30 de agosto de 2011
UM POUCO DE CINISMO. Como resido no estrangeiro, conheço mal o trabalho da jornalista Cândida Pinto. Sei, porém, que é apreciado, ao que parece pelas melhores razões, e isso é uma boa notícia. Mas haverá coroa de glória maior para um certo jornalismo televisivo que fazer um directo durante uma troca de tiros? Sim, levar um tiro ainda seria melhor, mas isso talvez fosse pedir demasiado. Desculpem o cinismo, mas eu não simpatizo com o jornalismo que arrisca a pele para dizer o que já se sabe, que não acrescenta um milímetro ao que já se conhece. Simplificando, não simpatizo com o jornalismo exibicionista. Estar lá não basta. É preciso que o estar lá acrescente alguma coisa à notícia, e a circunstância de estar lá não se torne o centro da notícia. Não me refiro especialmente à reportagem de Cândida Pinto, e até admito que o caso possa não ser um bom exemplo. Falo em geral, e geralmente é assim.
26 de agosto de 2011
DONA IRENE. Anuncia-se o fim do mundo para amanhã, ou depois. Tem nome de mulher, e as notícias — cada vez mais alarmantes, cada vez mais intimidatórias, cada vez mais apocalípticas — não falam de outra coisa. Se tudo correr como habitualmente, isto é, confirmando-se o exagero das notícias para além do razoável, a montanha parirá um rato. Mas neste momento, a 24 horas do início, é mais um desejo que uma constatação. Lembram-se daquele tipo que dizia que não há ateus na cova dos leões?
25 de agosto de 2011
COMEDOUROS. «Vai tomar o quê», pergunta o garçon ao cliente que acaba de entrar, enquanto vai roendo um palito e observando o televisor onde passa um jogo de futebol. O cliente balbucia qualquer coisa que não ouço, e também ele se vira para o televisor. Joga o Porto com não sei quem, que os «dragões» haveriam de perder por muitos. Sucedem-se situações aflitivas junto à baliza portista, e o cliente não tarda a perder a paciência — e a compostura. «Caralho», diz ele de braços no ar, «então aquilo não é penalti?» «Se aquilo não é penalti», sentencia, «que caralho é penalti?» O garçon pára de roer o palito, concentra-se na repetição da jogada, concluiu ninguém sabe o quê — e recomeça a roer o palito. «Se aquilo não é penalti», insiste, então ele nada sabe de bola — e ele tem ar de não saber outra coisa. O garçon ouve-o sem pestanejar (anos de prática ensinaram-lhe isso), e depois vai à vida sem nada dizer. Consulto o menu enquanto um sujeito me tenta vender um disco do Quim Barreiros, provavelmente pirata, onde as ventas do dito ocupam toda a capa. Um americano com ar de quem nunca comeu num restaurante decente (não quero dizer que este seja, mas enfim) degusta uma lagosta aqui mesmo ao lado, e pela forma como ataca o crustáceo aguardo a todo o instante que me caia um naco em cima. Gosto de aqui vir uma vez por outra porque a comida é boa e barata, apesar de o ambiente estar mais próximo da estrebaria que do comedouro, o que às vezes tem a sua graça. Quem sabe, aliás, se um dia o defeito não se torna uma característica, que com a proliferação de comedouros que reclamam a diferença como sendo uma mais-valia nunca se sabe.
22 de agosto de 2011
VALSINHA DA AVALIAÇÃO. Ainda é cedo para avaliar o desempenho dos ministros de Passos Coelho, e o próprio Passos Coelho. Mas já é possível dizer que o ministro da Educação foi uma montanha que pariu um rato. Então os professores no topo da carreira não precisam de ser avaliados? Os anos de serviço e a experiência justificam, por si só, dispensa de avaliação? É evidente que o expediente de Nuno Crato, calando quem tem mais poder de reivindicação, procura evitar uma eventual contestação, e o silêncio generalizado dos professores que serão abrangidos pela medida caso ela entre em vigor, demonstrando não terem discordâncias de fundo e não quererem ser avaliados, é um sinal de que a coisa poderá resultar. Verdade que nada disto surpreende, mas é bom lembrar que os professores que agora aceitam não ser avaliados são os mesmos que ainda há pouco juravam querer a avaliação. Só não concordavam com o modelo, como estarão lembrados, como não concordaram com nenhum outro proposto até àquele, como também se recordarão.
E AS GALINHAS? Que um «artista» resolva enfrascar-se de químicos e deitar-se com as galinhas, e depois exibir a «obra» na Bienal de Cerveira, é lá com dele e com quem lhe dá atenção. Mas as galinhas, senhores? Não foram as galinhas sujeitos a violência gratuita? Onde estão as associações protectoras dos animais?
18 de agosto de 2011
EXTRAVAGÂNCIAS. Mais importante que saber se Mário Crespo foi, ou não, convidado pelo ministro Miguel Relvas a assumir o cargo de correspondente da RTP em Washington, e que o eventual convite atropela as normas em vigor para estes casos (e para outros), gostaria que alguém me explicasse o seguinte: a televisão pública precisará mesmo de um correspondente em Washington? Em caso afirmativo, necessitará ela de deslocar um funcionário da empresa, com os custos que isso comportará? Não seria, nesse caso, muitíssimo mais barato contratar alguém externo à empresa? Quem, nestes tempos de crise, percebe as extravagâncias da RTP?
15 de agosto de 2011
LIÇÕES. Conheço um sujeito que por várias vezes me explicou como a equipa onde o filho jogava podia ter ganho por três ou quatro em vez de perder por sete e oito. Se o miúdo que jogou à frente jogasse atrás, se o árbitro percebesse alguma coisa de bola, se tivéssemos feito isto e não aquilo, podíamos ter ganho em vez de perdermos, diz-me o sujeito como quem lembra uma evidência. Costumo ouvi-lo com toda a atenção, em parte por cortesia, em parte porque a lógica é impressionante e a convicção inabalável. Como é evidente, o exemplo pode aplicar-se aos debates políticos, onde há sempre quem defenda o indefensável, mesmo contra as evidências — embora a mim me pareça que os argumentos do sujeito sejam bem mais convincentes. Por uma razão: são genuínos, autênticos, valores cada vez mais estranhos à política e aos políticos.
12 de agosto de 2011
OUTRA VEZ O ACORDO ORTOGRÁFICO (2). Repararam que os adversários do Acordo Ortográfico se fartaram de apresentar — e continuam a apresentar — montanhas de factos em defesa das suas ideias, quase sempre com uma clareza assinalável, enquanto os defensores do Acordo se limitam, sem excepção, a repetir lugares-comuns que nem os especialistas entendem? Repararam, já agora, que os opositores do Acordo que nos jornais têm escrito contra ele são, de longe, melhores prosadores que os defensores do Acordo que, nos mesmos jornais, se têm manifestado contra? Coincidência, ou consequência?
10 de agosto de 2011
OUTRA VEZ O ACORDO ORTOGRÁFICO (1). Se não fosse muita maçada, gostaria de ver os defensores do Acordo Ortográfico enunciar as razões em concreto (repito: em concreto) em que assenta esse apoio. É que eu ainda não vi uma única razão em concreto (repito: em concreto) em defesa do Acordo. O que se tem dito são frases grandiloquentes com que nos garantem ser o Acordo uma questão transcendente e de alta política, abstracções puras e simples que por vezes nem como tal se aguentam nas pernas, e continua a não se vislumbrar o que a língua portuguesa ganhará com o negócio, como garantem os seus defensores. Espremidos os argumentos publicados nos jornais, não sai uma gota que justifique uma dúvida. Como, aliás, bem demonstra mais um texto no Público de ontem, de um senhor que se identifica como ex-reitor de pelo menos duas universidades, que se limita às abstracções do costume e a chamar nomes a quem não pensa como ele.
8 de agosto de 2011
PORTUGUÊS. Não se exige a um professor de Português que seja um exímio praticante da língua, mas exige-se que cumpra os mínimos. A prosa de Maria Edviges Antunes Ferreira, dada à estampa no Público da última sexta em nome da Associação de Professores de Português, não cumpre esses mínimos, e espero que os ditos professores de Português tenham corado de vergonha quando leram aquilo. Curiosamente, o texto foi redigido ao abrigo do novo Acordo Ortográfico, provavelmente para dar um ar modernaço e, de caminho, impressionar os pategos. Não escondo que sou contra o Acordo, por razões que me fartei de explicar. Mas o que me chateia mesmo é ver gente metida a modernices que nem do mais básico é capaz, ainda por cima gente que tem obrigações na matéria, e de quem é de esperar o exemplo.
5 de agosto de 2011
POBREZA. O Governo promete aumentar os mais carenciados em quarenta centavos por dia. Leram bem: quarenta centavos por dia. Consta que o ministro da Solidariedade não se riu quando apresentou tal medida, o que, a ser verdade, foi uma proeza e tanto.
3 de agosto de 2011
MAU JORNALISMO. Reza a lenda que o jornal de Manuela Moura Guedes na TVI foi suspenso devido às pressões de Sócrates, então primeiro-ministro. Suspensão que ditaria o afastamento de Manuela da TV, como se lembrarão, e na sequência do qual ficou de baixa durante largos meses devido a uma doença que ela lá sabe. Agora, que Manuela tinha as coisas encaminhadas com a SIC, onde se chegou a anunciar que faria não sei que programa, o dr. Balsemão vetou a sua entrada. Poder-se-á dizer, após mais este episódio, que Manuela não agrada a ninguém? Mesmo não sendo a razão do seu afastamento da TVI e, agora, da SIC (pelo menos não há indícios nesse sentido), é preciso dizer que o (mau) jornalismo praticado por Manuela sobraria para a sua rejeição. Contrariamente ao que dizem alguns, as práticas de Manuela no Jornal Nacional só deixam saudades a quem vê o jornalismo como arma de arremesso contra adversários e/ou inimigos, e ainda hoje me custa a crer que algumas pessoas que passam a vida a dizer cobras e lagartos do jornalismo e dos jornalistas, quase sempre com razão, tenham saído em sua defesa. Não há argumentos que fundamentem a defesa do mau jornalismo. Por mais voltas que se dêem, por mais malabarismos que se façam, por mais que se invoquem outros valores que possam, por vezes, ser mais importantes.
2 de agosto de 2011
JORNALEIRISMO (2). Se bem entendo as notícias, não há aselhas no automobilismo caseiro. Se as coisas correm mal aos nossos pilotos lá fora, é porque os automóveis para trás e os pneus para diante. Nunca por erros ou incompetências dos pilotos, com quem o Estado português, é bom não esquecer, gasta consideráveis maquias. Que haja praticantes de futebol medianos e basquetebolistas medíocres, é normal. Só no automobilismo é que não há mediania e incompetência. É o que dá o jornalismo da especialidade (e o outro) limitar-se a transcrever os press releases que lhe enviam em vez de fazer o que dele se espera.
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