29 de outubro de 2013
NOVAMENTE DE CÓCORAS. Colocado perante as baboseiras do quadrúpede que manda na FIFA, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) começou por dizer que a nomeação de Ronaldo para a Bola de Ouro de 2013 é «mais que justa e merecida pelo que tem feito ao longo dos anos», que deverá ser Ronaldo a ganhar o ambicionado troféu, que é um «fã incondicional» de Ronaldo, que Ronaldo até se destaca pelas qualidades humanas. Resumindo, Fernando Gomes resolveu enaltecer as qualidades do craque da bola, como se as baboseiras proferidas pela cavalgadura que manda no futebol mundial necessitassem de justificação ou desculpa, e não fossem, como deviam, motivo para exigir um pedido de desculpas. Horas depois, conhecida a exigência do Real Madrid (para quem não sabe o clube onde joga), Fernando Gomes apressou-se a apanhar boleia e a corrigir o tiro: «Não posso, de nenhuma forma, concordar com o posicionamento da pessoa que lidera o futebol mundial, tecendo tal tipo de considerações sobre aquele que é um dos símbolos do futebol português», disse Fernando Gomes, acrescentando que foram «desajustados» e «desapropriados» os termos em que foram feitas as declarações de Blatter, segundo ele «uma falta de respeito quer com Cristiano Ronaldo, quer com Portugal». Como se vê, foi preciso o clube do jogador fazer o mínimo que se exigia para que o presidente da FPF dissesse o que devia ter dito logo desde o início, de forma clara e inequívoca. Triste país, o meu, que nos últimos tempos a única coisa que faz bem é pôr-se de cócoras.
25 de outubro de 2013
UMA PEQUENA DÚVIDA. Se os pais são culpados pela morte da filha, ainda que por acidente, como sustentou o então investigador Gonçalo Amaral, e tendo o assunto sido arquivado por falta de provas, como explicar que os pais da pequena Madeleine McCann tenham lutado, com sucesso, pela reabertura do caso se têm, segundo Amaral, culpas no cartório? Eis uma pergunta à qual o ex-inspector que então conduziu a investigação devia responder. A ver vamos o que vai dar a investigação da polícia britânica, e agora também da Judiciária, que ontem anunciou ter «identificado testemunhas que nunca foram inquiridas enquanto o processo esteve a decorrer» — o que, a ser verdade, aponta para falhas na anterior investigação. Recorde-se que Gonçalo Amaral, para quem os novos desenvolvimentos não passam de uma «manobra publicitária» (destinada a quê?), foi afastado da investigação, e depois tentou demonstrar em livro (Maddie: A Verdade da Mentira) o que não conseguiu demonstrar como investigador. E que foi julgado — e condenado a ano e meio de prisão com pena suspensa — por ter espancado uma suspeita de homicídio. Leram bem: espancado. Como no tempo da outra senhora.
23 de outubro de 2013
MASCARENHAS NÃO É GAY. Estou-me absolutamente nas tintas para o facto de Sócrates ser, ou não ser, homossexual. Mas que Sócrates foi alvo de uma campanha nesse sentido, isto é, uma campanha insinuando que ele era homossexual, obviamente com o objectivo de o prejudicar, não há dúvida que foi. Estranho, por isso, que o problema de Paulo Pinto Mascarenhas com José Sócrates seja o facto de o ex-primeiro-ministro ter agora abordado o assunto em entrevista ao Expresso, não a miserável campanha de que foi vítima, que Mascarenhas não só duvida ter existido (um jornalista que ignora os factos é sempre de assinalar), como considerou inofensiva caso tenha existido. Sócrates tem todos os defeitos que lhe queiram apontar e terá cometido todos os erros que dizem ter cometido, e escrevi sobre alguns desde a primeira hora. Parecem-me, por isso, desnecessárias insinuações rasteiras para o demonstrar, que os factos sobejam para o provar as vezes que forem precisas. Sim, o que Mascarenhas disse sem dizer é mais uma insinuação rasteira, que define mais quem a profere que quem pretende atingir. Com certeza que «chamar homossexual a alguém» não é um insulto, como diz com fingida candura. Mas Mascarenhas é tudo menos ingénuo, e não o sendo sabe bem que quem espalhou o boato (ou notícia) sabia que isso prejudicaria José Sócrates. «Há razões fundadas para duvidar da origem da fortuna da sua mãe, dos luxos em Paris, do envolvimento no ‘caso Freeport’ ou da sua licenciatura», remata o jornalista. Nesse caso, investigue, e depois diga alguma coisa.
COISAS REALMENTE IMPORTANTES. Manuela Moura Guedes não perde uma oportunidade para se pôr em bicos de pés. Depois de negar ter cometido um erro num concurso televisivo que agora apresenta quando todas as evidências apontavam o contrário (insistiu no Facebook ser verdadeiro um provérbio inexistente e acabou por remover o post onde o pretendeu demonstrar), eis que agora revelou ao mundo, novamente no Facebook (desta vez com direito a reprodução no DN), que jantou no restaurante onde Sócrates, segundo ela acompanhado por alguns dos seus antigos ministros, assistia a uma entrevista por ele concedida à RTP. E não se esqueceu de acrescentar um detalhe que reputou de grande importância: o ex-primeiro-ministro terá abandonado o restaurante já depois de Manuela, assim evitando cruzar-se com ela. E por que terá isso sucedido? Infelizmente, Manuela apenas insinuou. Por razões que então escrevi, nunca apreciei o famoso jornal da TVI por ela apresentado, onde se fartou de lançar «bombas atómicas» que ao terceiro dia já nem de fumo havia vestígios. Previsivelmente, acabou despedida. Não por pressão de José Sócrates, como ela gostaria e se fartou de insinuar. Mas por práticas jornalísticas que qualquer pessoa com vergonha na cara considerou inadmissíveis.
18 de outubro de 2013
MÁRIO SOARES, O INIMPUTÁVEL. Ao contrário do que Fernando Dacosta sugere, Mário Soares tornou-se, há muito, inimputável. Diga o que disser, só os admiradores indefectíveis e os detractores idem dão importância ao que Soares diz, até porque as consequências do que tem vindo a dizer nos últimos anos têm sido zero. A entrevista «escacha pessegueiro» de Soares ao DN e à TSF, como Dacosta a descreve, esteve longe de ter, como gostaria o articulista, «efeitos de furacão num país amodorrado». Com o devido respeito, as declarações do ex-presidente da República há muito que passaram a ser vistas «com o devido desconto», e tirando Dacosta e meia dúzia de entusiastas ninguém se lembra do que Soares disse em tão importante entrevista — e sobre o «furacão» não se ouviu a mais leve brisa. Não digo isto com prazer ou desprazer: limito-me a constatar uma evidência.
SOARES vs CAVACO. Parece-me um exagero dizer-se que o Presidente Cavaco devia ser julgado, como defende Mário Soares, visto não se vislumbrar matéria para tanto — e o Presidente Cavaco até pode processar criminalmente Soares por aquilo que disse. Mas que a passagem de Cavaco pelo BPN, ainda que só como «depositante», como ele diz (eu diria como investidor), levanta algumas dúvidas, não há dúvida que levanta. Desde logo pelo tratamento que outros investidores não tiveram, e por ter retirado os seus investimentos antes do descalabro do banco. Depois, porque Cavaco era, e continuará a ser, economista, e por mais incompetente que seja um economista custa a crer que os malabarismos de Oliveira e Costa e companhia não tenham sido do seu conhecimento.
16 de outubro de 2013
O QUE ESTÁ EM CAUSA NO EPISÓDIO ANGOLANO. Convém lembrar que a novela luso-angolana em cena, com episódios cada vez mais degradantes, tem um único motivo: a investigação, em Portugal, de altas figuras do Estado angolano, entre elas o vice-presidente e o Procurador-Geral da República, suspeitos de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Por aquilo que se sabe, nada, até ver, aponta para que as ditas figuras tenham cometido os crimes de que são suspeitos. Assim sendo, porquê tanto alarido? Tem medo o Estado angolano do que venha a resultar da investigação, e por isso ameaça Portugal com tudo e mais alguma coisa? Sim, custa a crer que a violação do segredo de justiça, embora crime punível por lei, justifique tamanha indignação.
QUEM SE PÕE DE CÓCORAS NÃO MERECE RESPEITO. Portugal tem interesses em Angola? Evidentemente que tem. E por que razão Angola terá concedido a Portugal todos esses interesses? Porque os portugueses são excelentes pessoas? Se Angola tem acolhido empresas portuguesas, produtos portugueses e dezenas de milhares de portugueses («de braços abertos e fraternalmente», como diz a trombeta angolana), não será porque os portugueses interessam a Angola? Estão a ver Angola estender-nos a mão em nome da amizade, da fraternidade, ou patetices do género? Deixemo-nos de hipocrisias. Portugal precisa tanto de Angola como Angola precisa de Portugal. É, portanto, inadmissível que os governos portugueses se ponham de cócoras perante Angola e seus mandantes — e continuaria a ser inadmissível que nos puséssemos de cócoras mesmo sem esses interesses. Como lembrou ao Público o professor angolano Justino Pinto de Andrade a propósito do episódio Machete, «as autoridades angolanas não respeitam quem se põe de joelhos». Nem elas, nem ninguém.
DECLARAÇÕES INFELIZES. A trapalhada em curso nas relações luso-angolanas tem, essencialmente, dois responsáveis: o ministro português dos Negócios Estrangeiros, que resolveu pôr-se de cócoras perante o Estado angolano; e o chefe do Governo português, que prontamente defendeu Rui Machete por considerar que «declarações infelizes» não são razões para o demitir. Evidentemente que o Estado angolano só podia, face a esta anedota, levantar a voz. Primeiro pelos papagaios do costume, depois pelo próprio Presidente José Eduardo dos Santos, para quem a actual relação entre Portugal e Angola «não aconselha à construção da parceria estratégica» entre os dois países. E porque a investigação que decorre na Procuradoria-Geral da República e respectivas notícias sopradas para os media têm vindo, segundo ele, a criar a imagem de que o angolano rico «é corrupto ou suspeito de corrupção», coisa, como sabemos, muito longe de ser verdadeira. Basta, aliás, olhar para o clã Eduardo dos Santos e seus homens de mão para esclarecer todas as dúvidas.
11 de outubro de 2013
SE FOSSE EM ANGOLA A GENTE TRATAVA DISSO. «Não podemos admitir que em Portugal, políticos e jornalistas, intelectuais com ideias submersas em ódios recalcados não respeitem os nossos símbolos nacionais e desonrem os titulares dos nossos órgãos de soberania», diz-se, em editorial, na trombeta angolana. E que fazer para impedir que isso suceda? Calar os políticos portugueses, os jornalistas portugueses, os intelectuais portugueses? Infelizmente, José Ribeiro, director do Jornal de Angola, não explica como proceder. Como a informação em Portugal ainda é relativamente livre apesar de todo o dinheiro angolano despejado sobre ela nos últimos anos (por razões não só empresariais, está bom de ver), e os cidadãos portugueses são livres de expressar as suas opiniões sobre o que entenderem sem que nada lhes suceda, incluindo a corrupção nos círculos do poder angolano (de que a trombeta angolana parece nada saber), não se vê como.
9 de outubro de 2013
QUANDO OS COBARDES DÃO LIÇÕES DE MORAL. Três conclusões a tirar do artigo assinado por Álvaro Domingos no Jornal de Angola de sábado passado: é um crime grave que a justiça portuguesa investigue dois altos representantes do Estado angolano, entre eles o vice-Presidente da República e o Procurador-Geral da República, segundo dizem por suspeitas de irregularidades cometidas em Portugal; a aparente violação do segredo de justiça, tornando público o teor das investigações, feriu «a honra e o bom nome de duas altas figuras do Estado Angolano»; existem, em Portugal, órgãos de informação onde «jornalistas obedientes aos donos fazem o papel aviltante de juízes de um Santo Ofício», segundo ele graças a «uma relação espúria e aviltante entre o Ministério Público e uma comunicação social que actua na lógica das associações de malfeitores». Tiradas as conclusões, três comentários: ao contrário do que o articulista sugere, nada impede que as individualidades citadas sejam investigadas pela justiça portuguesa caso a dita entenda existirem indícios de práticas irregulares cometidas em território português, e até ver não foram acusados de nada; é, de facto, um crime a violação do segredo de justiça, mas toda a gente percebeu que a violação do dito não é, para o sr. Domingos, o verdadeiro problema, sobre o qual preferiu não se pronunciar; finalmente, não custa acreditar que haja, em Portugal, «jornalistas obedientes aos donos», prontos a fazer «o papel aviltante de juízes de um Santo Ofício», mas um sujeito que se esconde atrás de um nome fictício (Álvaro Domingos é um dos vários pseudónimos usados por um cobardolas que todos sabem quem é) e escreve para a trombeta do regime não tem, obviamente, um pingo de autoridade para dar lições de más práticas jornalísticas. Termino com uma pergunta: o que pensará ele e o Jornal de Angola da reportagem da Forbes sobre Isabel dos Santos (original aqui), que a revista acusa de tudo e mais alguma coisa? Fui pesquisar e não vi que o sr. Domingos tivesse escrito uma linha sobre tão melindroso assunto, nem sequer para defender a filha do Presidente — e o Jornal de Angola não só ignorou o episódio como ainda a elogiou por interpostas pessoas. Será preciso dizer mais alguma coisa? Álvaro Domingos esquece-se que o jornal em que escreve pode ser lido em qualquer parte do mundo, e que o resto do mundo não tem, como os angolanos, motivos para recear o Presidente Eduardo dos Santos. Ao contrário dos domingos desta vida, que se escondem atrás de quem são para lamber as botas a quem lhes dá de comer.
8 de outubro de 2013
JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS VANGLORIA-SE DA SUA PRÓPRIA IGNORÂNCIA. «Ah, uma pintura de Picasso é bonita? Não, não é bonita. Nem Picasso queria que fosse. Ele está a cultivar o feio. Stravinsky faz música que são guinchos. O truque está justamente aí. Isto contagia a literatura. Ler o Ulisses do Joyce é um exercício de masoquismo. Ele leva duas páginas a descrever um armário.»
7 de outubro de 2013
MACHETE, O INFELIZ. Como não bastassem as constantes «incorrecções» sempre que se vê obrigado a prestar declarações sobre a sua passagem pela vigarice que foi o BPN, o ministro Rui Machete resolveu, agora, pedir desculpa ao Estado angolano pelas investigações judiciais em curso que atingem, ao que dizem, altas figuras daquele país. «Não há nada substancialmente digno de relevo e que permita entender que alguma coisa estaria mal», garantiu o ministro dos Negócios Estrangeiros a uma rádio angolana. E como soube ele que não há nada digno de relevo? Presumindo-se que não teve acesso aos processos (em segredo de justiça), a garantia dada pelo ministro é um mistério. Mistério que o próprio se encarregou de desvendar, mais uma vez dando o dito por não dito, de novo corrigindo-se a si mesmo. «Ninguém pode ficar diminuído politicamente por usar uma expressão infeliz», disse o primeiro-ministro sobre o episódio. Como é evidente, não foi, apenas, uma «expressão infeliz», mas um erro que envergonha os portugueses — motivo bastante para não passar sem consequências. É bom não esquecer que Machete anda a dizer coisas infelizes ainda antes de tomar posse, e já não merecia o respeito de ninguém ainda antes do episódio angolano. Prolongar-lhe o mandato é, por isso, eticamente insustentável, politicamente inadmissível, e embaraçoso para qualquer português com um pingo de vergonha na cara.
AI A MEMÓRIA. Se bem me lembro, Manuela Ferreira Leite impediu que Passos Coelho se candidatasse a deputado quando Manuela dirigia o PSD. Tudo porque Passos Coelho foi seu adversário na corrida à liderança social-democrata, e não lhe convinha uma ovelha negra na Assembleia da República. Estranho, por isso, que Manuela agora elogie os militantes do partido a que pertence que «não apoiaram determinado tipo de candidaturas», como esquecesse os tempos em que dirigiu o PSD (ou os outros se tivessem esquecido), e que agora seriam ocupados a estudar a melhor forma de os emprateleirar com o máximo de descrição caso continuasse na liderança. Estou à vontade para o dizer: não teria votado nos candidatos sociais-democratas às câmaras do Porto e Gaia caso militasse no PSD e aí residisse, dois evidentes «erros de casting» cujo responsável foi, evidentemente, o actual líder do PSD, que eu veria com bons olhos removido o mais depressa possível. Mas se em política a coerência é uma prática que já ninguém espera, é bom não perder inteiramente a memória — ou agir como se os outros não a tivessem.
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