 2010
O ÓBVIO ULULANTE. «Há sinais evidentes [de] que o poder judicial está a funcionar segundo uma agenda política mais ou menos oculta», diz o bastonário dos Advogados. Segundo Marinho Pinho, «basta ver o discurso público de alguns magistrados para ver que eles têm uma agenda política». Mais: o bastonário acusou o poder judicial de estar «empenhado em derrubar o primeiro-ministro». De facto, nota-se bastante. Nota-se que alguns defendem o primeiro-ministro para além do razoável, e nota-se que outros o querem liquidar a qualquer preço. Ambos por razões políticas, e não, como seria de esperar, por haver, ou não, matéria criminal. Não terá sido por acaso que Cândida Almeida propôs que os magistrados possam ser escutados como qualquer outro cidadão, a pretexto de que o combate à violação do segredo de justiça seria, assim, mais eficaz. É que os magistrados também são suspeitos de violação do segredo de justiça, para não dizer os principais suspeitos, obviamente em nome da tal agenda política.
MADUREIRA, O MACACO. Só agora tomei conhecimento do livro do sr. Madureira, vulgo o Macaco, mas a prosa não perdeu actualidade. Gostei, especialmente, daquela passagem que reza assim: «Surgiu a ideia de criar os ultras portugal com elementos dos super dragões e da claque do Sporting. A primeira viagem foi contra a Itália. (...) No caminho, o Borrego lançou um concurso que consistia em ver qual era a claque que mais roubava (...) Foi o caos em Andorra! Lojas e mais lojas cheias de máquinas de filmar, roupa, tabaco...Tudo à mão de semear. Ficámos em transe.» Para o caso de alguém não saber quem é o sr. Madureira e onde pendura o pote, registe-se que o sujeito é o chefe da claque «Super Dragões», mas bem podia ser dos «No Name Boys» ou da «Torcida Verde».
3 de março de 2010
CURIOSIDADE MÓRBIDA. Presumo que o Pedro Tadeu não faz parte do quadro de administradores de empresas em crise que auferem salários astronómicos, não pertence à classe de políticos profissionais que simultaneamente cobram milhares de euros nos seus escritórios de advogados, nem integra o grupo de directores de jornais que ganham salários obscenos. Assim sendo, defende que «as declarações de impostos (...) deveriam ser públicas», pela simples razão de que há inúmeros pelintras que procuram esconder a penúria em que vivem que ele, Tadeu, gostaria de conhecer. Se mais razão não houvesse para não tornar públicas as declarações de impostos, sejam elas de quem for, aqui está um bom motivo.
COISAS QUE NÃO SE PERCEBEM. Não sei se os factos agora conhecidos, que não terão sido devidamente investigados, são, ou não, relevantes. Há, no entanto, um dado que não bate certo: se Madeleine McCann foi morta pelos pais, ainda que por acidente (como sustenta o ex-inspector Amaral), por que não deixaram eles que o caso caísse no esquecimento logo após ter sido arquivado por falta de provas? Depois de terem sido julgados e condenados na praça pública com a conivência — para dizer o mínimo — das autoridades judiciárias, a desacreditada justiça portuguesa arrisca-se a cair no ridículo.
2 de março de 2010
VERGAR A ESPINHA. Como diria o outro, cada um trata a coluna vertebral conforme entender. O problema é que o vergar da espinha de uns dificulta a vida aos que não a vergam, e quando falamos de fundamentalismo islâmico nem é preciso entrar em detalhes. O pedido de desculpas aos «descendentes de Maomé», ainda a propósito dos cartoons dinamarqueses, é um bom exemplo do que falo, e um péssimo sinal.
COISAS BOAS. Ainda há pouco alguém dizia que Paulo Moura é o nosso melhor repórter, e não há dúvida de que as reportagens do Haiti e da Madeira o comprovam. Mas Paulo Moura é, também, um excelente cronista, como este texto bem o demonstra. E já que falo de cronistas, de bons cronistas, façam o favor de ler Ferreira Fernandes no DN de hoje.
1 de março de 2010
LI E GOSTEI (13)
Frank Sinatra, holding a glass of bourbon in one hand and a cigarette in the other, stood in a dark corner of the bar between two attractive but fading blondes who sat waiting for him to say something. But he said nothing; he had been silent during much of the evening, except now in this private club in Beverly Hills he seemed even more distant, staring out through the smoke and semidarkness into a large room beyond the bar where dozens of young couples sat huddled around small tables or twisted in the center of the floor to the clamorous clang of folk-rock music blaring from the stereo. The two blondes knew, as did Sinatra's four male friends who stood nearby, that it was a bad idea to force conversation upon him when he was in this mood of sullen silence, a mood that had hardly been uncommon during this first week of November, a month before his fiftieth birthday.
Gay Talese, Frank Sinatra Has a Cold, incluído no volume The Gay Talese Reader: Portraits and Encounters
Frank Sinatra, holding a glass of bourbon in one hand and a cigarette in the other, stood in a dark corner of the bar between two attractive but fading blondes who sat waiting for him to say something. But he said nothing; he had been silent during much of the evening, except now in this private club in Beverly Hills he seemed even more distant, staring out through the smoke and semidarkness into a large room beyond the bar where dozens of young couples sat huddled around small tables or twisted in the center of the floor to the clamorous clang of folk-rock music blaring from the stereo. The two blondes knew, as did Sinatra's four male friends who stood nearby, that it was a bad idea to force conversation upon him when he was in this mood of sullen silence, a mood that had hardly been uncommon during this first week of November, a month before his fiftieth birthday.
Gay Talese, Frank Sinatra Has a Cold, incluído no volume The Gay Talese Reader: Portraits and Encounters
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