30 de abril de 2009

VALHA-ME NOSSA SENHORA. Como a recente entrevista à SIC mais uma vez demonstrou, Manuela Ferreira Leite é um desastre como líder do PSD. A senhora é séria, parece competente e será boa pessoa — mas não tem vida para aquilo. Bem podem Pacheco Pereira e João Gonçalves fazer os possíveis e os impossíveis para demonstrar que não é assim que a senhora não vai lá. Por culpa própria, não vale a pena arranjar bodes expiatórios.
DO JORNALISMO. Então não será relevante saber-se que Fernanda Câncio é namorada de Sócrates quando a jornalista exprime, em público, o que pensa acerca do primeiro-ministro?
OBAMA. O presidente americano cumpriu, nos primeiros 100 dias de governo, 27 promessas, mantém a promessa de cumprir mais sete, quebrou seis, adiou três, e trabalha em 63. Todos os pormenores no Obameter.

28 de abril de 2009

ALDRABICES. A deputada Ana Gomes resolveu candidatar-se ao Parlamento Europeu e, em simultâneo, à Câmara de Sintra, tarefas que diz assumir «sem falsidade» e «com total transparência». Porque nunca acumulou cargos políticos, diz ela, e porque a lei não o permite, digo eu, Ana Gomes abandonará a Europa caso seja eleita em Sintra. Aqui chegados, pergunta a ilustre: «Será possível mais honestidade e transparência?» De facto, a ideia das duas candidaturas em simultâneo é clara como água. Se não for eleita para um cargo, poderá ser eleita para outro, pois quem se candidata a dois cargos sempre terá mais possibilidades de ser eleito do que quem se candidata, apenas, a um. Isto, presume-se, porque não há uma terceira ou quarta eleições a que a senhora possa candidatar-se, naturalmente à luz do mesmo princípio — e sem dúvida em nome da Pátria. Dizer-se, como já ouvi quem dissesse, que estamos perante uma «duplicidade enganosa», ou que Ana Gomes é uma «falsa candidata», só por maldade. Resta saber se a «honestidade» e a «transparência» são, por si só, motivos para se votar nela, pois uma aldrabice honestamente assumida não deixa de ser uma aldrabice.
Fini

24 de abril de 2009

SURPRESAS. El cantor de tango, do argentino Tomás Eloy Martínez, é um livro que descobri por acaso numa estante reservada à ficção em espanhol de uma livraria que visito uma vez por semana, onde também já descobri dois livros de Borges (El informe de Brodie e El Aleph) e um de Carpentier (El reino de este mundo). Tal como outros que também encontrei por acaso e de que pouco ou nada sabia, El cantor foi uma agradável surpresa. Uma pesquisa no Google revelou-me que Martínez está longe de ser um desconhecido, pois tem publicada uma vasta obra, ao que parece digna de aplauso. Foi, no entanto, bom lê-lo sem nada saber dele. É que as expectativas foram, assim, nenhumas, e sei bem no que dão expectativas, mesmo expectativas moderadas. Como nada sabia da obra e do autor, tudo de bom que fui descobrindo no livro foi lucro. Espero que o «estado de graça» se mantenha para o próximo (Purgatorio), que acaba de me chegar graças aos serviços dos suspeitos do costume.

22 de abril de 2009

VERGONHOSO. Mesmo sabendo-se quem manda na televisão pública, que naturalmente causa embaraços aos jornalistas da casa sempre que têm entre mãos matéria que não agrada ao Governo, custa aceitar que se façam afirmações como a que fez Manuela Moura Guedes a propósito da entrevista do primeiro-ministro à RTP, cuja forma como foi conduzida considerou «vergonhosa». E vergonhosa porquê? Estarei a ver mal, ou não vi nada que se aproximasse, sequer, de tal coisa. Pelo contrário: a pertinência de algumas perguntas levou a que o primeiro-ministro por várias vezes se irritasse com os entrevistadores, e a ninguém terá passado despercebida a agressividade com que Sócrates reagiu a algumas questões que lhe foram colocadas. As perguntas de Judite de Sousa e José Alberto Carvalho podiam ser outras e o formato diferente? Podiam. Mas as questões que se impunham foram colocadas, e isso é que importa. Além disso, quem é Manuela Moura Guedes para questionar o modelo de jornalismo praticado por quem quer que seja? Acaso será recomendável o modelo por ela seguido no Jornal Nacional? Não, a minha ideia não é defender o primeiro-ministro no «caso Freeport», nem me refiro, apenas, ao «caso Freeport». Falo porque me custa ver gente sempre tão crítica dos media elogiar o «jornalismo» da TVI, porque o «jornalismo» da TVI lhes serve os interesses do momento.
TORTURA. Nunca tive a mais leve simpatia por Dick Cheney, mas ele tem razão neste ponto. Se a administração Obama achou por bem divulgar os relatórios onde constam os métodos de interrogatório utilizados pela CIA em suspeitos de terrorismo (estou para ver se foi uma boa ideia), por que não divulgar também os relatórios onde se dá conta do aparente sucesso desses métodos? Não, não sou a favor da tortura. Mas deixe-se que cada um ajuíze com todos os dados e não apenas com os dados que convêm a uma das partes.

21 de abril de 2009

ANGLICISMOS. Tinha-se passado a crónica de Nobre-Correia no DN de 18 Abril, mas ainda vou a tempo de citar uma passagem que diz o seguinte: «(...) quando se procura ler hoje um diário ou um semanário português "grande público", é indispensável armar-se de um bom dicionário de inglês para tentar compreender o que querem dizer os site, online, lay-off, play-off, franchising, outlet, offshore, lifting, share, target, outdoor e outros deliciosos termos perfeitamente desconhecidos para a grande maioria da população...» Embora também eu a eles recorra com mais frequência do que seria desejável, subscrevo o que diz Nobre-Correia.
O ENGODO. Se bem me lembro, construíram-se estádios de futebol porque os estádios de futebol eram necessários para o Euro2004. Agora, pondera-se fazer o Mundial porque o Mundial seria, segundo alguns, uma forma de rentabilizar as infra-estruturas já existentes, a grande maioria construídas (ou remodeladas) por causa do Euro2004. (O restante está aqui.)

20 de abril de 2009

ATERRADOR. O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (MP) diz que a acção penal exclui «os mais poderosos e influentes», que há quem queira «transformar o MP num corpo amorfo de funcionários ou comissários políticos obedientes», que há «falta de energia investigatória» no MP, que o MP está sem capacidade e motivação para «exercer de forma plena a acção penal», e que o MP persiste num processo penal que «embaraça o objectivo de descoberta da verdade material (...) em favor de uma teia de formalismos, de escapatórias e incongruências que comprometem a realização duma Justiça célere e compreensível». Como resultado de tudo isto, conclui João Palma, está «cada vez mais enraizada nos cidadãos» a ideia de que existem «margens de impunidade na sociedade portuguesa». Nada, como se vê, que um cidadão medianamente informado já não tivesse percebido, mas é bom que seja alguém que sabe do que fala a confirmar o que se diz ou é publicado. E o que se diz ou é publicado é, para o cidadão comum, aterrador, pois para o cidadão comum não há «escapatórias» ou «incongruências» que lhe valham caso a Justiça lhe caia em cima. (Ver, também, a crónica de António Barreto no Público de domingo disponível aqui.)

17 de abril de 2009

INCOMPATÍVEL. A ser verdade que mantém uma relação pessoal com o primeiro-ministro, parece-me do senso comum que Fernanda Câncio devia abster-se de opinar sobre o «caso Freeport». A questão não é ter, ou não ter, o direito de se pronunciar sobre o caso, ou sobre outro caso qualquer. A questão é que ninguém acredita que ela esteja em condições de, sobre esta matéria, emitir uma opinião com um mínimo de distanciamento e/ou isenção, mesmo que o consiga. A gente ouve com curiosidade o que ela tem para dizer sobre o assunto, mas o interesse esgota-se aí. Tratando-se de uma jornalista, como tal em posição privilegiada para ver o que, na minha opinião, se afigura óbvio, é pena que não vá por aí.
MISTÉRIO. O que se passa com A Origem das Espécies? Acabou?

15 de abril de 2009

EBOOKS, DE NOVO. O facto de existirem, ou não, livros para os leitores de eBooks constitui, na minha opinião, uma falsa questão. Há anos que utilizo maquinetas de leitura digital (nunca sei como as hei-de designar), e nunca comprei um só livro para lá pôr. A circunstância não me impediu, contudo, de lá colocar umas dezenas, que os há aos milhares, de borla, na internet. O facto de uma marca disponibilizar, online, centenas de livros a pataco, é-me indiferente. Qualquer livro gratuito disponível na internet pode ser instalado em qualquer modelo existente (quando não é possível é fácil de converter), e quando se trata de abrir os cordões à bolsa prefiro o livro em papel. A primeira função de um leitor de eBooks nunca foi, para mim, ler livros, mas textos tirados da internet que, depois, leio quando e onde me apetecer sem necessitar de computador ou de impressora. Resumindo, o leitor de eBooks nunca foi uma alternativa ao livro em papel (apesar de ter lido alguns em formato digital), mas um meio que me simplifica outras leituras. Estou, aliás, convencido de que não sou, nesta matéria, um caso isolado, e não me espantaria que o meu caso fosse a regra. Sim, os livros em papel podem, a prazo, desaparecer, como (quase) desapareceram os LPs e, não tarda, os CDs. Mas não penso que os novos suportes ponham em causa o futuro do livro, como o desaparecimento dos LPs e dos CDs não pôs em causa o futuro da música (se calhar o consumo até aumentou). E isso, para mim, é que conta.

13 de abril de 2009

ALFARRABISTAS. Mais uma incursão num alfarrabista, mais duas pérolas praticamente de borla. Falo de Jean Genet in Tangier, de Mohamed Choukri (na imagem), e Amyntas, de André Gide, dois livrinhos (82 páginas o primeiro e 159 o segundo) que se despacham em dois tempos — e que li com prazer imoderado. Isto para dizer que compro cada vez menos livros em primeira mão. Graças aos alfarrabistas e aos serviços da Amazon (e empresas associadas), praticamente já só compro livros usados. Além do preço, mais barato na generalidade dos casos, os livros usados têm, geralmente, encantos que os novos não têm. Anotações e sublinhados, por exemplo, que são, quase sempre, mais-valias que nem as nódoas tornam menos interessantes.
O QUE PARECE. Dizer-se que a vénia de Obama ao rei Abdullah na cimeira do G20 foi uma manifestação de subserviência é, obviamente, um exagero. Pior: é um exagero maldoso. Mas que o gesto foi infeliz, não há dúvida que foi. Como se viu na viagem à Europa, onde Obama foi bem-sucedido, essencialmente, pelo charme que por lá derramou, a imagem é (quase) tão importante como o resto.
DÉJÀ VU. Ana Gomes volta a atacar com a ordinarice.

10 de abril de 2009

MUDAR PARA QUE TUDO FIQUE NA MESMA. O que mudou na política externa americana com a eleição de Obama? Guantánamo era para fechar, e continua aberto. Obama diz que os detidos na base afegã de Bagram não têm direitos constitucionais, e ninguém diz nada. As tropas no Iraque eram para regressar, mas vão lá permanecer, pelo menos, até 2011. O Afeganistão mobilizou mais 17 mil soldados (e mais quatro mil nas próximas semanas), e a indignação que isto causaria no tempo de Bush tornou-se, agora, motivo de aplauso. Obama vai pedir ao Congresso mais 83,4 mil milhões de dólares para as guerras do Iraque e Afeganistão, e todos acham normal. Hillary foi à China e avisou que a questão dos direitos humanos não lhe atrapalharia a agenda, e ninguém disse nada. Em que difere, afinal, a política externa de Obama da administração anterior? Além da cosmética, difere, essencialmente, em três pontos: os EUA de Obama estenderam a mão ao Irão, e o Irão respondeu com um manguito; os EUA de Obama tentaram reaproximar-se da Rússia, e a Rússia intimou os americanos a não meterem o nariz na Moldávia; os EUA de Obama dizem que estamos numa nova era em matéria de política externa, e a Coreia do Norte responde com um míssil capaz de atingir o Alasca. Infelizmente, os factos servem de pouco quando não se quer ver.
Jornalista que tem relação de carácter pessoal com político X encontra-se numa situação de conflito de interesses quando defende político X em coluna de opinião.
Esboço para um retrato de mordomo

9 de abril de 2009

MAIS DO MESMO. O «renovador comunista» Cipriano Justo escreveu, no Público, que estamos a assistir a uma espécie de «calafetagem do capitalismo, na expectativa de que, lá para diante, o sol volte a brilhar». Partindo do pressuposto que isto é mesmo assim, não estaremos perante a admissão do falhanço do comunismo, incluindo o «comunismo renovado», que não é capaz de apresentar uma alternativa credível? Não, há alternativa, garante o dirigente da Renovação Comunista, infelizmente inviável de momento devido, segundo ele, à «fragmentação do campo socialista». Não fosse a «fragmentação», garante o «renovador», e o «campo socialista» seria capaz de «promover as formações económicas pública e quase-pública à condição de eixo estruturante do desenvolvimento social». Traduzido em português que se entenda, quer isto dizer o quê? Quer dizer que nem de uma alternativa puramente retórica são estes pândegos capazes.
GENÉRICOS. Não é verdade que nos EUA a receita médica é passada por princípio activo, como diz José Manuel Fernandes no Público de hoje. O médico passa a receita com a indicação expressa do nome do medicamento, e cabe ao farmacêutico perguntar ao freguês se quer o medicamento receitado ou um genérico.
SEI LÁ. E para quando uma versão do livro de Margarida Rebelo Pinto acompanhada de um chequezinho?

7 de abril de 2009

DESESPERO. Avisado de que o primeiro-ministro resolveu apresentar uma queixa-crime contra o jornalista João Miguel Tavares por causa de uma crónica no DN, fui, sem demora, reler a dita. E que vi eu que justifique uma queixa-crime? Ou estarei a ver mal, ou não há ali nada que se aproxime, sequer, de matéria susceptível de procedimento criminal. Para não ir mais longe, parece-me que o primeiro-ministro foi mal aconselhado — e se precipitou. Por mais que se tente ver a questão doutra maneira, o gesto evidencia alguém que, em desespero, perdeu o Norte, e desatou a disparar sobre quem não devia. Não fosse grave, não se tornasse, mesmo que involuntariamente, uma forma de condicionar a opinião dos jornais, e estaríamos perante um caso meramente ridículo. Como não é assim, resta-me desejar que o tiro lhe saia pela culatra.

3 de abril de 2009

PROSA DE VIAGENS. A propósito de O Velho Expresso da Patagónia, que o Nuno acaba de traduzir e cujo original li há meia dúzia de anos, e do Encontro de Literatura em Viagem, onde me dizem que o autor vai estar presente, gostaria de dizer o seguinte: é uma pena que o Francisco não escreva (e publique) mais prosa de viagens. As crónicas que ele escreve para a Volta ao Mundo são, desde há muito, a única razão que ainda me leva a comprar a revista, cada vez mais difícil de distinguir de um mero catálogo de viagens. O Francisco é dos poucos que relata a experiência pessoal da viagem (o que viu, o que sentiu, o que leu sobre os locais que visitou), a única que realmente me interessa. A maioria dos prosadores do género — e não me refiro, apenas, aos prosadores portugueses — limita-se a escrevinhar meia dúzia de parágrafos a introduzir dezenas de páginas de enciclopédia, e para enciclopédia basta-me a dita. Infelizmente, foram muitas as decepções para me atrever a dizer que sei do que falo, e quem está a par da literatura de viagens sabe que não exagero.
PAULO MOURA. Só agora descobri o Repórter à Solta, de Paulo Moura, jornalista do Público. Aproveito a ocasião para dizer que as crónicas dele são, quase sempre, uma delícia, como a que hoje publica.