30 de abril de 2013
MAU PORTUGUÊS. Há um programa na RTP (Bom Português) que é uma espécie de inquérito de rua destinado a saber como se escreve, em português, determinada palavra. Até aqui, tudo a louvar. Acontece que ultimamente têm querido saber como se escreve determinada palavra segundo o novo Acordo Ortográfico. Ora, sabendo-se da controvérsia à volta do assunto, sendo mais ou menos certo que o Acordo vai ser rectificado (senão anulado), o que pretende a televisão pública? Recebeu ordens «de cima» para converter os incréus?
26 de abril de 2013
TIRO AO SÓCRATES. Por variadíssimas razões, desde a licenciatura de fim-de-semana ao estado em que deixou o país, passando pelos tiques de autoritarismo e pela má-criação, não tenho estima pessoal ou política por José Sócrates. Mas custa-me vê-lo apoucado por políticos em geral e ex-governantes em particular, que não abririam a boca caso tivessem vergonha na cara. O ex-primeiro-ministro regressou de Paris e, de repente, passou a ser responsável por todos os males da pátria. Ainda não percebi, por exemplo, por que razão devia Sócrates, na entrevista à RTP, pedir desculpas aos portugueses pelos males causados ao país. Não que me escandalize tal prática ou não haja motivos para tal, mas porque nunca vi exigir tal coisa aos antecessores que por aí andam a tagarelar em tudo o que é televisão. Não deviam, também eles, pedir desculpas? Ou o princípio das desculpas só se aplica a Sócrates? Outra coisa que não percebi na entrevista foi a introdução do «fact-checking», mecanismo que se destina a apurar a veracidade do que é dito. O jornalismo português descobriu, de repente, a pólvora, dez séculos após ter sido inventada? A prática veio para ficar? Como não me consta que Sócrates possa voltar a ser primeiro-ministro (ou presidente da República) por decreto, tanto barulho só pode significar uma coisa: têm medo dele. Medo que possa voltar a liderar o PS, como líder ganhar eleições, e ganhando-as voltar a ser primeiro-ministro. Ou, então, Presidente da República, caso se candidate e ganhe. Medo, em suma, da democracia, como dizia o outro o pior dos regimes excluindo todos os outros. Também a mim não me agradam estes cenários. Mas ainda me agrada menos que o queiram afastar por decreto. Pior: desagrada-me não haver políticos capazes de se bater com ele. Coisa, suponho, que não será culpa dele.
COISAS BOAS. Tenho alternado as mais recentes leituras entre Rentes de Carvalho e Nelson Rodrigues. O primeiro, de que leio as últimas páginas de Ernestina, é uma descoberta com algumas décadas que só agora, por via da reedição na Quetzal, disponho dos seus livros. O segundo também descobri há décadas, mas só há pouco consegui deitar a mão a um volume de crónicas publicadas sob o título O Reacionário, que adquiri a pataco num improvável alfarrabista de Manhattan. Não considero que tenha maus livros nas estantes (se considerasse não hesitaria em desfazer-me deles). Mas quando leio estes dois senhores fico cheio de vontade de me desfazer de uns quantos.
A GRANDE MÚSICA. Passei a manhã a ouvir a Norma, de Bellini, cantada por Maria Callas. Apesar de consumidor regular da chamada música clássica, foram escassas as óperas que ouvi, e nenhuma integralmente. De ver, lembro-me de ver uma, num jardim público, mas recordo-me mais do jardim e de quem lá estava que da ópera propriamente dita. Resumindo, ignoro quase tudo sobre ópera. Mas depois da que acabo de ouvir, com passagens que me tocaram profundamente, nada será como dantes.
25 de abril de 2013
25 DE ABRIL. Não sei bem quais foram «os ideais da Revolução dos Cravos», que há anos se diz terem sido traídos. Sei, porém, que o 25 de Abril pôs fim a uma ditadura, e eu sou contra as ditaduras. Também não sei bem se a democracia já viu melhores dias, como se diz nos últimos tempos. Mas também julgo saber que continua a ser o pior dos regimes excluindo todos os outros, como dizia o suspeito do costume. É-me, por isso, absolutamente indiferente que ex-governantes ou agremiações políticas, que agem como donos do regime, se tenham recusado a comparecer nas comemorações oficias do 25 de Abril, alegando que o poder político em funções «está contra o 25 de Abril», ou é contrário aos seus ideais. Indiferente porque o regime não ficou mais frágil sem as suas presenças, e se calhar até será mais forte sem eles. Afinal, para eles a democracia só funciona como tal quando são eles (ou os deles) a mandar, como já o demonstraram em variadíssimas ocasiões. Fizeram bem, portanto, em não pôr lá os pés. A democracia precisa de verdadeiros democratas. Não de quem diz sê-lo, mas não consegue sê-lo para lá do umbigo.
ISALTINO MORAIS. Ainda é cedo para a justiça deitar foguetes, como já vi quem sugerisse. Vendo bem, a justiça nem tem razões para tanto. Há quantos anos condenou Isaltino Morais a variadíssimos crimes? Se bem me lembro, há mais de três. Encarcerá-lo só agora, meia centena de recursos depois, será, quando muito, um alívio.
23 de abril de 2013
PACIFISTAS DE OCASIÃO. Passam-se meses e anos sem que os «pacifistas» escrevam uma linha sobre atentados terroristas aqui e além, que vêm ocorrendo com tal regularidade que nalguns lados já quase se tornou rotina. Mas quando os atentados terroristas atingem solo americano e se lamenta o sucedido, logo vêm os sujeitos lembrar que ainda ontem houve um atentado não sei onde de que ninguém falou ou chorou os seus mortos. Esquecem-se os «pacifistas» nestas ocasiões de um pormenor: ninguém falou deles ou chorou os seus mortos a começar por eles próprios, que não abriram a boca ou escreveram uma linha. Os mortos no Paquistão, no Iraque, no Afeganistão e países assim só os perturbam quando servem para os contrapor aos mortos americanos. Aí, sim. É um vale de lágrimas de crocodilo, vão ao fim do mundo por uma fotografia de inocentes (reais e imaginários), de preferência crianças, e se houver um polícia e uma câmara de televisão por perto os mais afoitos põem-se a jeito para levar uma bastonada. Ai se a hipocrisia lhes desse uma coisa que eu cá sei.
22 de abril de 2013
HIROMI (1). Um só adjectivo para definir o concerto de Hiromi* no Blue Note no sábado passado: soberbo.
* Com Anthony Jackson (baixo) e Simon Phillips (bateria)
* Com Anthony Jackson (baixo) e Simon Phillips (bateria)
19 de abril de 2013
BOSTON. Quis o acaso que o massacre de Boston me apanhasse a ler Filho de Deus, de Cormac McCarthy, escritor americano cujos livros estão recheados de uma violência extrema. Sabe-se, à hora a que escrevo, que um suspeito foi abatido, e o outro capturado pelas autoridades. Que ambos viviam nos EUA, que eram irmãos, e de origem chechena. O resto, para já, são informações desencontradas, especulação, teorias da conspiração. E alívio, um grande alívio. Os próximos dias responderão a algumas perguntas, e há demasiadas perguntas a necessitarem de resposta. Terminou uma parte, porventura a pior. Mas cheira-me que não será bonito o que virá a seguir.
17 de abril de 2013
CORRAM COM ELES. Depois de Fernando Seara, que o Tribunal Cível de Lisboa declarou impossibilitado de candidatar-se à Câmara de Lisboa após três mandatos consecutivos na Câmara de Sintra, Luís Filipe Menezes, que agora viu o tribunal congénere do Porto impedi-lo de se candidatar à Câmara do Porto após quatro mandatos consecutivos à frente na Câmara de Gaia. O primeiro já recorreu da decisão, o segundo promete fazê-lo. Não vou insistir nos motivos que invoquei desde o início: no caso de os recursos lhes darem razão, que não me surpreenderia, restará aos eleitores imitar o gesto imortalizado por Bordalo Pinheiro.
IGNORÂNCIA ATREVIDA. O director-adjunto do Correio da Manhã escreveu que «o terror em Boston acentuou o abismo que separa Obama do antecessor Bush». Porque Bush se apressou a atribuir a extremistas islâmicos os atentados de 11 de Setembro, e porque Obama não o fez e se apressou a aplacar «a paranoia anti-islâmica». Acontece que rapidamente ficou demonstrado que os atentados de Setembro foram cometidos por extremistas islâmicos, e quanto ao atentado de Boston ainda nada se sabe. Resumindo, Bush limitou-se a constatar uma evidência, Obama limitou-se a agir sem ela. São estes os factos. Surpreende, por isso, que um jornalista com funções de chefia esteja tão mal informado, e se atreva a fazer graçolas sobre assuntos sobre os quais nada sabe.
CALMA QUE SÓ MORRERAM AMERICANOS. O lembrete do Bruno tem um pequeno senão: se não fosse o massacre de Boston, provavelmente não teria conhecimento dos atentados bombistas no Iraque que ocorreram no mesmo dia — nem, evidentemente, lhe mereceriam uma linha, mesmo que deles tivesse conhecimento. Definitivamente que para os Brunos desta vida não há americanos bons. Nem mortos.
12 de abril de 2013
NAS ESTRELAS. Conheço mal a literatura contemporânea portuguesa, nomeadamente os escritores mais novos. Mas a fiar-me no ror de estrelas que os críticos lhes dão e nas recensões entusiastas em tudo o que é imprensa dita de referência, parece que temos uma literatura contemporânea pujantíssima e de excepcional qualidade. Infelizmente, a escassa que conheço parece-me vulgaríssima, nalguns casos medíocre. Como já vi quem a pusesse no panteão, desconfio que a restante não seja melhor. Acho bem que as editoras apostem nos novos, na idade ou nunca publicados, que só assim chegarão aos leitores — quem, em última análise, avaliará as suas qualidades. Mas daí até os novos serem excepcionais, como se repete a toda a hora, vai um abismo. Tirando a indústria e um ou outro escritor, todos perdem com os exageros. Perdem os escritores, porque se convencem que são bons e não são. Perdem os leitores, que são levados ao engano. Perde a própria indústria, que na ânsia de tudo vender deliberadamente confunde o bom com o mau e a prazo acaba a perder mais do que a ganhar. Perde, evidentemente, a literatura. Razão tem quem ainda há pouco dizia não ler um livro com menos de 20 anos. Vendo bem, são tantos os que se publicam que se torna cada vez mais difícil escolher, e escolher implica rejeitar. Se nalguns casos duas décadas será muito, globalmente parece-me um excelente princípio.
9 de abril de 2013
CHEFS & COZINHEIROS. Vivemos um tempo em que deixou de haver cozinheiros. Agora todos são chefs (assim mesmo, em francês, não vá confundirem-se com um qualquer chefe de uma oficina de motorizadas). Qualquer sujeito que saiba grelhar um robalo ou confeccionar um gaspacho é logo elevado a génio da gastronomia, e se for praticante da cozinha dita molecular então é preciso banda de música e tapete vermelho. Sim, considero que temos chefs a mais e cozinheiros a menos. Nada contra, mas custa-me ver certos hábitos trocados por outros sem que se perceba porquê. Custa-me ver, por exemplo, que dantes eram os cozinheiros que das cozinhas vinham cumprimentar os comensais, e que agora sejam os comensais que, reverentes, vão às cozinhas cumprimentar os chefs — no caso, evidentemente, de os chefs condescenderem a recebê-los. Provavelmente é uma moda, que vem e vai como todas as outras. Mas é uma moda que me custa quase tanto engolir como algumas das suas criações, que geralmente me deixam a suspirar por uns joaquinzinhos ou um caldinho de cebola, que nesta altura do ano aconchegam o corpo e a alma e até eu, zero em culinária, sou capaz de confeccionar.
5 de abril de 2013
OBVIAMENTE NÃO PODE. Já disse e repeti o que penso acerca da lei dos mandatos. Apesar de não ser clara, nunca saberemos se por incompetência de quem a fez ou aprovou ou propositadamente confusa para dela tirarem partido, há, desde o início, uma coisa que ficou clara: a ideia (ou espírito da lei) foi reduzir a três os mandatos consecutivos que um autarca pode exercer. Toda a interpretação que não seja esta, mesmo dos mais reputados tribunais, resulta, apenas, da deficiência da lei, não de qualquer dúvida digna desse nome. Merecerá, por isso, a minha discordância, e se votasse nas autárquicas (estou impossibilitado de o fazer por residir no estrangeiro), votaria contra quem se apresentasse nessas condições. O chumbo do Tribunal Cível de Lisboa às pretensões de Fernando Seara, que pretende candidatar-se à Câmara de Lisboa após três mandados à frente da Câmara de Sintra, foi, portanto uma boa notícia. Espera-se agora que as próximas instâncias para onde terá recorrido confirmem o óbvio.
POR UM CANUDO. Por tudo o que já disse, se algum reparo merece a demissão de Miguel Relvas seria este: pecou por tardia. Apetece-me, no entanto, deixar aqui uma sugestão: que tal fazer-se uma investigaçãozita às licenciaturas dos nossos políticos no activo, incluindo governantes? Aposto que o resultado seria surpreendente. Ou, vendo bem, talvez não.
3 de abril de 2013
O ESPIÃO QUE SAIU DO QUENTE. Provavelmente nunca se saberá se Silva Carvalho é culpado do que é formalmente acusado, e é provável que os tribunais falharão, de novo, em toda a linha. Mas mandará o bom-senso não reintegrar no Estado um ex-espião que é acusado de abuso de poder e violação de segredo de Estado até que os tribunais se pronunciem sobre o assunto. Não pensa assim o primeiro-ministro, que decidiu reintegrá-lo no Estado, agora na Presidência do Conselho de Ministros, sem que se perceba porquê. Presumo que do ponto de vista legal nada impedirá a contratação, mas parece-me insustentável do ponto de vista ético. Ética, aliás, pela qual o Governo já demonstrou ter pouco apreço, como ficou claro quando surgiram os casos com o ministro Relvas, que em pouco tempo passou a ser enxovalhado por tudo e por todos, inclusive por membros do seu próprio partido, e hoje por todos visto como o chico-esperto que subiu na vida à custa de «milagres» como o da Universidade Lusófona, que lhe atribuiu um canudo por dirigir um rancho folclórico e coisas assim.
AI NÃO ME TOQUES. Já o disse a propósito de outro caso, mas repito-o as vezes que for preciso: por que diabo não pode o Tribunal Constitucional ser alvo de pressões? Acaso não estará o Tribunal Constitucional debaixo de pressão sempre que tem de tomar decisões importantes, mesmo que não as haja de forma directa? A pressão, como também já disse, reforça a ponderação — logo contribui para decidir melhor. E também é bom não esquecer que por cada pressão num sentido haverá, por regra, pressão em sentido inverso.
1 de abril de 2013
MAIS UMA CONSPIRAÇÃO. Avesso a teorias da conspiração, não sei se Nuno Santos foi despedido da RTP por «delito de opinião», que por aí se garante à boca cheia. (A fazer fé no que se ouve e diz, não conheço um único jornalista que nos últimos anos tenha sido despedido por outra razão que não fosse «delito de opinião», o que é, no mínimo, estranho.) Por razões que expliquei logo no início do famigerado episódio das imagens cedidas à PSP, que acabou por ditar o afastamento do então director de informação da RTP e posterior despedimento, a história foi mal contada, e as explicações que se seguiram confundiram mais que esclareceram. Mas como as teorias da conspiração têm inúmeros adeptos, há sempre um novo «argumento» para «demonstrar» a mais tosca das teorias. A última garante que a contratação de Sócrates pela RTP se destinou a abafar o «saneamento político» de que Nuno Santos terá sido vítima, pois o caso, segundo o autor, «ameaçava fazer correr muita tinta». Só não se percebe bem por que há-de, a partir de agora, a tinta deixar de correr, por que há-de um caso calar outro. Quem impedirá Nuno Azinheira de falar do «caso» Nuno Santos?
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