29 de janeiro de 2010

DECEPCIONATE. Se me perguntarem que balanço faria da administração Obama, responderia com uma só palavra: decepcionante. Não que eu esperasse grande coisa da administração Obama, mas porque não esperava tão pouco. Nada mudou no plano internacional, muito menos para melhor. Hillary foi à China, e «esqueceu-se» dos direitos humanos. Em Israel continua tudo na mesma. Mantêm-se as ambições nucleares do Irão e da Coreia do Norte, se não foram reforçadas. Não há progressos visíveis no Afeganistão, uma guerra que não só não acabou (como Obama prometeu) como ainda absorveu, por ordem do mesmo Obama, mais uns milhares de soldados. Os militares do Iraque eram para regressar, mas por lá continuam, pelo menos até ao próximo ano. Guantánamo continua aberto. No Iémen, seis agentes da CIA mortos de uma vez só dão sinais de perigosa incompetência da outrora temível polícia. No plano interno, os milhões injectados nas grandes empresas financeiras ficaram aquém do objectivo (para não falar dos milhões injectados com resultados catastróficos), e o desemprego, que o pacote governamental também pretendia combater, não diminuiu. O seguro de saúde continua por aprovar, e se for aprovado (cada vez mais improvável) será uma pálida imagem do que Obama anunciou. Sobram, neste ano e pouco de mandato, os discursos, quase sempre excelentes, raramente eficazes. George W. Bush não deixou grandes saudades, mesmo ao Partido Republicano. Mas não há dúvida que a sua imagem melhora de dia para dia, e que não era tão mau como o pintaram.

28 de janeiro de 2010

CONSELHOS PRESIDENCIAIS. Não sei se a carne de porco é melhor que viagra para aquilo em que estão a pensar, até porque do segundo ainda não experimentei. Mas amanhã, que a meteorologia promete sol no quintal, talvez grelhe umas fêveras.
PROSTITUIÇÃO. Ora aqui está um sector de actividade em que somos competitivos mesmo sem ajuda do Estado.

26 de janeiro de 2010

MILAGRES. Não sou crente, mas nada tenho contra quem é. Mas por que razão os repórteres repetem que estamos diante «um milagre» sempre que, no Haiti, se descobre um sobrevivente improvável? Um milagre, que eu saiba, atribui-se a causa divina, ao sobrenatural, e como tal é entendido pelo comum dos mortais. Bem sei que os «milagres» de que falam os repórteres extravasam, e muito, o âmbito religioso, mas é perfeitamente evitável — e nada rigoroso do ponto de vista dos factos.

22 de janeiro de 2010

DEPUTADOS. Leis claras e simples? E como vão alimentar-se os escritórios de advogados com leis claras e simples?

21 de janeiro de 2010

ARREFECIMENTO GLOBAL. Que existem dúvidas acerca do aquecimento global, já se tinha notado. Que há quem aproveite a teoria para barafustar contra o capitalismo e anunciar o fim do mundo, constata-se a cada passo. O que não se suspeitava é que a teoria do aquecimento global pudesse chegar a um ponto em que não tem ponta por onde se lhe pegue. Como esta notícia demonstra, a entidade mundial que estuda as mudanças climáticas comete erros que nem o mais incompetente se atreveria. Mais: os factos em que assenta um dos principais indicadores do aquecimento global (o desaparecimento dos glaciares nos Himalaias) roçam o anedótico.

20 de janeiro de 2010

NÃO ME FAÇAM RIR. Marcelo saiu da TVI por alegadas pressões do Governo, então do PSD. Marcelo vai sair da RTP por alegadas pressões do Governo, agora do PS. Não duvido um instante que Sócrates gostaria de calar quem não pensa como ele — como, aliás, qualquer outro primeiro-ministro em exercício, da esquerda, ou da direita. Mas uma coisa é querer, outra é poder. Chamem-se o que quiserem, mas ainda me hão-de convencer de que a saída de Marcelo da RTP se deveu a pressões governamentais, ou que o Jornal Nacional de Manuela Moura Guedes acabou pelos mesmos motivos. Convém lembrar que os politiqueiros aproveitam ocasiões como esta para facturar da forma que mais lhes convém, e também é sabido que os métodos utilizados incluem tirar olhos. Chamem-me presunçoso, mas eu não deixo que me impeçam de ver com tanta facilidade. Calar Marcelo? Não me façam rir. Como se fosse possível calar Marcelo, e não tivesse Marcelo mais nenhuma tribuna que lhe conceda espaço idêntico ao que dispõe na televisão pública. Aliás, tenho para mim que Marcelo é mais incómodo ao seu próprio partido (o PSD) que ao PS, esteja este, ou não, no Governo. Mas disso não é oportuno falar.

19 de janeiro de 2010

CHÁVEZ. Demorou, mas não falhou. Os Estados Unidos aproveitaram a tragédia do Haiti para ocupar militarmente o país. Até ver, Hugo Chávez está sozinho neste «raciocínio», mas quando houver notícias de que a tropa americana usou meios violentos para impor a ordem, um cenário cada vez mais provável, quero ver se a tese se vai ficar pelo pantomineiro da Venezuela.

18 de janeiro de 2010

A CARTA. Lida a missiva de Fernando Lima ao Expresso, constato que o assessor do Presidente da República se «esqueceu» de três coisas. Esqueceu-se de explicar a razão por que foi afastado do cargo de assessor de imprensa; esqueceu-se de dizer que o mesmo Presidente que não caiu na esparrela dos «arquitectos da intriga» podia ter «matado» o assunto à nascença se tivesse negado a suspeita das escutas em vez de as alimentar com um silêncio que o tempo revelaria comprometedor; esqueceu-se de dizer que o PR não negou a suspeita das escutas na tristemente famosa comunicação ao país em que meteu os pés pelas mãos e não esclareceu coisa nenhuma. Quanto ao resto da missiva, tudo previsível. O assessor de Cavaco criticou ao de leve o Público (considerou que o jornal então dirigido por José Manuel Fernandes transformou um «gesto de impaciência» em «suspeitas gravíssimas»), e arrasou o Diário de Notícias por este ter publicado um e-mail onde ficou demonstrado que o caso das escutas era mais que «um episódio pícaro da época estival», como Fernando Lima agora nos pretende fazer crer. Resumindo, a carta de Lima é mais um episódio lamentável e perfeitamente escusado, e está longe de ser uma boa defesa do seu «bom nome profissional», como diz ter pretendido.
Texto obrigatório do Francisco.
E noivos de fato-macaco?

15 de janeiro de 2010

HAITI. Por mero acaso, li, há pouco, El reino de este mundo, do cubano Alejo Carpentier, um livro que me abriu o apetite para Los pasos perdidos (que também já li) e outros que hão-de vir. El reino de este mundo é um romance que tem como pano de fundo a revolução haitiana, e personagens extraordinárias como Mackandal ou Ti Noel. Não acrescenta um milímetro à compreensão da tragédia haitiana, mas merece, por si só, uma leitura, e sempre acrescentará alguma coisa a quem quiser conhecer melhor o país.
INDEPENDÊNCIAS. Antigamente, era pecado zurzir em quem estava no poder, e geralmente pagava-se cara a ousadia. Hoje, é pecado defender quem está no poder, embora os custos sejam infinitamente menores. (Continue a ler aqui.)

14 de janeiro de 2010

JL. Não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão, como dizia o outro, mas a notícia de que o Jornal de Letras passou a estar na Internet agradou-me. Como em tempos expliquei, deixei de ler o JL porque me fartei do jornalismo de capelinha, de ver gente promovida cujo único mérito era possuír currículo antifascista, e de ver silenciado quem não merecia por não ter esse currículo. Por falta de espaço, poucos anos depois desfiz-me do arquivo, onde se incluía o número um (ou zero, se houve). Provavelmente o JL continua como sempre foi, e nesse caso não me interessa. Mas como não tenho de me deslocar ao quiosque, não custa nada voltar a tentar.

13 de janeiro de 2010

JUÍZOS DISFARÇADOS DE NOTÍCIAS. As notícias sobre o caso McCann, pelo menos as notícias que eu vi na RTP, são tão enviesadas que chegam a ser vergonhosas. Não é preciso conhecer grande coisa do processo que opõe os McCann a Gonçalo Amaral para perceber que os jornalistas estão com Gonçalo Amaral, e contra o casal McCann. Além de o trabalho dos jornalistas não ser esse, parece que não lhes passa pela cabeça a mais leve dúvida. Para um caso em que praticamente só existem dúvidas, não deixa de ser extraordinário.
ALDRABICES. No melhor pano cai a nódoa, mas ver a própria justiça envolvida num caso de polícia, é o cúmulo. Que a justiça já não surpreende, é um facto que todos os dias se confirma. Mas já me surpreende que ninguém faça o mais leve comentário.

12 de janeiro de 2010

O QUE INTERESSA. Alcançado um acordo entre Governo e sindicatos dos professores, chegou a hora de a discussão se centrar «em redor do ensino», «da escola», e «da educação», diz o Francisco, segundo ele o «que realmente interessa». Acrescenta ainda: «É o mínimo que se pede depois de um ano de acusações, de computadores Magalhães e de ressentimento.» Ora, há quantos anos se anda a pedir que se discuta o que realmente interessa? Que me lembre, desde sempre, e sempre o que realmente interessa foi preterido pela questão dos professores, pelo estatuto dos professores, pela avaliação dos professores, pelos estados de alma dos professores. Estarei a ver mal, mas não vislumbro nada de substancial que o acordo agora alcançado tenha mudado (o secretário-geral da Fenprof diz que estamos perante o mais importante acordo alcançado pelos professores nos últimos 20 anos, o que não deve ser bom sinal). A próxima etapa há-de ser os professores — a avaliação dos professores, o estatuto dos professores, a carreira dos professores, o costume. Não é um palpite. É a ordem natural das coisas.

8 de janeiro de 2010

LI E GOSTEI (11)

Senhora! O sacerdócio da imprensa, cuja invenção se deve a um agiota do século XIV, é a mais augusta das funções, depois da «Arte de cozinha». Ocioso seria provar esta atrevida proposição, quando os exemplos saltam como camarões em terra seca. A rotundidade dos abdómenes, e a estupidez prodigiosa dos proprietários dos ditos, senhora, é a mais persuasiva prova de que a culinária tem sobre a imprensa a primazia disputada por alguns sandeus que se deixaram morrer de fome, embevecidos, no paradoxo da ciência.

Camilo Castelo Branco, Cenas da Foz (actualizada a grafia)
2666. Tarefa para 2010: contar os assassinatos descritos no livro do ano.

7 de janeiro de 2010

LOIRAS COM ATITUDE. Como se lembrará quem leu Montalbán, Pepe Carvalho tinha a mania de queimar livros. Não me ocorre que livros, mas eram livros que mereciam tudo menos a fogueira. Ocorreu-me este episódio enquanto lia a entrevista de Margarida Rebelo Pinto, a «escritora» de best sellers (Alexandre O'Neill chamou-lhes bestas céleres) que se define como uma «loira com atitude», e que tem em tão alta consideração o que escreve que chega a plagiar-se a si mesma. Disse ela na entrevista ao i: João Pedro George não tem autoridade para fazer crítica literária. E porquê? Porque, imaginem, não é formado em letras. Recorde-se que João Pedro George demonstrou, com exemplos, que a criatura se plagiou a si mesma, e mostrou, também por A+B, que a «obra» da criatura é uma belíssima trampa. Plágio que a «escritora» voltou a negar, como já tinha negado na entrevista a Carlos Vaz Marques para a Ler (e que por essa mesma razão ia acabando mal, como se pode ver aqui), como se fosse possível negar uma evidência tão facilmente demonstrável. Provavelmente os livros de Margarida escapariam à fogueira de Pepe Carvalho, porque Pepe Carvalho não queimava qualquer um. Também não simpatizo com livros na fogueira, que me fazem lembrar práticas que abomino. Mas que há livros que não lhes reconheço outra utilidade, lá isso há.

5 de janeiro de 2010

NOVO ANO, VIDA NOVA. Sou leitor da Sábado desde os primeiros números. Por considerar que a revista é fiável, e por ter colaboradores que aprecio. Sempre parti do princípio que o jornalismo que por lá se pratica era sério, e que assentava em factos facilmente verificáveis. A avaliar pelo silêncio face ao protesto do Diário de Notícias, que acusou a revista de falta de seriedade num trabalho sobre publicidade governamental, parece que não é assim. Provavelmente à espera que a coisa passe e o assunto caia no esquecimento, a Sábado optou pelo silêncio. É uma estratégia como qualquer outra, provavelmente a mais utilizada, possivelmente a mais eficaz. Mas eu não me esqueço facilmente. Como aqui escrevi ainda há pouco, abomino este tipo de comportamentos. A Sábado passou, portanto, a integrar a lista de publicações dispensáveis.

4 de janeiro de 2010

CAMILO, SEMPRE. Gastei umas horas a retirar da internet (e a formatar a preceito) nove livros de Camilo (A Senhora Rattazzi, Voltareis oh Cristo, O vinho do Porto, O Olho de Vidro, Suicida, Agulha em Palheiro, Anos de Prosa, Cenas da Foz e Cenas Contemporâneas, todos disponíveis aqui) que eu não sabia que existiam em formato digital, e que já estão no Sony Reader. Para os que passam a vida a zurzir no formato digital, com razão e sem ela, digam-me lá uma coisa: onde conseguiria eu arranjar estas obras? Sei, por experiência própria, que jamais teria lido alguns livros caso não existissem em formato digital, e o caso de Camilo é só um exemplo. Não por questões de gosto ou de comodidade, mas porque são livros que não se encontram noutro formato. Escusado será dizer que isto justifica, por si só, o meu entusiasmo pelo formato digital, embora o troque pelo formato tradicional caso esteja disponível e seja melhor.